Apesar do que já foi
escrito sobre esta matéria:
Não foram ainda
esgotadas todas as vertentes de análise do tema e, por isso, escrevo mais este
artigo a que resolvi dar o título de “O VALOR DA PALAVRA. ENTRE QUEM TEM O
PODER E QUEM SOFRE AS CONSEQUÊNCIAS”.
E porquê?
Porque, infelizmente,
mesmo perante provas inquestionáveis que demonstram o inverso (as quais não
terão sido tidas em consideração, talvez porque isso comprometeria a conclusão
pretendida?), como seja o relato ipsis
verbis das intervenções no parlamento do proponente da lei e dos deputados
da maioria que aprovaram a legislação, ainda assim, os meritíssimos juízes do
Tribunal Central Administrativo Sul, no seu Acórdão
de 15 de janeiro de 2015, arrogaram-se no
supremo direito de reinterpretar aquela que, na sua douta opinião, deveria ser
a “intenção do legislador”:
«Concluímos
do exposto que não foi intenção do legislador, durante este período – 120 dias
-, dotar as assembleias distritais da plena capacidade jurídica de
administrarem os seus bens, ao invés do que vinham fazendo até à entrada em
vigor da presente lei.
A
conclusão que a Recorrente pretende extrair do teor vertido no artigo 9.º da
Lei n.º 36/2014, isto é, de que a Recorrente entre as demais assembleias
distritais até à conclusão do processo de transferência da universalidade de
que é composta, poderia exigir o cumprimento junto dos municípios de pagamentos
em atraso, encontra na sentença em crise a solução prevista pelo legislador a
qual não passa necessariamente por conferir personalidade judiciária à
Recorrente.
Com
efeito, nos termos do citado artigo 9.º, os municípios que se encontrem em
incumprimento do dever de contribuir para os encargos das assembleias distritais
constituirão uma receita que será integrada na universalidade a transferir,
sendo a entidade recetora a quem esta for afecta e não já a Recorrente que terá
personalidade judiciária para cobrir os eventuais pagamentos em atraso.»
Todavia, segundo se pode
ler no Diário da Assembleia da República,
1.ª série, n.º 68, de 3 de abril de 2014, páginas 3 a 16 (que contém o relato
da sessão de dia 2 de abril aquando da apresentação da proposta de lei do
Governo sobre as Assembleias Distritais):
Secretário de Estado da
Administração Local (António Leitão
Amaro):
…
«Relativamente à questão da garantia dos salários, que me parece uma questão
importante, Sr. Deputado, talvez das mais importantes que aqui discutimos, ao
dizermos nesta proposta que se transfere uma universalidade com todas as
posições ativas e passivas, isto significa também que as dívidas perante os
trabalhadores, caso elas existam no momento da transição, mantêm-se.
Mas,
Sr. Deputado, o que eu considero ser mesmo o caminho adequado é que as assembleias
distritais, com os meios de receitas normais que estão previstos na lei, possam
pagar entretanto os salários em atraso aos seus trabalhadores. Isso é possível
fazer, está previsto nas leis, mas se o Sr. Deputado o considera útil, julgo
que isso pode ser perfeitamente esclarecido nesta proposta de lei.» …
Deputada Emília Santos
(PSD):
…
«A proposta é clara mas, presentemente, fica a subsistir apenas um problema, um
problema que nos é igualmente caro e que, embora acautelado na lei atual e nos
regimentos internos, não deixa de causar danos. Referimo-nos à regularização
das dívidas das autarquias às assembleias distritais, dívidas estas geradoras
de situações de desequilíbrio económico e financeiro que as impede de cumprir
com as suas responsabilidades, como seja o pagamento dos salários em atraso. …
Nesta
circunstância, comprometemo-nos desde já e sem desvirtuar a transparência
democrática deste diploma, a procurar, em sede de especialidade, introduzir
alterações que visem criar mecanismos de regularização das dívidas dos
municípios, para que as assembleias distritais procedam ao pagamento dos
salários em atraso. Estamos convictos que todos se irão empenhar na procura desta
solução, que se espera justa e amplamente participada.» …
Deputado João Gonçalves Pereira
(CDS/PP):
…
«Debatemos hoje o futuro das assembleias distritais e o Governo foi confrontado
com quatro preocupações, designadamente uma questão constitucional, que é
incontornável, o problema dos trabalhadores, muitos deles já com ordenados em
atraso, uma solução para o património e os serviços prestados pelas assembleias
distritais e, por último, o destino e o futuro a dar às assembleias distritais.
