sábado, 7 de novembro de 2020

O "Café com Letras" em Cacilhas


O “Café com Letras” ficava na Rua Cândido dos Reis, em Cacilhas. Nele desenvolvi um dos projetos culturais que mais prazer me deu. Foi lá que nasceram as sessões de "Poesia Vadia", o grupo dos "Poetas Almadenses" e a fanzine “O Sabor das Palavras”. Durou pouco mais de três anos.

Mais tarde foi "Sabor & Arte" dando continuidade ao projeto. Mas também este encerrou em 2006.

Deixo-vos o Relatório de Atividades de 2003, o primeiro ano do projeto, como evidência do que se fazia naquele espaço.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Recordar o projeto cultural "Index Poesis"


 Nasceu no "Café com Letras", em Cacilhas (encerrado em 2006).

Leia o LIVRO que apresenta o projeto e conheça as mais de cinco dezenas de autores participantes.

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

O tabu distrital no século XXI

 

O próximo artigo (a aguardar publicação):

RESUMOAutarquia local durante o Estado Novo, a partir de 1976 o distrito tornou-se uma mera circunscrição territorial com caráter transitório e morte anunciada para quando forem criadas as regiões administrativas. Ao longo destas mais de quatro décadas, apesar de reconhecido pela população, o distrito tem sido ostracizado por autarcas, deputados e governantes. Mantido devido à inércia da Assembleia da República, onde os partidos se têm recusado a rever o artigo 291.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o distrito chega a 2020 como um sobrevivente por meras razões políticas (círculos eleitorais) embora mantenha duas aberrações institucionais: os governadores civis (exonerados em 2011 e sem novo titular nomeado desde então) e as assembleias distritais (cujos serviços foram extintos em 2014 ficando reduzidas a um colégio deliberativo autárquico desprovido de atribuições e competências). Este texto, “O tabu distrital no século XXI”, é um contributo para a compreensão da situação atrás descrita.

Palavras-chave: assembleias distritais, círculos eleitorais, distritos, regionalização e descentralização.


terça-feira, 3 de novembro de 2020

Quando o Estado não é exemplo para ninguém.


 

Neste livro, intitulado Os Terrenos do Domínio Privado do Estado e a Gestão do Território, a autora pretende analisar o comportamento do Estado como proprietário fundiário e o reflexo das opções assumidas pelas diversas entidades da administração pública (central e local) na gestão do território.

Após identificação dos instrumentos e atores que intervêm no ordenamento do território em Portugal, é feita uma breve sinopse histórica do distrito e são expostas as fragilidades estruturais das assembleias distritais (órgãos deliberativos autárquicos de âmbito supramunicipal) que, ostracizadas pela generalidade dos autarcas e pelos sucessivos Governos, foram transformadas em “entidades fantasma” embora condenadas pela Constituição a vigorar até à implementação das regiões administrativas.

O “Projeto Integrado de Aproveitamento Social da Quinta da Paiã”, elaborado pelo Governo Civil de Lisboa em 1993, apesar de ser um caso excecional, é o exemplo escolhido para demonstrar algumas práticas ilícitas que devem ser evitadas e que vão do confisco à gestão negligente. Os vários loteamentos que o compõem (com mais de trezentos lotes destinados à construção de habitação e indústria) resultaram de desanexações de prédios rústicos não autorizadas pela então entidade proprietária (a Assembleia Distrital de Lisboa) e nunca obtiveram alvará do município para o efeito (Loures, naquela época; Odivelas a partir de 1998).

Neste estudo, além da denúncia dos factos que terão levado ao impasse de quase três décadas sobre a utilização daqueles terrenos (que estão inseridos, na sua maioria, em solos onde o uso urbano nunca foi permitido pelos instrumentos de gestão territorial) a autora procura, ainda, elencar as perspetivas quanto à sua ocupação futura e deixa pistas para dar continuidade à investigação explorando, nomeadamente, as motivações políticas que considera estiveram na génese do problema.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Para reflexão...


