quinta-feira, 29 de julho de 2021

A (I)RESPONSABILIDADE DA SECRETARIA GERAL DA CÂMARA DE LISBOA


Ou, Quem protege a nossa palavra se até o tribunal a deturpa?

 

Ainda sobre a sentença referida no meu artigo anterior (Processo n.º 2874/16.4BESLB do TACL, de 28-02-2020, sobre a dívida da câmara de Lisboa à assembleia distrital), não posso deixar de trazer à colação um pormenor que, sinceramente, me deixou bastante chocada, embora se trate de um assunto à margem da questão central e a sua apreciação não tivesse contribuído para alterar o desfecho do processo.

Em resumo, pretendia o tribunal apurar se a Câmara Municipal de Lisboa (CML) exercera (ou não) pressão sobre os trabalhadores da Assembleia Distrital de Lisboa (ADL) que tinham pedido transferência para o município em novembro de 2014 (embora, confesso, não perceba qual foi o objetivo deste desvio).

Considerou a juíza como não provado “que os trabalhadores integrados no Município de Lisboa na sequência das negociações entre esta entidade e a ADL tenham sido coagidos de alguma forma a solicitar a transferência por mobilidade” por, além dos meios de prova existentes junto aos autos – declarações individuais solicitando a transição (prova suficiente de que os pedidos tinham sido uma “decisão voluntária” inequívoca) –, não terem sido coligidos outros.

Mais adiante é ainda referido, como motivo para aquela conclusão, o facto de o tribunal não ter “apurado as concretas circunstâncias em que a questão da transição foi colocada aos trabalhadores” e a circunstância de o depoimento da única testemunha que falara em coação ter sido desvalorizado por, alegadamente, refletir um “conhecimento indireto” dos factos já que a trabalhadora em causa “não estaria presente em tal momento” e se limitara a transmitir o que os colegas lhe haviam dito.

Acontece, porém, que isto não é verdade. Não é verdade, reafirmo-o!

Primeiro porque a referida testemunha sou eu e não foi isso que testemunhei em tribunal. Se aqui neste mesmo espaço já denunciara a situação, não era perante a juíza que me ia coibir de dizer a verdade: ao contrário do que a juíza concluiu e transpor para a sentença, tive conhecimento direto, presencial, das intimidações que o secretário geral da CML fez aos trabalhadores da ADL quando se deslocou à Biblioteca dos Serviços de Cultura no dia 7 de novembro de 2014. E foi isso que disse em tribunal.

Aliás, na sequência dessa visita, os trabalhadores presentes subscreveram um documento (que é público) dando notícia dessa ocorrência, entre os quais me encontro. E lembro-me bem da postura prepotente daquele senhor, da forma humilhante como se dirigia aos funcionários da ADL e, em particular, da ameaça implícita nas palavras de despedida que nos dirigiu: “Têm consciência de que a partir de janeiro nenhuma câmara vai pagar mais à Assembleia Distrital? Querem ficar aqui sem nada para fazer e sem ordenado durante meses [naquela data apenas a Diretora dos Serviços de Cultura tinha salários em atraso]? Ou querem aceitar a proposta da Câmara e serem transferidos por mobilidade para o Município de Lisboa? A escolha é vossa!”

Colocados perante cenário tão negro, os trabalhadores visados (à exceção de mim própria que me recusei a ser vítima daquele tipo de chantagem), logo no dia seguinte, compreensivelmente, trataram de apresentar um requerimento solicitando a mobilidade para o Município de Lisboa a qual acabou por produzir efeitos a 01-11-2014.

E são estas as tais declarações individuais que o tribunal considerou como prova bastante para demonstrar a inexistência de pressão por parte do município?

Depois de prestar o meu depoimento em tribunal (como testemunha do Ministério das Finanças), que sei foi gravado (assim me informou a própria juíza que presidia à sessão), só tive conhecimento da sentença em julho de 2021, cerca de um ano após o trânsito em julgado. Mesmo que tivesse sabido disso mais cedo não sei se seria possível (ou sequer se valeria a pena) levantar o problema, mas muito gostaria de saber que razão justifica que o tribunal tivesse alterado o sentido das minhas palavras. Considero esta situação muitíssimo grave e, confesso, deixa-me sérias dúvidas sobre a imparcialidade da justiça. Afinal parece que a nossa palavra não vale pelo que dizemos efetivamente, mas por aquilo que alguém, sem o nosso consentimento, considera conveniente que tenhamos dito.

