segunda-feira, 30 de julho de 2018

Breve nota sobre o caso "Roblesgate".




Resisti até hoje a comentar o caso “Roblesgate” pela mediatização exacerbada que assumira. Todavia, entre tanta produção escrita e falada, por entre críticas de adversários políticos, apoios de camaradas do partido e explicações do próprio, cheguei à conclusão que ninguém conseguiu explicar ainda:
A venda em hasta pública do imóvel em questão pela SS foi anunciada publicamente?
Quem determinou, e com base em que critérios, o valor base de licitação?
Havia condições pré estabelecidas além do preço a pagar pela compra?
Houve outras propostas de aquisição?
Qual é o prazo médio de obtenção do indispensável licenciamento municipal para realização de obras de reabilitação urbana na cidade de Lisboa?
Qual é a tipologia dos apartamentos localizados no edifício agora reabilitado?
Após as obras, qual é a avaliação do imóvel em termos patrimoniais nas Finanças?
Não estando em causa a legalidade dos procedimentos adotados e não pretendendo pronunciar-me sobre as questões da coerência política das posições do proprietário e do seu partido, a bem da verdade, e porque de boas intenções está o inferno cheio, estas são algumas das muitas dúvidas que gostaria de ver esclarecidas porque, antes disso, lamento informar, mas não consigo aferir (sem margem para quaisquer dúvidas) se tendo aparentemente sido cumpridos todos os requisitos legais, atendendo às ligações de RR à autarquia (por ser à época da realização das obras deputado municipal com eventual acesso a informação privilegiada), terão (ou não) havido favorecimentos específicos para obtenção indevida de determinados benefícios no que concerne, por exemplo, ao licenciamento municipal.
O princípio da legalidade quando desacompanhado da transparência e da coerência ética e responsável transforma a política num mero exercício de demagogia populista. Quero acreditar que não é este o caso dos envolvidos nesta questão e, por isso, considero indispensável obter as respostas às perguntas acima formuladas. Caso contrário, o silêncio mostrar-nos-á a verdadeira face de quem temos pela frente.



Imagem retirada do artigo do Esquerda.net intitulado “Todos os esclarecimentos de Ricardo Robles”.

terça-feira, 24 de julho de 2018

ALMADA: o que impede a Câmara Municipal de elaborar a lista dos prestadores de serviços?

A questão da contratação pública no município de Almada continua a dar “pano para mangas”. Depois dos dois últimos artigos e que convém aqui lembrar – de 11-07-2018 e de 22-07-2018 – o assunto ainda tem muito para explorar.
Mas antes de seguir em frente, comecemos por transcrever o que diz a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) – Lei n.º 35/2014, de 20 de junho – sobre as obrigações de publicitação no que aos contratos celebrados pela Administração diz respeito:
Artigo 5.º
Outras formas de publicitação
1 - São afixados no órgão ou serviço e inseridos em página eletrónica, por extrato:
a) Os atos de nomeação e as respetivas renovações;
b) Os contratos a termo resolutivo e as respetivas renovações;
c) Os contratos de prestação de serviço e as respetivas renovações;
d) As cessações das modalidades de vínculo referidas nas alíneas anteriores.
2 - Dos extratos dos atos e contratos consta a indicação da carreira, categoria e posição remuneratória do nomeado ou contratado, ou, sendo o caso, da função a desempenhar e respetiva retribuição, bem como do respetivo prazo.
3 - Dos extratos dos contratos de prestação de serviços consta ainda a referência à concessão do visto ou à emissão da declaração de conformidade ou, sendo o caso, à sua dispensabilidade.
E, agora, vejamos o que se passa com a Câmara Municipal de Almada repescando um comentário que fiz no meu mural do Facebook no passado dia 20 do corrente mês:
«CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA e os contratos de prestação de serviços. Foi pior a emenda que o soneto. Assim não! Em seis dias passaram do eterno "brevemente disponível" (que a CDU manteve ao longo de vários mandatos) para o vazio completo. Se é verdade que a situação anterior era uma afronta ao princípio da transparência (desrespeitado pelos anteriores executivos de forma ostensiva e provocatória), anular o écran onde supostamente deveriam publicitar a informação sobre os contratos de prestação de serviços em vigor no município (que, lembro, é uma obrigação decorrente da lei) não faz desaparecer esse incumprimento. Aliás, esta atitude apenas acrescenta pontos negativos ao desempenho da autarquia o que é mau para a imagem de rigor e isenção que pretendem fazer passar.»
E porquê voltar a escrever sobre esta matéria? Porque verifiquei que ontem (dia 23 de julho) a Câmara Municipal de Almada já voltara a introduzir o separador “Contratos de Prestação de Serviços” na rubrica “Recursos Humanos” da página oficial da autarquia:


Pensei que, finalmente, e pela primeira vez, a lista dos contratados estaria disponível para consulta, dando-se cumprimento ao que a legislação ordena (é bom não esquecer que a CDU nunca a publicitou). Mas, surpresa! Tratava-se somente do encaminhamento para a Base.gov sem haver sequer um filtro que permita aceder àquilo que importa no caso em apreço (a lista dos contratos de prestação de serviços celebrados com particulares):