Escrevi o texto onde este excerto se insere há oito anos... lembrei-me dele hoje porque me cruzei pelas redes sociais com uma das pessoas que me levou a escrevê-lo. Retirei-lhe a identificação dos intervenientes, mas deixei a escrita tal qual estava à época.
Serve apenas para uma breve reflexão...

Para quem, como eu, assenta a sua intervenção política em valores como a transparência na gestão autárquica, a luta contra a corrupção, a dignificação do exercício de funções públicas e a defesa dos direitos dos trabalhadores, sacrificar a coerência e a isenção da sua atuação em prol da manutenção de escusos interesses partidários (formatados em princípios que não correspondem, minimamente, aos objetivos de cidadania da sociedade atual), apenas nos mostra o quão limitados são, afinal, os horizontes democráticos destes escravos da ideologia.

Nenhuma força política tem o monopólio exclusivo dos atos democráticos e muito menos existem partidos detentores absolutos e exclusivos da defesa de objetivos de equidade e justiça social.

Por isso, mais importante do que colocar rótulos nos partidos políticos, com base na interpretação dos seus objetivos programáticos ou dos discursos públicos dos seus líderes, é saber afastar a cortina dos preconceitos ideológicos, separar a política nacional da política local e ter a capacidade para, de forma isenta e imparcial, analisar a prática quotidiana dos eleitos, face às disposições legais vigentes.

sábado, 31 de outubro de 2020

Claval, Ferrão e Nascimento - conclusões da análise tripartida


Da leitura dos três artigos analisados (e aqui publicados em 27-10-2020, 28-10-2020 e 30-10-2020) e do vasto conjunto de referências bibliográficas consultadas, ressalta a evidência de que para entender a integralidade das mudanças que ocorrem no território (seja a nível nacional ou regional) é imprescindível equacionar os problemas do quotidiano numa perspetiva tripartida: geográfica (território e ambiente), material (economia e tecnologia) e imaterial (ideologia e organização política).

A geografia, em conjunto com outras disciplinas (como a economia, a sociologia, a antropologia ou a história), desempenha um papel determinante na identificação e compreensão das variáveis que intervêm na organização do espaço e é fundamental na definição dos modelos de ordenamento do território.

Na implementação eficaz de políticas públicas com expressão territorial, o ato de governar (um país ou uma região) é um processo que integra a participação de múltiplos agentes fora do círculo político decisório, seja através de parcerias contratuais ou de colaborações informais em que a escala de operacionalização é o elemento estruturante.

As questões da governança comportam uma dimensão colaborativa que transcende o binómio público-privado onde as associações locais, as instituições de solidariedade social e até os grupos comunitários informais têm um papel a desempenhar na definição das políticas públicas assim como na respetiva implementação.

Ficou também evidente a necessidade de apostar em mecanismos que potenciem a intervenção política da sociedade civil como imperativo na defesa da democracia representativa. Para atingir esse fim precisamos de reforçar o “espírito de cidadania” e promover uma “cultura de participação democrática” porque só com cidadãos conscientes dos seus deveres cívicos e desempenhando um papel ativo na vida política é possível atingir aquele objetivo.

Cada território tem um conjunto de caraterísticas identitárias que resultam da geografia física, da humanização que a população lhe confere e dos múltiplos saberes locais que dão a cada região uma identidade própria que, sedimentada através do tempo, cria nos residentes o sentimento de pertença àquele espaço.

Finalmente importa referir que, tendo presente o tema daquela que será a minha tese de doutoramento, a reflexão sobre os temas dos artigos veio contribuir para enriquecer o capital teórico sobre governança, perceber melhor o que está em causa na identidade local e encontrar argumentos para justificar que a coesão territorial só se atinge pelo saber conjugado de várias ciências, mas onde a geografia é protagonista.