Uma nota final: não consigo deixar de relacionar este episódio com o processo Russiagate. Porquê? Pelo envolvimento da SG da CML! Na primeira situação teve uma participação ativa (aliás, houve mesmo o empenhado pessoal do próprio SG) e na segunda pecou por ausência. Em ambos os casos, aquela que deveria ter sido uma responsabilidade direta na verificação do cumprimento da legalidade procedimental, acabou por ser, antes (por ação e omissão, respetivamente) a garantia de que a autarquia violava a lei.

sexta-feira, 23 de julho de 2021

António Costa: autarca X governante. O caso da dívida à assembleia distrital de Lisboa.



 

Ao tomar conhecimento desta sentença (já transitada em julgado e por isso aqui me atrevo a divulgá-la), a primeira sensação que tive foi de satisfação… um contentamento enorme, misturado com aquele alívio que se sente quando vemos a justiça confirmar que tínhamos razão.

Mas, ao recordar aquilo por que passei entre 2013 e 2015 como trabalhadora da Assembleia Distrital de Lisboa (ADL), não pude deixar de sentir uma imensa tristeza…

A revolta e a indignação que senti nesses anos já se atenuaram. Acabou ficando só a tristeza … a tristeza por verificar que tudo não passou, afinal, de um mero capricho político do então presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), e hoje primeiro ministro de Portugal, António Costa.

Cerca de quatro anos e meio após a extinção dos Serviços de Cultura da ADL em 2015, e depois da entidade ter ido à falência devido, sobretudo, à recusa da Câmara Municipal de Lisboa (CML) em pagar as contribuições a que estava obrigada nos termos do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, finalmente o tribunal acabou por condenar a autarquia que, entretanto, já regularizou a situação segundo fomos informados.

Como jurista, António Costa sabia que a sua atitude era ilícita (o município de Oeiras também já fora condenado, em 1994, por motivo idêntico), e tanto assim era que, após ter deixado a presidência da câmara e assumido a liderança do XXI governo constitucional, transferida que estava a universalidade jurídica da ADL para o Estado, tratou logo de, através do Ministério das Finanças, colocar a CML em tribunal para lhe exigir o pagamento da dívida que o autarca António Costa deixara em Lisboa. 

Se o objetivo do autarca António Costa era pressionar os decisores políticos a legislar sobre as assembleias distritais, porque razão resolveu agir daquela forma precisamente quando o XIX governo já iniciara o processo oficioso de extinção das entidades previstas no artigo 291.º da Constituição da República Portuguesa com a publicação do Decreto-Lei n.º 114/201, de 30 de novembro (sobre os governos civis) e estava em estudo o caso do órgão deliberativo distrital que viria a consubstanciar-se na Lei n.º 36/2014, de 26 de junho?

Por causa da opção de António Costa, assumida em desrespeito pela deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa que aprovara o orçamento para 2012 (que incluía a dotação anual para a ADL), os serviços municipais foram proibidos de cumprir com aquela obrigação e a falência da ADL entrou em ritmo acelerado.


[ao contrário do que aconteceu com o despacho de 2013 no caso Russiagate, que depois de emitido nunca foi executado, neste caso o empenho da Secretaria Geral da CML foi impressionante ao ponto de ser o próprio SG a garantir, pessoalmente, aos trabalhadores da ADL que a ordem do presidente era para cumprir com rigor]

Apesar de saber que a sua decisão era ilegal e de conhecer as graves consequências que a mesma estava a provocar (cheguei aos 12 meses de salário e dois subsídios de férias em atraso), António Costa manteve-se sempre indiferente. E, ironicamente, viria a ser o seu governo que acabaria por me pagar todos os créditos laborais. Ficaram, no entanto, por ressarcir os muitos prejuízos não patrimoniais que a situação acarretou, entre eles o ter-me sido retirado o direito à ADSE que só recuperei depois de ter sido transferida para a Direção Geral das Autarquias Locais (DGAL) onde me encontro até ao presente. 

Devido às denúncias públicas que fui fazendo e das múltiplas diligências que encetei junto de diversas entidades na defesa dos direitos dos trabalhadores das assembleias distritais, com destaque para este caso em particular envolvendo António Costa (que fui noticiando no blogue INFINITO’S), vários pseudo-amigos afastaram-se e alguns passaram a considerar-me uma inimiga figadal. A todos (por cuja ausência me congratulo) só tenho que agradecer pois foi a sua cobardia que sustentou a minha coragem. Por isso, muito obrigada!

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