Ou seja, a CMA remete a obrigação de publicitação nos termos da Lei n.º 35/2014, para uma base de dados que inclui todos os contratos celebrados de aquisição de bens ou serviços, de empreitadas de obras públicas, adjudicados por concurso público, com consulta prévia ou ajustes diretos publicados desde que aquela plataforma existe. Uma tremenda confusão e que imputa ao cidadão o ónus de tratar a informação para aceder ao conhecimento da realidade.
Mas será que é assim tão difícil elaborar a tal lista de prestadores de serviços? Obviamente que não! Importando para EXCEL a informação disponível no portal da contratação pública e fazendo um tratamento básico dos dados, chega-se à apresentação de tabelas temáticas dinâmicas. Um trabalho que se faz com relativa facilidade e que não compreendemos como é possível que na câmara ninguém pareça ter capacidade para o executar. O que nos leva à questão da falta de formação e ao pouco brio profissional que anteriormente referimos no texto do passado dia 22.
E como chegámos à elaboração da tal lista?
Dos 173 contratos de aquisição de serviços celebrados pelo atual executivo PS / PSD (no valor global de 7.044.877€ incluindo IVA a 23%), excluímos 12 contratos (6 por concurso público, 5 por consulta prévia e 1 por concurso limitado pro prévia qualificação) para chegar à identificação dos 161 contratos celebrados por ajuste direto (2.709.672€, já com IVA a 23%).
De seguida expurgaram-se os contratos celebrados com empresas (57 no total) e ficámos com os 104 contratos adjudicados a particulares, os quais importam na quantia de 1.084.564€ (incluindo IVA a 23%).

E a partir daquela tabela, supondo que a CMA publica na Base.gov todos os contratos que adjudica (como a ligação para aquele espaço nos faz crer), elaborámos a lista dos prestadores de serviços para efeitos do cumprimento do disposto no artigo 5.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho. Tudo em pouco mais de duas horas. Mais fácil do que isto é impossível! Por que razão a CMA não o faz? Sinceramente, começo a achar que é desleixo e/ou incompetência a mais.



Dos 104 contratos de prestação de serviços atrás identificados, 88% terminam até ao dia 31 de agosto próximo. São, na sua quase totalidade, referentes à aquisição de serviços de lecionação e vigilância de diversas modalidades desportivas e resultaram da solução encontrada para resolver o problema deixado pelo anterior executivo no caso da “Óptimo Pretexto” já aqui denunciado.
Por último ficam algumas das perguntas que se impõem, com a certeza de que iremos estar atentos ao desenrolar da situação:
Qual vai ser o destino destes formadores e vigilantes a partir do fim do respetivo contrato? Vão haver renovações contratuais? Em que moldes? Quem vai assegurar a continuidade das atividades desportivas em caso de não renovação? Em termos orçamentais, qual é o impacto desta medida (contratação individual) para o período anual completo? Que soluções alternativas existem à dinamização daqueles equipamentos?

domingo, 22 de julho de 2018

CÂMARA DE ALMADA: erros e omissões no registo dos contratos públicos.


A contratação pública é uma das áreas que mais atenção merece nos estudos sobre os procedimentos de risco em matéria de corrupção sendo a consulta ao portal Base.gov e a análise da informação nele disponibilizado fundamental (embora conscientes de que há muitos contratos que nunca chegam sequer a ser registados) à compreensão do fenómeno.
Uma cidadania politicamente ativa em termos autárquicos, exige que se faça uma verificação regular daquela base de dados e, por isso, nos debruçamos amiúde sobre o seu conteúdo no que ao nosso concelho (Almada) diz respeito.
Depois do último artigo em que abordámos a questão dos ajustes diretos, o novo regulamento de proteção de dados pessoais e as práticas contrárias à transparência adotadas neste mandato pelo executivo PS / PSD na Câmara de Almada, eis que nos voltamos a debruçar sobre a questão, com o intuito de esclarecer alguns pormenores que entretanto surgiram (dúvidas levantadas em back office, mas que é necessário clarificar publicamente sem necessidade de identificar as fontes).


No atual mandato (informação recolhida até ao dia 19 do corrente mês) foram registados pela CMA no portal da contratação pública 219 contratos: 191 por ajuste direto, 1 por concurso limitado por prévia qualificação, 16 por concurso público e 11 por consulta prévia, como a imagem acima o documenta.
Se nada temos a observar quanto ao enquadramento legal dos últimos três tipos de procedimentos (concurso limitado por prévia qualificação, concurso público e consulta prévia) o mesmo já não se passa quanto aos contratos classificados como sendo de “ajuste direto”.
1) Desde logo, chama-nos a atenção o facto de haver 126 contratos tipificados como ajuste direto e que, no entanto, apresentam exatamente a mesma fundamentação jurídica dos celebrados por concurso público: a alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CCP.
2) A seguir, aparecem-nos 29 contratos celebrados ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 24.º em que se “esqueceram” de especificar a subalínea de enquadramento.
3) E, por último (nesta primeira análise), a referência a 4 contratos de empreitadas de obras públicas (artigo 19.º do CCP) que classificam como sendo de ajuste direto, mas referem a alínea dos concursos públicos.