Assim, no âmbito do futuro trabalho de investigação, há alguns assuntos aqui abordados que se pretende aprofundar em complementaridade de outros temas ou numa nova perspetiva de análise, integrados, sobretudo, no capítulo das matérias relacionadas com o ordenamento do território e a governação supramunicipal como sejam, entre outras, as questões:

A governança multinível;

A coesão territorial;

As parcerias com a sociedade civil na definição e avaliação de políticas públicas;

O papel dos cidadãos no aprofundar da democracia participativa;

A identidade regional, distrital e municipal.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

ESPAÇO E TERRITÓRIO: AS BIFURCAÇÕES DA CIÊNCIA REGIONAL

 

Este é o título de um artigo da autoria de Paul Claval, conceituado geógrafo francês nascido em 1932, professor emérito da Universidade de Paris-Sorbonne, agraciado com o prémio Vautrin Lud (considerado o prémio Nobel da geografia) em 1996, traduzido por Guilherme Ribeiro, e foi publicado na revista brasileira de geografia económica Espaço e Economia (ano I, número 1, 2012).


Através de uma linguagem concisa, mas rigorosa, e recorrendo a uma profícua revisão da literatura, Paul Claval apresenta-nos o percurso da ciência regional desde os seus primórdios até ao presente, colocando-nos perante questões pertinentes que obrigam à necessária reflexão acerca dos conceitos e respetiva aplicabilidade, mas, sobretudo, sobre o papel de cada uma das disciplinas que compõem o ramo do saber objeto de estudo neste artigo.

Entre a breve introdução e a extensa bibliografia, o artigo encontra-se estruturado em quatro capítulos os quais se encontram organizados por subtemas, dos quais falaremos mais adiante:

      I.     A origem das reflexões sobre espaço e região;

    II.     Uma primeira bifurcação: o surgimento da ciência regional;

   III.     Uma segunda série de questionamentos;

  IV.     Conclusão.

Numa perspetiva histórica sumária, mas onde a profusão de referências nos permite fazer uma pesquisa detalhada se for esse o nosso interesse, o autor começa por nos relatar os tempos que designa dos “primeiros saberes geográficos” (Claval, 2012, p. 2), que datam de séculos anteriores.

Depois dessa primeira abordagem, Paul Claval conduz-nos com mestria através de uma reflexão conceptual sobre o conceito de espaço, indo das origens e significado da economia espacial até à geografia económica, na procura do substrato que dê significado à ciência regional que procura definir e enquadrar, tal como Phlipponneau fez no seu “panorama da geografia” ao descrever aquilo que designou por “acomodação do espaço” (1964, p. 32).

Numa breve passagem pelos urbanistas e planeadores que antecederam o saber da geografia regional, Paul Claval passa de imediato para o enquadramento metodológico do pensamento económico comparando as diferentes formas como as ciências sociais olham o espaço através dos vetores de localização das atividades produtivas, dos impactos territoriais e dos reflexos na hierarquização e configuração das áreas urbanas (Vasconcellos, 1984).

O subcapítulo seguinte encabeça uma crítica à “quase ausência das ciências políticas” (Claval, 2012, p. 4) e ao citar a proposta de uma análise sociológica da ocupação do território de Max Weber, pressupõe a necessidade de haver uma experiência em rede que consolide o conhecimento sobre as diferentes formas de pensar e usar o espaço (Ribeiro, 2015).

E eis que chegamos ao surgimento da ciência regional, que Paul Claval subdivide em cinco partes:

  1. O desenvolvimento desigual e as taxas de crescimento;
  2. As novas bases da economia da região;
  3. Uma nova geografia económica;
  4. O espaço das outras ciências sociais;
  5. Planejadores e urbanistas.

Sempre com uma preocupação retrospetiva que nos faça perceber as razões epistemológicas que sustentam o nascimento da ciência regional, Paul Claval descreve-nos os diferentes métodos de análise e os seus autores para explicar, sucintamente, o fenómeno do crescimento económico na sua relação temporal com as diferentes teorias sobre organização espacial e a problemática do desenvolvimento regional integrado (Lopes, 1987) tendo sempre em atenção as consequências derivadas da evolução histórica dos vários modelos territoriais e o efeito na restruturação dos espaços ocupados (Mendez, 1997).