…
Esta
proposta de lei salvaguarda, e bem, os atuais funcionários das assembleias
distritais. E é justo reconhecer aqui o trabalho que os funcionários das
assembleias distritais fizeram, na salvaguarda e valorização do património
histórico e cultural dos seus distritos. Agora, também há que destacar
negativamente a forma como alguns municípios abandonaram essas mesmas
assembleias distritais. E dou o exemplo de Lisboa que, com total desrespeito
pelos trabalhadores das assembleias distritais, saiu e deixou de pagar a sua
contribuição, o que conduziu a uma rutura financeira, deixando trabalhadores
sem salários e com ordenados em atraso. …
O
Governo, depois de ouvir as diferentes entidades, num espírito aberto, num
espírito de diálogo, num espírito absolutamente construtivo, apresenta uma
solução que respeita a Constituição, que cria um regime para as novas
assembleias distritais e que assegura a regulação da transição dos respetivos
serviços, trabalhadores e património.»
Ou seja, de modo algum
se infere que a pretensão do legislador fosse a de, com a entrada em vigor da
Lei n.º 36/2014 a 1 de julho, antes de concluído o processo de transferência
das Universalidades para as novas Entidades Recetoras, o novo regime jurídico
começasse a produzir efeitos de imediato, proibindo-se a partir dessa data as
Assembleias Distritais de arrecadar receitas, efetuar despesas e manter
trabalhadores, impedindo-as de regularizar as situações de salários em atraso
que já naquela data existiam.
Aliás, foi por
considerarem que a situação dos salários em atraso era grave e deveria ser
resolvida rapidamente, e não estar a ser protelada por tempo indeterminado até
que as Universalidades das Assembleias Distritais fossem integradas nas novas
Entidades Recetoras, que a Proposta
de Lei n.º 212/XII
entregue
pelo Governo foi depois alterada em sede de discussão na especialidade dando
origem ao Decreto
da Assembleia da República n.º 228/XII
que, depois de promulgado e publicado no Diário
da República, viria a ser a Lei n.º 36/2014, de 26 de junho.
Dando cumprimento
àquilo que o próprio Governo e o Grupo Parlamentar do PSD haviam prometido no
plenário de dia 2 de abril e cujas intervenções voltamos a transcrever para dar
ênfase àquela que fora, de facto, a “intenção do legislador” mas que os
meritíssimos juízes do Tribunal Central Administrativo Sul que subscreveram o
Acórdão de dia 15-01-2015 resolveram desconsiderar ao conferir-lhe sentido
inverso ao pretendido:
Secretário de Estado da
Administração Local: «… Mas, Sr.
Deputado, o que eu considero ser mesmo o caminho adequado é que as assembleias
distritais, com os meios de receitas normais que estão previstos na lei, possam
pagar entretanto os salários em atraso aos seus trabalhadores. Isso é possível
fazer, está previsto nas leis, mas se o Sr. Deputado o considera útil, julgo
que isso pode ser perfeitamente esclarecido nesta proposta de lei.» …
Deputada Emília Santos,
do PSD: «… Nesta circunstância,
comprometemo-nos desde já e sem desvirtuar a transparência democrática deste
diploma, a procurar, em sede de especialidade, introduzir alterações que visem
criar mecanismos de regularização das dívidas dos municípios, para que as
assembleias distritais procedam ao pagamento dos salários em atraso. Estamos
convictos que todos se irão empenhar na procura desta solução, que se espera
justa e amplamente participada.» …
E daí a nossa pergunta:
PORQUÊ?
Insistir numa
interpretação errada da “intenção do legislador” (como acima se demonstra) que favorece
quem de forma deliberada e dolosamente não cumpre a lei (Câmara Municipal de
Lisboa), e apesar de conscientes que essa atitude apenas irá prejudicar ainda
mais os trabalhadores, é um ato gravíssimo num Estado de Direito Democrático, sobretudo
quando praticado por um coletivo de juízes de um Tribunal superior a quem,
supostamente, caberia aplicar a Justiça.
1 comentário:
Só que esses senhores "miseráveis cidadãos como qualquer um de nós" (no dizer de um advogado amigo) não têm nem nunca tiveram o seu vencimento em atraso, nem nunca ficaram sem ele, para terem a capacidade de avaliar o que isso significa.
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