Comecemos pelo caso mais simples: o identificado no ponto 2). Que contratos são estes? Atentemos à classificação segundo o código CPV (vocabulário comum para contratos públicos em vigor na União Europeia):


E comparemos a informação com aquela que foi aposta no mesmo tipo de contratos (11 no total), mas onde se especificou a subalínea:


Tendo presente o disposto no citado artigo do CPP:
1 - Qualquer que seja o objeto do contrato a celebrar, pode adotar-se o ajuste direto quando:
[…]
e) As prestações que constituem o objeto do contrato só possam ser confiadas a determinada entidade por uma das seguintes razões:
i) O objeto do procedimento seja a criação ou aquisição de uma obra de arte ou de um espetáculo artístico;
ii) Não exista concorrência por motivos técnicos;
iii) Seja necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual;
[…]
Facilmente concluímos que a incompletude da fundamentação jurídica registada na Base.gov não sendo um facto de per si grave, não deixa de ser mais uma desatenção dos serviços técnicos do município que em acumulação com muitas outras pequenas desconformidades acaba por transmitir, no seu conjunto, uma imagem de negligência que deveria merecer a atenção cuidada dos dirigentes e atuais responsáveis políticos da autarquia para que seja possível inverter a situação apostando-se, nomeadamente, na formação específica dos trabalhadores (um aspeto que, salvo algumas exceções pontuais, sempre foi bastante descurado nos anteriores mandatos).

Passemos, agora, à situação referida no ponto 3). Os quatro contratos de empreitadas enquadrados na área dos ajustes diretos, mas fundamentados como se tivessem sido concursos públicos:



Afinal, foram “ajustes diretos” ou “concursos públicos”?
Não fiquemos somente pelos registos na plataforma da contratação pública (onde o carregamento de dados pelo município apresenta diversas falhas) e vejamos o que diz a lei e verifiquemos as cláusulas contratuais onde se específica a fundamentação jurídica.
Comecemos pela LORIVIL, empresa a quem no presente mandato foram adjudicados dois trabalhos registados como “ajuste direto”.
Todavia, o contrato outorgado em 10-05-2018, para execução do reforço estrutural da Chaminé da Quinta do Bom Retiro, foi precedido de consulta prévia nos termos da alínea c) do artigo 19.º do CCP, consequentemente nem é “ajuste direto” nem “concurso público”. Ou seja, o registo deste contrato na Base.gov apresenta dois erros crassos.
Quanto ao contrato assinado em 19-02-2018, para construção da rampa de acesso à Praceta da Rua da Maçaroca, está escrito no seu preâmbulo que foi celebrado por ajuste direto, contudo não se indica a norma legal ao abrigo da qual se escolheu o respetivo procedimento remetendo o facto para um despacho do vereador do pelouro que não se encontra carregado na plataforma e, por isso, se desconhece. Uma prática que nada abona em favor da transparência.
A alínea d) do artigo 19.º do CCP define que no caso das empreitadas de obras públicas o ajuste direto pode ser escolhido quando o valor do contrato for inferior a 30.000€. Contudo, no caso em apreço, o contrato é de 42.970€ o que excede, em muito, aquele montante.
Por outro lado, no registo na Base.gov é indicada a alínea a) do artigo 19.º como fundamento para a celebração do contrato a qual se refere aos concursos públicos ou concursos limitados por prévia qualificação “com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia” procedimento que não foi adotado.
Atentos à identificação que aparece na plataforma do governo dos outros concorrentes, julgamos estar perante o procedimento de “consulta prévia, com convite a pelo menos três entidades” atendendo a que o valor da obra é superior a 30.000€ mas inferior a 150.000€ - alínea c) do artigo 19.º do CCP.
Ou seja, a contratação terá respeitado os trâmites legais para o efeito, mas mais uma vez não houve cuidado na inserção da informação na Base.gov o que consolida a ideia de que há aqui muita falta de profissionalismo.
Passamos, agora, à OMEP a quem o atual executivo adjudicou a empreitada para requalificação do balneário feminino e execução do posto médico no estaleiro de Vale Figueira.
Embora o contrato celebrado em 05-02-2018 tenha sido classificado como “ajuste direto” apesar de fundamentado como sendo um “concurso público”, considerando o valor da obra (133.033,97€) e a presença de outros concorrentes, facilmente se conclui que não se tratou nem de uma coisa nem de outra, mas sim de um procedimento por “consulta prévia”, à semelhança da situação anteriormente descrita.
Por último (na parte das empreitadas), o contrato com a DARNÍVEL. Mantém-se a mesma situação: foi classificado como ajuste direto, mas fundamentado como concurso público, e acabou sendo um procedimento por consulta prévia.
Mesmo correndo o risco que as generalizações acarretam, ressalvando o profissionalismo de muitos trabalhadores anónimos cujo empenho nunca chega a ser publicamente reconhecido (e que até serão a maioria), em Almada há uma “espécie de tradição” que vem de longa data: informação é poder e trabalhadores esclarecidos é coisa que não convinha ao poder político nos anteriores mandatos pois quanto menos soubessem menos ilegalidade detetavam (reduzindo as hipóteses de denúncias) e mais facilmente seriam manobrados em termos sindicais.
Essa forma de pensar e agir, foi-se solidificando por não haver sindicância pública cidadã e, principalmente, como consequência de uma oposição anódina e amorfa nos órgãos colegiais autárquicos que nunca se preocupou com estas questões que foram sempre negligenciadas por serem entendidas como “mesquinhices técnicas” – lembro-me bem do que diziam alguns dos meus camaradas de partido sobre o teor das minhas intervenções na Assembleia de Freguesia de Cacilhas e na Assembleia Municipal de Almada.
Acontece que a competência e o rigor também se medem pelo adequado cumprimento das normas administrativas porque quem faz estas asneiras e/ou quem as deixa passar impunemente sem correção também deixará passar muitas outras (mais graves até) e assim manterá a porta aberta à corrupção por preferir estar de “olhos fechados” a eventuais deslizes (estar atento dá muito trabalho).
Avancemos agora para a análise mais problemática: os 126 ajustes diretos alegadamente celebrados nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CCP (o que começa logo por ser uma contradição, como já se demonstrou, na medida em que um contrato não pode ser em simultâneo um “ajuste direto” e ter resultado de um “concurso público”).
Analisemos em particular os 93 contratos cujo códigos CPV é o 75000000-6: Serviços relacionados com a administração pública, a defesa e a segurança social, entre os quais estão, por exemplo, os assessores dos gabinetes dos vereadores e os formadores de atividades desportivas.
Depois do artigo do passado dia 11 de julho, foi-nos enviada nesta quinta-feira última, uma nota explicativa da presidência da Câmara Municipal de Almada:
“Dos contratos já validados individualmente, constata-se que os 84 contratos de prestação e serviços em regime de tarefa, que correspondem aos celebrados no âmbito do Programa Municipal Almada em Forma e tal como consta no Portal da Contratação Pública, a classificação encontra-se correta, porquanto foram os mesmos celebrados nos termos do disposto no n.º 1 do Despacho 445/2017, de 29-11-2017, ou seja, ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a) do CCP em vigor à data.”
Mensagem à qual respondi:
“Obrigada pelo esclarecimento. Mas, ainda assim, mantenho a mesma opinião. O n.º 1 do Despacho 445/2017 é contraditório pois refere o ajuste direto e depois cita a norma dos concursos públicos. Os contratos celebrados no âmbito do Almada em Forma, por terem sido dirigidos àquelas pessoas em concreto e pelo seu baixo valor, são claramente enquadráveis na alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º do CCP. No fim-de-semana vou estudar mais ao pormenor estas questões. Ainda há muita coisa por explicar da parte dos serviços. Irei elencar as dúvidas de forma objetiva. Cumprimentos.”