No capítulo terceiro, Paul Claval apresenta-nos sete áreas que sintetizam outras tantas preocupações sobre as quais nos deixa pistas concretas para reflexão e um vasto leque de referências bibliográficas para que possamos colher informação complementar além daquela que nos deixa estruturada de forma exemplar:

  1. Progresso dos transportes e das telecomunicações, globalização, contra-urbanismo e metropolização;
  2. As cadeias produtivas face à globalização;
  3. A passagem de uma economia dominada pela oferta a uma economia dominada pela demanda;
  4. A primeira fase do movimento: anos 1970 e início dos anos 1980;
  5. O novo regionalismo (new regionalismo);
  6. Desde o fim dos anos 1990: as críticas ao novo regionalismo;
  7. Uma dupla reflexão sobre a natureza dos territórios e sobre a natureza das informações relevantes para o domínio económico.

Percorrendo os temas acima enumerados, numa linguagem que usa o discurso parentético para indicar a cada definição os autores que melhor expressaram essa opinião, Paul Claval faz uma sequenciação notável dos factos que representam a evolução do pensamento económico nas ciências sociais. Metodologia esta que Dias & Seixas (2019) também seguem quando nos apresentam as interdependências sistémicas da trilogia desenvolvimento regional – políticas públicas – coesão territorial.

A importância dos meios de transportes, a crescente mobilidade entre regiões, a revolução das telecomunicações e os efeitos territoriais da globalização são, também, abordados neste artigo para explicar, nomeadamente, o fenómeno que designa por metropolização sendo um deles “a diminuição significativa do poder do Estado sobre a economia” (Claval, 2012, p. 10).

Pela leitura isolada deste penúltimo capítulo ficaríamos com a convicção de que, apesar do pendor geográfico das análises territoriais, seria a economia a sustentar a ciência regional. Contudo, uma leitura mais atenta torna evidente o cuidado que o autor teve em demonstrar o caráter polissémico desta disciplina ao longo do tempo, sobretudo ao reconhecer os contributos da antropologia, da sociologia, da história, da geografia, da gestão e até da ciência política.

Quando se refere ao espaço como estando “pontuado por lugares onde a memória se acumula, onde conhecimentos são criados e se perpetuam” (Claval, 2012, p. 12), o autor está a reconhecer a relevância da Etnologia (embora nunca o admita) como elemento estruturante da ciência regional, visão com a qual estamos inteiramente de acordo pois, em nossa opinião, esta será uma disciplina essencial para compreender as transformações culturais da sociedade e dos seus impactos territoriais.

Esta subtil dimensão cultural (que Paul Claval neste artigo parece recusar nomear como tal) vem, no entanto, conferir à abordagem economicista da ciência regional uma perspetiva integradora, mais humana e próxima da realidade, permitindo-nos descobrir o caráter identitário de cada região e assim compreender melhor os elementos que o compõem para poder conceber, valorizar e concretizar políticas públicas com efetiva eficácia ao nível coesão territorial (Santinha, 2014).

Contudo, sabendo nós da importância que Paul Claval dá a esta temática (como o evidencia a sua emblemática obra A geografia cultural, 1995 – livro a que, infelizmente, não tivemos oportunidade de aceder) não temos quaisquer dúvidas de que o cariz interdisciplinar que o autor atribui à geografia regional inclui, necessariamente, a cultura como um pilar fundamental na análise dos territórios.

Como conclusão, Paul Claval aponta-nos a dificuldade da sociedade em “pensar o espaço” como um sistema dinâmico alertando para a necessidade de não se negligenciar a multiplicidade de aspetos que o compõem. Para o efeito é importante que a “produção geográfica” e a “ciência económica” deixem de percorrer caminhos separados e trabalhem em conjunto para resolver os cada vez mais complexos problemas do presente (Pontes & Salvador, 2013).


Diz-nos ainda Paul Claval, a terminar o seu artigo, que a evolução na compreensão do espaço tem sido notória e que resultou da capacidade multidisciplinar inclusiva que nos permite apreender “o espaço a partir de um corpo de hipóteses concernentes à sua organização” (Claval, 2012, p. 15) mostrando-nos a importância da interconexão entre território e sustentabilidade (Capello & Nijkamp, 2013).