E como o que prometo cumpro, o artigo de hoje é o resultado desse trabalho pormenorizado de análise aos contratos públicos da CMA registados na Base.gov, com enfoque especial naqueles a que se refere o Programa Municipal “Almada em Forma” e que estão diretamente relacionados com o caso da “Óptimo Pretexto” já aqui denunciado.
Por falta de tempo (por enquanto) para analisar os conteúdos (o que exigiria uma investigação mais apurada nomeadamente para acesso a informação não disponível online e necessária para apresentar conclusões fiáveis), ficámo-nos pela interpretação entre registos e legislação. Matéria mais do que suficiente para descobrir incongruências que importaria corrigir no futuro.
Sobre o Despacho 445/2017, texto que faz referência a um outro documento (a Proposta n.º 990/2017, referente à aquisição de serviços técnicos especializados na área do desporto para implementação do “Programa Municipal Almada em Forma”) para o qual remete dando-se por integralmente reproduzido e onde se encontram “os fundamentos de facto e de direito”, não podemos deixar de começar por lamentar que o mesmo não se encontre em anexo, ao contrário do que seria expetável. Uma atitude pouco transparente da administração que em nada abona o atual executivo… um mau hábito que vem do passado (esconder informação relevante) que, incompreensivelmente, perdura no presente.
Transcrevemos, de seguida, a determinação da senhora Presidente da CMA exarada no n.º 1 do citado despacho:
“Emitir parecer prévio favorável, para efeitos de celebração de contratos de aquisição de serviços técnicos especializados na área do desporto e para as diversas modalidades anteriormente referidas, bem como para a vigilância e segurança dos planos de água e equipamentos desportivos, conforme constante do anexo I à presente proposta [outra falha da administração já que, todavia, este documento não se encontra disponibilizado ao público] e que desta faz parte integrante, a ser celebrados por um período máximo de 8 meses, com os preços base igualmente identificados no mencionado Anexo I, acrescentando-lhes o eventual valor do IVA que for devido nos termos da legalmente previstos, devendo estes ser precedidos de procedimento pré-contratual de ajuste direto ao abrigo do disposto no artigo 20.º n.º 1 alínea a) do Código dos Contratos Públicos. (sublinhado nosso)
É óbvio que os autarcas não têm de ter conhecimentos técnicos sobre as múltiplas áreas da gestão autárquica que são cada vez mais complexas e exigem competências específicas e aprofundadas. Aliás, nem é esse o seu papel enquanto políticos, nem seria humanamente possível uma pessoa abarcar todas as temáticas que vão do urbanismo ao ambiente, das contraordenações aos recursos humanos, das finanças à proteção civil, dos transportes ao planeamento do território, da cultura à ação social, do desporto ao turismo, etc. etc.
Para esse efeito existem os assessores pessoais e, sobretudo, os dirigentes das várias unidades orgânicas em que se compõem os serviços municipais e em particular o gabinete jurídico do município a quem compete, nos termos da lei, dar informações especializadas e pareceres técnicos sobre as matérias a despacho.
Isto leva-nos a um ponto fundamental da gestão municipal: à qualidade e fiabilidade técnica dos pareceres que suportam as decisões dos políticos. Porque, dito de uma forma simples: é impossível governar de forma racional e estabelecer prioridades e fazer opções políticas equilibradas e justas tendo por base informações tecnicamente erradas.
Voltando ao n.º 1 Despacho 445/2017:
Sabemos que as muitas dezenas de contratos de prestação de serviços celebrados pelo executivo PS / PSD ao abrigo do “Programa Municipal Almada em Forma” foram-no para resolver o grave problema deixado pelo anterior executivo com a externalização das atividades de lecionação de diversas modalidades desportivas que, por caducidade do contrato com a “Óptimo Pretexto”, iriam deixar de ser asseguradas com os inerentes prejuízos para os utentes (que ficariam privados das aulas) e para os professores (que ficariam sem receber).
A solução encontrada foi a contratação individual do pessoal, em regime de aquisição de serviços. Eram aqueles trabalhadores em concreto que a autarquia pretendia manter em funções, e que antes estavam ao serviço da “Óptimo Pretexto”, que já vinham desenvolvendo as atividades em causa nos equipamentos municipais, e não quaisquer outros.
Portanto, e ao contrário do procedimento a adotar caso se mantivesse a opção de continuar a externalizar a animação dos recintos desportivos do município cujo encargo anual da prestação do serviço eram quase 700.000€ (sem IVA) – o que obrigaria à escolha do concurso público –, a contratação individual de cada um dos formadores devido aos montantes envolvidos (inferiores a 20.000€) e à urgência da situação (para impedir o encerramento dos equipamentos) foi, e bem, o ajuste direto, em conformidade com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º do CCP.
Portanto, a fundamentação jurídica do ato (celebração de contratos de prestação de serviços, por ajuste direto, com cada um dos trabalhadores afetos aos equipamentos desportivos do município para que continuassem a assegurar as atividades que vinham desempenhando) indicada no n.º 1 do Despacho 445/2017 está errada. Estaria correta se fosse para contratar uma empresa responsável pelo conjunto das atividades (valores que ascendiam a muitas centenas de milhar de euros): o concurso público, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CCP. Todavia, como sabemos e ficou provado, não era este o objetivo do Despacho.
Confesso que esta situação é estranha. Uma desconformidade demasiado óbvia para crermos ser possível resultar de simples desatenção. Fomos, por isso, analisar as várias versões da legislação – o CCP já vai na sua 14.ª versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 33/2018, de 15 de maio. Uma ocorrência que obriga os serviços a estarem permanentemente atentos para não serem cometidas gaffes de consequências imprevisíveis.
Centremo-nos, então, naquela que seria a versão do CCP em vigor à data de assunção do Despacho 445/2017: 29 de novembro de 2017. E o que é que constatamos? Que os artigos 19.º e 20.º haviam sido alterados pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, mas os serviços técnicos da CMA não terão sabido dessa nova redação que já se encontrava em vigor há cerca de três meses.
De facto, quer no artigo 19.º quer no artigo 20.º do CCP, considerando as alterações introduzidas antes daquela última por nós atrás referida (e que tinham sido trazidas pelo Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de julho), a alínea que se referia aos ajustes diretos, mas com a redação do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, passou a ser a dos concursos públicos. E os ajustes diretos acabaram na alínea d). Mas não houve uma mera troca de alíneas: foram, também, alterados os valores limite para poder escolher aquele procedimento. E neste caso o desconhecimento da lei pode ser bastante grave pois o valor máximo para escolha do ajuste baixou substancialmente: de 150.000€ para 30.000€ no caso das empreitadas e de 75.000€ para 20.000€ na aquisição de serviços.
Nada que uma consulta à legislação inserida na página da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa não esclarecesse pois ali a legislação apresenta-se com todas as referências históricas de enquadramento.
Ou seja, os documentos foram redigidos como se a versão anterior se mantivesse. Uma desatenção que é preocupante pois revela negligência (sintoma de falta de profissionalismo) e deixa-nos as dúvidas: em quantos mais casos não acontecerão situações semelhantes? Que prejuízos já teve de suportar o município por desacertos desta natureza?
Admitir o erro custa, pois expõe a fragilidade dos serviços ao mostrar que as decisões políticas estão sustentadas em pareceres com fundamentos jurídicos incorretos. Mas insistir que têm razão quando as evidências demonstram o inverso é ainda pior.
A tarefa deste executivo no que concerne à gestão dos recursos humanos dos serviços, sobretudo no que a alguns dirigentes diz respeito, não é nada fácil. As relações de trabalho saudáveis assentam na confiança técnica e na qualidade do desempenho com que cada qual exerce as suas funções. Há que acreditar na competência de quem assina os pareceres que lhe cabem.
Em Almada, infelizmente, os vícios do passado são imensos (vários dirigentes foram nomeados por razões políticas, após realização de “concursos de fachada”, pelo que o mérito não foi opção de escolha) e se nada se fizer para contrariar esta situação no final quem vai colher as consequências da incompetência desse pessoal é o atual executivo pois a população desconhece a tramitação procedimental e entre a manipulação factual e as notícias inventadas por alguns (para que delas haja quem venha a colher dividendos eleitorais nas próximas autárquicas) o mais fácil é responsabilizar os políticos já que são eles “o rosto da autarquia”.
Façamos a leitura do conjunto de documentos anexados ao registo de um dos contratos celebrado nos termos do n.º 1 Despacho 445/2017 (o de Marina Sofia Soares Gomes):
Verificamos que, para lá da falha que é referir-se num documento um outro como dele fazendo parte integrante (portanto, essencial à integral compreensão do ato em causa) e, depois, o mesmo não ser disponibilizado, decorridos mais de três meses sobre a última alteração do CCP continua a insistir-se na justificação errada do procedimento, conforme consta da cláusula 9.ª do respetivo contrato: modalidade de ajuste direto, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea a) do CCP.
Erros que foram supridos em 28-03-2018 aquando da celebração do contrato para coordenação do programa municipal “Almada em Forma”, como podemos verificar pela leitura da cláusula 8.ª onde constam as especificações legais para a sua celebração, as quais a seguir apresentamos com detalhe.
Tipificação do contrato e enquadramento no CCP – alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro:
Artigo 20.º
Escolha do procedimento de formação de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços
1 - Para a celebração de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços, pode adotar-se um dos seguintes procedimentos:
[…]
d) Ajuste direto, quando o valor do contrato for inferior a (euro) 20 000.
Justificação procedimental no âmbito da LGTFP – n.º 2 do artigo 32.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho:
Artigo 32.º
Celebração de contratos de prestação de serviço
[…]
2 - Sem prejuízo dos requisitos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior, a celebração de contratos de tarefa e de avença depende de prévio parecer favorável dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, relativamente à verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior, sendo os termos e tramitação desse parecer regulados por portaria dos mesmos membros do Governo.
Uma pequena observação, quiçá sem importância, mas que evita confusões: dever-se-ia ter explicitado que a referência feita é ao n.º 2 do artigo 32.º do Anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e não ao do corpo do diploma em si.
Enquadramento nos termos do OE2018 – n.º 6 do artigo 61.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro:
Artigo 61.º
Contratos de aquisição de serviços no setor local e empresas locais
[…]
6 - A celebração ou a renovação de contratos de aquisição de serviços para o exercício de funções públicas, na modalidade de tarefa ou de avença por autarquias locais, entidades intermunicipais e empresas locais, independentemente da natureza da contraparte, carece de parecer prévio vinculativo do presidente do respetivo órgão executivo.
[…]
Emissão do respetivo compromisso – n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro:
Artigo 5.º
Assunção de compromissos
[…]
3 - Os sistemas de contabilidade de suporte à execução do orçamento emitem um número de compromisso válido e sequencial que é refletido na ordem de compra, nota de encomenda, ou documento equivalente, e sem o qual o contrato ou a obrigação subjacente em causa são, para todos os efeitos, nulos.
[…]
Afinal não é difícil cumprir a lei. E se “só não erra quem nada faz”, mau mesmo não é errar, mas sim não corrigir o erro.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