Ensinamentos que, aplicados ao caso português, levam-nos até às palavras de Reis (2018, p. 261-263), quando se refere às condições que fazem de Portugal uma periferia: a existência de “desequilíbrios e descoincidências persistentes entre a economia e a sociedade e em formas de dependência que vão evidenciando fragilidades diversas” e que nos servem para “relembrar que as economias laboram em contextos institucionais, históricos, geográficos, culturais, sociais e políticos precisos e que não se pode reduzir o que é económico a um qualquer mecanismo descarnado, sob pena de ficarmos sem perceber o eu é a economia.”

Este artigo, apesar da profusão de detalhes (nomeadamente bibliográficos), encontra-se redigido de forma simples e clara. Estas caraterísticas, aliadas ao rigor cronológico da informação prestada e à abrangência de prismas de análise do objeto de estudo transforma-o numa lição fundamental para a compreensão da ciência regional.

 


Referências bibliográficas:

 

Capello, R. & Nijkamp, P. (2013). Revisitar teorias de desenvolvimento regional. In, Costa, J. S. & Nijkamp, P. (Coord.), Compêndio de economia regional (Reimp.). I, pp. 287-317.

Dias, R. C. & Seixas, P. C. (2019). Territorialização de políticas públicas, processo ou abordagem? Revista Portuguesa de Estudos Regionais, 55, 47-60. Disponível em:

http://www.apdr.pt/siteRPER/numeros/RPER55/55.3.pdf

Lopes, A. S. (1987). Desenvolvimento regional. Problemáticas, teorias, modelos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkien.

Mendez, Ricardo (1997). Geografia económica: a lógica espacial do capitalismo global. Barcelona: Ariel.

Phlipponneau, M. (1964). Geografia e acção. Introdução à geografia aplicada. Lisboa: Edição Cosmos.

Pontes, J. P. & Salvador, R. (2013). A nova geografia económica. In, Costa, J. S. & Nijkamp, P. (Coord.), Compêndio de economia regional (Reimp.). I, pp. 269-286.

Reis, J. (2018). A economia portuguesa. Formas de economia política numa periferia persistente (1960-2017). Coimbra: Almedica.

Ribeiro, L. C. Q. (ed.) (2015). Metrópoles: território, coesão social e governança democrática. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles – Instituo Nacional de Ciência e Tecnologia.

Santinha, G. (2014). O princípio de coesão territorial enquanto novo paradigma de desenvolvimento na formulação de políticas públicas: (re)construindo ideias dominantes. EURE, 40 (119), pp. 75-97. Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/eure/v40n119/art04.pdf

Vasconcellos, A. V. (1984). Economia urbana. Lisboa: Rés.



quinta-feira, 29 de outubro de 2020

De novo a “IDA À ASSEMBLEIA MUNICIPAL”

Foto de Luan Cabral no Unsplash

 

Já partilhei convosco aquele que poderá vir a ser o enredo de um romance, de tal forma ando entusiasmada com o curso que estou a frequentar: o Escrita em Ação da Analita Santos.

Este mesmo texto (sobre a ida à assembleia municipal da personagem principal), tal como nasceu, também já aqui foi publicado.

Apresento-vos agora a versão melhorada, editada e revista após um conveniente “repouso”:

 

Rita Costa nunca tinha presenciado uma assembleia municipal, a não ser através das gravações em vídeo disponibilizadas pela autarquia no Youtube. Porém, naquele dia, resolveu ir para assistir à intervenção da sua amiga Dulce Paiva.

Quando entrou no salão de festas da Associação Desportiva Universal, local escolhido para realização daquela sessão extraordinária, já o presidente da mesa iniciara a chamada e, apesar de falar ao microfone, mal se conseguia fazer ouvir tal era o burburinho na sala.

O ponto único da ordem de trabalhos era a denúncia por corrupção contra o executivo, ocorrência que, desde há uma semana, era notícia em todos os jornais locais e até nacionais. Por isso, a agitação dos deputados municipais das várias bancadas era evidente, fazendo prever um debate acalorado entre o partido no poder e a oposição.

Sentou-se na última fila. De forma discreta, começou a observar os presentes vislumbrando entre o público o perfil do seu chefe. De imediato, sentiu um frio na espinha. Instintivamente, agarrou com força o livro que tinha no colo e olhou em seu redor com ar assustado como que receando um ataque inesperado. De repente, sentiu uma mão sobre o ombro e quase desfaleceu ao ouvir, num sussurro irado, a voz sardónica da sua colega de gabinete:

— Se pensas que te safas desta, minha amiga, estás enganada… põe-te a pau!

A surpresa deixou Rita bloqueada. Assim que levantou os olhos do chão, já Joaquina ia na direção do amante a quem cochichou algo que o fez virar a cabeça para trás. Com um sorriso zombeteiro, José Vidal levanta a mão direita e faz um gesto obsceno que a fez corar de vergonha, levando-a a pensar se fizera bem ir até ali naquela noite. Como o iria encarar amanhã no serviço?

 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

GOVERNANÇA E ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO


REFLEXÕES PARA UMA GOVERNANÇA TERRITORIAL EFICIENTE, JUSTA E DEMOCRÁTICA

João Ferrão, nascido em 1952, é geógrafo e investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e coordenador do Grupo de Investigação “Ambiente, Território e Sociedade” e do Conselho dos Observatórios do ICS-UL. Este artigo encontra-se publicado na revista Prospectiva e Planeamento (vol. 17, 2010).

O tema central deste artigo, a governança, é um conceito de amplitude multidisciplinar e alcance polisistémico difícil de definir pela natureza do conteúdo das múltiplas dimensões que encerra, da política à economia, passando pela participação cidadã e o envolvimento social e comunitário (Mateus, 2016). Ainda assim, João Ferrão fá-lo com mestria, de forma clara e objetiva, evidenciando as principais questões sobre as quais importa refletir.

Para o efeito, João Ferrão baliza a sua reflexão (necessariamente breve, mas muito eficaz na mensagem que transmite ao leitor) em dois campos de análise que importa destacar:

1)    A emergência da questão “governança”;

2)    Ordenamento do território e governança territorial.

Embora habitualmente preocupado com o impacto territorial diferenciado das políticas públicas e com as questões da escala espacial da respetiva operacionalização, neste artigo João Ferrão centra-
-se mais na problemática do papel do Estado enquanto governo da nação e na necessidade da sua reestruturação.

Para terminar com um terceiro capítulo – “Algumas questões para debate” – onde tenta demonstrar que existe uma interpretação teleológica que se sobrepõe à forma demasiado linear como as questões da territorialidade das políticas públicas têm vindo a ser tratadas, emergindo dessa constatação a evidente necessidade de haver uma nova “cultura de território” (Ferrão, 2014), uma ideia que o próprio desenvolve de forma mais estruturada uns naos mais tarde.

Indo à origem da utilização do termo governança, feito o enquadramento histórico, João Ferrão foca-se na sua aplicabilidade concreta e na forma como a necessidade de reforçar politicamente certas identidades regionais a nível internacional acaba por levar, também, a que se repense a organização administrativa do território.

No primeiro capítulo, o autor aborda a governança em quatro prismas que considera pertinentes para a compreensão do fenómeno e através dos quais nos leva a refletir sobre a importância da governação multinível e o aprofundamento da democracia, sem deixar de elencar alguns dos aspetos que considera negativos:

a)    Reforma administrativa do Estado;

b)    Reformulação do papel do Estado;

c)    Democracia participativa e deliberativa;

d)    Europeização dos processos de decisão.

João Ferrão, tal como Gil & Pereira (2017), entende a governança como um modelo complexo de relações de parceria entre instituições públicas e privadas, incluindo organizações não governamentais, instituições de solidariedade social, associações formais diversificadas e até grupos informais da comunidade onde a intervenção cidadã tem um importante papel a desempenhar, opinião que também partilhamos.

Por outro lado, a ligação entre a gestão do território e a governança social, uma relação de fatores interdependentes que Cansado, Tavares & Dallabrida (2013) também exploram, surge neste contexto como consequência direta do aumento das atribuições e competências das autarquias locais e apresenta-se como uma forma de legitimação dos poderes públicos num novo patamar de responsabilização territorial que aposta num Estado mais interventivo e executor.