CÂMARA DE ALMADA: ajustes diretos, RGPD e falta de transparência.





Consultada a plataforma da contratação pública (Base.gov) ficamos a saber que o atual executivo da Câmara Municipal de Almada até ao dia 9 do corrente mês de julho registou 104 contratos celebrados por ajuste direto para aquisição de serviços com pessoas singulares.
Em regra, este tipo de despesa é cabimentada na rubrica orçamental 01.01.07 – Pessoal em regime de tarefa ou avença. No orçamento da CMA para 2018 estão dotados 1.444.626€ e até à data assinalada foram já assumidos encargos no valor de 1.102.564€ (incluindo o IVA à taxa legal em vigor). De notar, porém, que alguns destes contratos são plurianuais.
Nos termos do Código dos Contratos Públicos, a fundamentação apresentada como suporte legal foi a que a seguir se indica.
93 Contratos – alínea a) do artigo 20.º, e
4 Contratos – alínea b) do artigo 20.º:
Artigo 20.º
Escolha do procedimento de formação de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços
1 - Para a celebração de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços, pode adotar-se um dos seguintes procedimentos:
a) Concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, qualquer que seja o valor do contrato;
(…)
d)   Ajuste direto, quando o valor do contrato for inferior a (euro) 20 000.
5 Contratos – alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º:
Artigo 21.º
Escolha do procedimento de formação de outros contratos
1 - No caso de contratos distintos dos previstos nos artigos anteriores, que não configurem contratos de concessão de obras públicas ou de concessão de serviços públicos, ou contratos de sociedade, pode adotar-se um dos seguintes procedimentos:
(…)
c) Ajuste direto, quando o valor do contrato seja inferior a (euro) 50 000.
2 Contratos – alínea b) do n.º 1 do artigo 27.º:
Artigo 27.º
Escolha do ajuste direto para a formação de contratos de aquisição de serviços
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 24.º, no caso de contratos de aquisição de serviços, pode adotar-se o ajuste direto quando:
(…)
b) A natureza das respetivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação, nos termos do disposto no artigo 74.º, e desde que a definição quantitativa dos atributos das propostas, no âmbito de outros tipos de procedimento, seja desadequada a essa fixação tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida;
Tratando-se os 104 contratos acima referidos de ajustes diretos, aqueles 93 indicados como tendo sido celebrados ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CPP (o que supunha a realização de concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação) não estão corretamente classificados.
Noventa destes contratos são de valor inferior a 20.000€ pelo que a respetiva fundamentação deveria ser a alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º. Quanto aos outros três, que têm valor superior àquele limite, mas que não atinge os 50.000€, supõe-se que deveriam ter sido enquadrados na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º.
Estranhamente, os cinco contratos classificados pela autarquia como estando enquadrados na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º são todos de valor inferior a 20.000€ pelo que a opção correta para justificar o ajuste direto seria a alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º e não aquela que foi indicada pela CMA.
Estas ocorrências, que embora não causem quaisquer prejuízos na execução do contrato, demonstram falta de cuidado no preenchimento da ficha de registo e sobretudo, levam a que possamos ficar na dúvida sobre a possível existência de outras falhas mais graves. E é essa circunstância que pode ser vir a ser lesiva da imagem da autarquia.