Numa análise integrada entre sociedade civil e órgãos político-administrativos, com enfoque especial nos de cariz deliberativo, João Ferrão crê que “o aprofundamento da democracia pressupõe um maior recurso a soluções participativas” (Ferrão, 2010, p. 131), conclusão que partilhamos na íntegra até porque acreditamos que a partilha colaborativa permanente é fundamental à boa governação do território (Dallabrida, 2015).

João Ferrão considera que as práticas ativas de intervenção cívica visando a fiscalização da atuação dos decisores executivos (colegiais ou individuais) são a garantia para atingir o equilíbrio entre os múltiplos interesses que intervêm na gestão do território.

Concordando com o autor não podemos, contudo, deixar de referir que para o êxito dessa solução integracionista é imprescindível que as estruturas de governança participada substituam os pré-
-requisitos habituais por formas de organização de “geometria variável, abertas aos atores que as desejem integrar em tempos distintos, e apoiar-se em modelos colaborativos quer para dirimir tensões e conflitos latentes ou expressos na disputa do território, quer para congregar iniciativas e esforços na construção de soluções coletivas; as estruturas devem ser permanentes, ancoradas num território” (Pereira, 2013, p. 52).

A propósito lembramos João Amaral (2002, pp. 47 - 49) para quem a crise da democracia representativa era resultado do “fosso que progressivamente se vai abrindo entre eleitos e eleitores” e a única forma de “recuperar o sentido ético da política” seria “abrir espaço aos cidadãos para a partilha do exercício do poder.”

De facto, a participação dos eleitores não se pode esgotar no ato eleitoral. Por isso, a nível local, por exemplo, o mandato que conferimos, através do nosso voto, aos que irão integrar os órgãos autárquicos executivos e deliberativos municipais e/ou de freguesia, para em nosso nome tomarem as deliberações relativas à comunidade e as executarem, deve ser objeto de apreciação contínua e não apenas julgada de quatro em quatro anos.

A democracia participativa pressupõe uma população consciente dos seus deveres cívicos e que desempenha um papel ativo na vida política. Mas para atingir esse fim, precisamos de reforçar o “espírito de cidadania” e promover uma “cultura de participação democrática”.

Igualmente urgente é que os próprios membros dos órgãos colegiais saibam ser firmes na defesa dos seus direitos já que alguns são amiúde frequentemente desprezados, como seja o direito à informação e, sobretudo, o direito de agendamento.

Tal como intervir nos debates durante as reuniões é um direito das e dos eleitos, mas, principalmente, um seu dever para com a comunidade. Entender as razões que levam às opções de voto de cada um é indispensável para que possamos avaliar a qualidade do seu trabalho. Passar reuniões consecutivas sem nada dizer, ou votar sem fundamentar a opção escolhida (seja a favor, contra ou abstenção) é um comportamento desprestigiante.

Um princípio fundamental de um Estado de Direito é a responsabilização dos eleitos perante aqueles que os elegeram. A participação ativa da população nas deliberações que, em seu nome, são assumidas pelos órgãos autárquicos, deve ser considerada não uma ingerência, mas uma necessidade sobre a qual assenta a própria ideia de Democracia.

Por isso, consideramos que é urgente assegurar o carácter público de todos os processos de decisão. Assim como defender a existência de uma “política pública de informação” que consagre o princípio do dever de informar de forma acessível, com integral respeito pelos princípios da objetividade e imparcialidade deve ser uma prioridade se queremos envolver, como João Ferrão defende, os diversos agentes que intervêm no procedimento

Órgãos deliberativos interventivos, com membros conscientes das suas obrigações, ativos e atentos à gestão autárquica do município ou freguesia, que não se limitem a fazer eco das “orientações” vindas dos órgãos executivos e o “uso de metodologias mais descentralizadas de mobilização, diálogo e concertação de interesses e decisão”, como refere João Ferrão são, de facto, a única forma de “garantir a adequada representatividade da diversidade e complexidade que caraterizam as sociedades de hoje, complementando os mecanismos de decisão próprios da democracia representativa” (p. 132).

Correndo o risco de, dez anos passados, a realidade ser bem diferente, a dimensão europeia abordada por João Ferrão segue as conclusões do Livro Branco do Comité das Regiões (2009) e a tipificação de padrões de governança utilizados por Knill & Lenschow (2005) para chegar à política de coesão territorial e às diferentes posições sobre o papel do Estado: desregulamentadora (neoliberal do ponto de vista económico), diversificadora (civilista ou pós-moderna) e de estratégia colaborativa (neo-moderna).

E da abordagem crítica ao modelo de governança multi-escalar europeu, que João Ferrão considera ter um elevado grau de complexidade ao nível dos processos de negociação, chegamos ao pensamento de Piketty (2016, pp. 308-311) e que é, também, a nossa opinião: a necessidade de reformulação do projeto europeu de forma a permitir “sair da lógica intergovernamental e dos conciliábulos entre chefes de estado” pois estes “não são um método sustentável de governação”.

Até porque, como Soromenho-Marques (2016, p. 283) afirma, o princípio da soberania popular “reside no povo, ou nação (como comunidade que transforma um povo num sujeito histórico e político)”. Mas importa aqui fazer uma distinção entre conceitos: o “povo (conjunto organizado de cidadãos), que não se confunde com a multidão (conjunto caótico de indivíduos), é a instância genética de toda a ordem política. É nele que se concentram as forças demiúrgicas da construção, reconstrução e reforma dos regimes políticos.”

Ao nível do ordenamento do território, a questão da governança surge como o instrumento ideal para influenciar e direcionar a implementação das políticas públicas com efeitos territoriais (Marques & Alves, 2010).

No que se refere à avaliação do impacto das medidas que têm vindo a ser adotadas, João Ferrão apresenta-nos uma útil listagem de aspetos positivos e negativos, dos quais salientamos no primeiro caso a “obtenção de economias de escala através da mobilização de recursos e competências que se complementam entre si” e no segundo “a natureza oportunista de algumas parcerias e estruturas de rede” (Ferrão, 2010, p. 135).

  • Sobreposição de estratégias e de meios que, aliada à insuficiente segregação funcional, e que levam à duplicação de apoios, à sobrecarga de tarefas e à redundância operacional;
  • Insuficiente valorização dos parâmetros de contexto e enquadramento inadequado dos parceiros e que potenciam conflitos que impedem a colaboração;
  • Confusão entre plataformas de negociação institucional com plataformas colaborativas de cooperação e capacitação, uma situação amiúde geradora de entropias que colocam obstáculos no prosseguimento dos objetivos inicialmente preconizados.

Na nossa opinião, este é um artigo que contém as pistas indispensáveis para a reflexão que importa fazer sobre a relação entre governança e ordenamento do território, mas também sobre a problemática da “educação para a cidadania” referida por Mota (2005) que explora as potencialidades da internet como instrumento privilegiado para os cidadãos intervirem politicamente, introduzindo os conceitos de ciberdemocracia e ciberpoder.

Através da sua leitura atenta podemos encontrar os elementos que importa considerar para a elaboração de “centros de racionalidade de políticas públicas” nos quais se “realize a convergência e a concertação das opções de política regional no médio e longo prazo”, uma sugestão de Covas & Covas (2015, p. 43) que partilhamos.

João Ferrão consegue, numa linguagem simples, mas precisa e rigorosa do ponto de vista científico, apresentar-nos a problemática da governança territorial, indo do enquadramento europeu à perspetiva nacional, decompondo o conceito nas suas componentes endógenas e explicando as interferências exógenas.

Um texto que se recomenda, sobretudo pela forma concisa como consegue expor as principais questões em análise e como induz o leitor a explorar outros caminhos na busca de respostas para os temas que a seguir resumimos:

Governação e governança;

Escala geográfica de operacionalização do poder;

Participação da sociedade no processo de decisão (parcerias);

Cidadania de intervenção política ativa;

Contextualização comunitária das políticas públicas.


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Referências bibliográficas:

 

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