Sendo certo que o CCP teve uma alteração já em 2018, posterior à submissão da maioria daqueles contratos na plataforma, é bom notar que os citados artigos mantêm a redação trazida da anterior versão pelo que o lapso é mesmo de flagrante desatenção.
Alguns dados estatísticos (fonte da informação – contratos celebrados por ajuste direto para aquisição de serviços com pessoas singulares entre 01-11-2017 e 09-07-2018):
Contrato de valor mais elevado – 122.460€
Contrato de valor mais baixo – 528€
Valor médio por contrato – 8.478€
Valor diário mais elevado – 323€
Valor diário mais baixo – 2€
Valor diário médio – 32€
Para melhor analisar o tipo de contratos que estão aqui em causa, separemo-los por assunto:
Lecionação – 75 contratos. 354.404,47€ (sem IVA) para um total de 17.640 dias. Referem-se, em exclusivo, a atividades desportivas e surgiram na sequência do caso “Óptimo Pretexto” já aqui denunciado:
Valor médio dos contratos – 4.725,39€
Quantia média diária – 20,09€
Duração média do contrato – 235 dias
Vigilância (apoio atividade desportiva) – 12 contratos. 58.368€ (sem IVA) par um total de 2.880 dias:
Valor médio dos contratos – 4.864€
Quantia média diária – 20,27€
Duração média do contrato – 240 dias
Apoio à vereação – 6 contratos. 135.990,60€ (sem IVA) para um total de 2.190 dias. Correspondem à distribuição de assessores pelas diferentes forças políticas: PS (2), PSD (2), CDU (1) e BE (1):
Valor médio dos contratos – 22.666,60€
Quantia média diária – 62,10€
Duração média do contrato – 365 dias
Apoio especializado (à presidência e outros) – 6 contratos. 290.047,24€ (sem IVA) para um total de 3.465 dias:
Valor médio dos contratos – 48.341,21€
Quantia média diária – 83,71€
Duração média do contrato – 578 dias
Som e iluminação – 3 contratos. 14.940€ (sem IVA) para um total de 540 dias:
Valor médio dos contratos – 4.980€
Quantia média diária – 27,67€
Duração média do contrato – 180 dias
Apoio à Assembleia Municipal – 2 contratos. 27.999,84€ (sem IVA) para um total de 725 dias. Correspondem à distribuição de assessores pelas forças políticas não representadas no órgão executivo: CDS/PP (1) e PAN (1).
Valor médio dos contratos – 13.999,92€
Quantia média diária – 38,62€
Duração média do contrato – 363 dias
Importa agora tecer algumas considerações sobre a forma como a Câmara Municipal de Almada está a interpretar o RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados) – Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, que entrou em vigor em 25-05-2016 e em aplicação plena em 25-05-2018 (sem necessidade de transposição para o ordenamento jurídico português), nesta matéria da contratação pública.
Mas comecemos pelo esclarecimento que o próprio Portal Base.gov faz às entidades e que a seguir transcrevemos na íntegra:
«No sentido de dar cumprimento ao disposto no artigo 465º do Código dos Contratos Públicos, as entidades adjudicantes devem, obrigatoriamente, de publicitar no Portal Base os elementos referentes à formação dos contratos públicos, nos termos definidos na Portaria n.º 57/2018, de 26 de fevereiro.
Nos termos da subalínea v) da alínea b) do n.º 1 do artigo 4º da Portaria, o Portal BASE disponibiliza informação sobre a formação dos contratos sujeitos à parte II do CCP e à execução dos contratos sujeitos à parte III do CCP, incluindo "v) a publicitação dos contratos, incluindo anexos e aditamentos, com a exceção das informações que se relacionem com segredos de natureza comercial, industrial ou outra e das informações respeitantes a dados pessoais” (sublinhado nosso).
De acordo com o Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, que entrou em vigor no dia 25 de maio de 2018, “Dados Pessoais” é a informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular;”
Pese embora os constantes avisos, verifica-se que alguns contratos publicados no Portal BASE não foram expurgados dos dados pessoais dos respetivos intervenientes (designadamente os relativos aos números de identificação civil e fiscal, ao estado civil e à residência) não tendo, assim, sido acautelada a proteção de dados das pessoas singulares em conformidade com o previsto no mencionado Regulamento Europeu bem como na Lei nacional.
Assim, as entidades adjudicantes, antes de submeter os contratos no Portal BASE, devem expurgar todos os dados pessoais neles constantes, com exceção da identificação do contraente público e do cocontratante.
Note-se que, de acordo com o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º da Portaria n.º 57/2018, de 26 de fevereiro, a informação constante do Portal BASE e o cumprimento das normas nacionais e comunitárias referentes à proteção de dados pessoais é da exclusiva responsabilidade das entidades adjudicantes.»
Na nossa opinião, o alerta em destaque é um contrassenso. Consideramos tratar-se de uma recomendação sem sentido e que desvirtua não só o próprio RGPD como atenta contra o princípio da transparência subjacente à existência da própria plataforma. Senão vejamos:
Sendo certo que neste tipo de documentos há dados pessoais, devemos ter presente que se trata de informação necessária à formalização do contrato e encontra-se inserida em contexto profissional de um procedimento de contratação pública que obedece a regras específicas pelo que o princípio da privacidade não se pode sobrepor ao do interesse público nesta matéria.
Assim, sugerir às entidades adjudicantes que expurguem dos contratos a publicar os elementos identificativos dos adjudicatários, parece-nos ser uma distorção do direito à proteção de dados pessoais que, ao tornar secretas essas informações, limita o dever da Administração Pública de agir de forma transparente, contraria o princípio do arquivo aberto e apenas serve para impedir a sindicância do público e incentivar a corrupção.
Por outro lado, é evidente a contradição que existe entre:
A informação que é necessária inserir na ficha que é obrigatório preencher e da qual consta a identificação do adjudicatário através da inserção do seu nome e do respetivo NIF: veja-se o exemplo dos registos que a CMA fez dos contratos de Ana Lourenço e de André Salgado,
E a recomendação que é feita quanto à necessidade de anonimizar os contratos a publicar na medida em que os mesmos ficam sempre relacionados com o registo inicial e permitem que fiquemos a saber a quem se referem os mesmos, como se pode verificar consultando o contrato de Ana Lourenço ou o contrato de André Salgado, os dois exemplos acima referidos.
Retomemos a discussão em torno do RGPD.
Conjugando o disposto no Considerando n.º 16 da Diretiva (UE) 2016/680, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril:
«A presente diretiva não prejudica o princípio do direito de acesso do público aos documentos oficiais. Ao abrigo do Regulamento (UE) 2016/679, os dados pessoais que constem de documentos oficiais na posse de uma autoridade pública ou de um organismo público ou privado para o exercício de funções de interesse público podem ser divulgados por essa autoridade ou organismo nos termos do direito da União ou do Estado-Membro que for aplicável à autoridade ou organismo público, a fim de conciliar o acesso do público a documentos oficiais com o direito à proteção dos dados pessoais.»
Com o expresso no artigo 86.º do RGPD:
«Os dados pessoais que constem de documentos oficiais na posse de uma autoridade pública ou de um organismo público ou privado para a prossecução de atribuições de interesse público podem ser divulgados pela autoridade ou organismo nos termos do direito da União ou do Estado-Membro que for aplicável à autoridade ou organismo público, a fim de conciliar o acesso do público a documentos oficiais com o direito à proteção dos dados pessoais nos termos do presente regulamento.»
E tendo ainda em atenção o n.º 1 do artigo 6.º do RGPD que nos informa de que o tratamento é lícito desde que se verifique pelo menos uma das situações elencadas, entre elas:
Se o tratamento for necessário para a execução de um contrato no qual o titular dos dados é parte, ou para diligências pré-contratuais a pedido do titular dos dados;
Se o tratamento for necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito.
Sem esquecer:
O disposto no artigo 17.º (princípio da administração aberta) e as referências expressas à transparência enunciadas no n.º 1 do artigo 14.º (princípios aplicáveis à administração eletrónica) e no n.º 2 do artigo 201.º (procedimentos pré-contratuais) do Código do Procedimento Administrativo, e
O regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos, expresso na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, que transpôs a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro, para o nosso ordenamento jurídico.
Somos da mesma opinião da Ana Fernanda Neves da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa que no seu artigo “Os dados pessoais do domínio público” (publicado na revista a Associação de Estudos de Direito Regional e Local, Questões Atuais de Direito Local, n.º 16, de outubro/dezembro, p. 7-22) conclui que,
«O direito à proteção dos dados pessoais não é um direito ao anonimato de qualquer pessoa que se relacione com a Administração, que participe em procedimentos administrativos ou que exerça a qualquer título funções públicas.
Um documento administrativo com um nome não é um documento confidencial. É um documento público com um dado pessoal.
Os dados pessoais objeto de recolha legítima são públicos nos termos dos fundamentos e finalidades da respetiva recolha. O “exercício do direito à proteção dos dados pessoais […] não pode ser utilizado em geral para impedir o acesso aos documentos públicos”.
Portugal é um dos pouquíssimos países da Europa que não integra The Open Government Partnership, emparceirando, nesta escolha, no plano mundial, ao lado de países como a Rússia e a Etiópia.»
No caso concreto de Almada, não podemos deixar de ligar,
A anonimização dos adjudicatários seguida pelo atual executivo PS/PSD, que se supõe baseada numa interpretação restritiva do RGPD (que mais não é do que consequência do provável desconhecimento que os responsáveis da autarquia, a nível técnico e político, terão sobre a matéria em causa) que por ser complexa e polémica careceria de um esforço redobrado na aquisição de conhecimentos específicos e bastante bom senso na aplicação das normas,
À péssima posição do município no índice da transparência (um vergonhoso 199.º lugar em 2016 e que em 2017 desceu para o humilhante 206.º lugar) que resultou das más práticas dos anteriores executivos da CDU.
Para concluir que nos custa compreender as razões que sustentarão tal atitude numa uma autarquia que logo no início do presente mandato deliberou criar o Portal da Transparência (embora continuemos a aguardar) pois as mesmas representam um retrocesso em relação aos objetivos então expressos.

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