domingo, 25 de agosto de 2019

Como tornar impopular uma greve justa ou o caminho de um sindicalista mercenário de gestor insolvente até à Assembleia da República.


É um facto incontornável que “[n]ão se apoiam greves escolhendo as direções sindicais – apoiam-se greves porque elas são justas, fazem exigências que correspondem a um sentido de justiça social” (Raquel Varela, 22-08-2019).
Assim como é óbvio que “[a]s greves afetam naturalmente a população, mas a população é muito mais afectada pelos baixos salários. A existência de trabalhadores – a maioria em Portugal – a auferir menos de 900 euros por mês tem consequências para todos nós: menos sustentabilidade da segurança social, menos impostos, mais assistência social para os trabalhadores pobres (é humilhante viver da assistência e não do trabalho), mais custos para o SNS, mais taxa de absentismo, menos mercado interno. E, claro, a vida pessoal e familiar degradada. E aqui reside toda a questão da justiça – para que serve um Estado senão é para garantir uma sociedade de bem-estar?” (Raquel Varela, 22-08-2019).
Todavia, apesar de concordar, na íntegra, com as palavras de Raquel Varela atrás transcritas, ainda assim, se não concordar com os métodos utilizados ou se as consequências da ação forem desproporcionadas face aos resultados a obter, mesmo que as razões de base sejam justas, não dou o meu aval a uma greve apenas porque sim.
E quando falo nos métodos, refiro-me ao caminho percorrido até chegar à greve (que, na minha ótica, deve ser sempre, em toda e qualquer situação, uma deliberação do plenário de trabalhadores e não resultado de uma decisão dos órgãos sociais do sindicato, mesmo que assumida de forma colegial), a qual, no meu entender, apenas deve ser decretada quando se chega a um impasse por o diálogo entre as partes ter falhado e se terem esgotado todas as vias de concertação possíveis. Importa aqui referir que, se os comportamentos intransigentes (que mais não são do que a expressão da incapacidade negocial de quem assim age) da parte do patronato são condenáveis, atitudes semelhantes dos sindicatos merecem igual condenação.
A questão que me leva a escrever estas linhas é, de novo, a última greve dos motoristas de matérias perigosas à qual não dei o meu aval, não porque só goste de “greves placebo” (sem efeitos colaterais) – como já expliquei no artigo de dia 19-08-2019 e nos comentários que fui fazendo na rede social Facebook – pois isso era desvirtuar o seu conceito (uma greve que não incomoda ninguém é inócua e sendo-o torna-se num direito facilmente alienável, com todos os perigos que isso representa para a nossa democracia), mas porque considero que quando alguém luta por causas justas (e que até já estão constitucional e juridicamente protegidas) deve provar todos os factos que denuncia como contrários à lei (requerendo a punição dos infratores), não pode omitir informação necessária à compreensão do problema (para evitar mal-entendidos) e, sobretudo, está impedido de mentir sobre a realidade que atravessa (criando boatos e levando a conclusões erradas) e de usar subterfúgios mediáticos para manipular terceiros (satisfazendo uma agenda egoísta seja pessoal ou corporativista).
Ora, no caso do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), nunca dei por ter sido apresentado um único documento a provar, por exemplo, que empresas obrigam os motoristas a horários de trabalho até 18h por dia, que patrões são esses que apenas pagam 8h e as restantes liquidam-nas “por debaixo da mesa” ou tratam-nas como sendo “trabalho gratuito”, que firmas continuam, para efeitos de descontos para a SS, a considerar somente o salário base quando, afinal, segundo o próprio ministério, há outras componentes do vencimento que já são tributadas. Também não me apercebi que tivessem alguma vez explicado de forma clara, por exemplo, se as pausas obrigatórias (para descanso e refeições, por exemplo) integram (ou não) o cômputo do tempo de trabalho, em que é que consiste, quanto dura e de que forma é contabilizado o designado "tempo de disponibilidade" e sobre as cargas e descargas: se fazem parte da descrição funcional da carreira de motorista, não o fazendo, a quem compete esse tipo de serviço, o tempo que demoram e de que forma são aferidas contabilisticamente.
Quem desrespeitar as regras do Código do Trabalho comete um crime ou contra-ordenação punível nos termos da lei. Desde que foi criado, quantas ações colocou o SNMMP em tribunal na defesa dos direitos dos seus associados (apenas no dia 23 de agosto tivemos conhecimento de que o Ministério Publico estava a investigar eventuais fugas ao fisco das transportadoras, por denúncia do SNMMP)? Não foi, com certeza, por temerem as represálias dos patrões sobre os empregados que as não terão apresentado porque, então, também não teriam dado início à greve.
Mesmo quanto à identificação das parcelas que compõem a remuneração mensal dos motoristas seus associados, o SNMMP nunca foi claro nas explicações dadas em público nem tão pouco apresentou uma única cópia de um recibo de vencimento de um seu associado (que tivesse dado por isso) e muito menos se terão dado ao esforço de elaborar uma tabela que permitisse comparar a situação atual, os ganhos alcançados com o Acordo Coletivo de Trabalho assinado entre a FECTRANS e a ANTRAM em 2018 que não subscreveram (BTE, n.º 34, de 15-09-2018, pp. 3173-3198) e, também, os resultados já alcançados em 2019 (de cujas negociações também se afastaram), assim como os números que pretendiam alcançar com a greve, para mostrar, sem rodeios nem margem para dúvidas, a justiça daquilo que defendiam.



Este sindicato também nunca explicou de forma clara, objetiva e coerente, se os seus associados podiam ou não beneficiar das condições do ACT de 2018, se houve ou não portaria de extensão, quais foram as razões da sua posição intransigente ao abandonar as negociações encetadas em abril / maio de 2019 e por que consideravam que as melhorias salariais obtidas até ao presente (e que se podem ver na imagem acima) não eram do seu agrado e só aceitavam as condições que impunham, se estavam conscientes (e transmitiam essa informação aos associados) de que a persistência na luta pelo “tudo” estava a resultar em “nada” enquanto outros sindicatos iam obtendo resultados que, não sendo os ideais, eram já uma vitória significativa face à indignidade do passado.
E aqui urge, de facto, perguntar: se os múltiplos problemas do setor duram há décadas, o que andaram a fazer até à data os ditos “sindicatos orgânicos” ou “tradicionais”? Qual foi o papel das centrais sindicais CGTP e UGT neste período? Que fizeram os partidos políticos, na Assembleia da República e fora dela, para que os responsáveis resolvessem estes atropelos aos direitos dos trabalhadores? Possivelmente pensavam, como alguns dirigentes do BE me “atiravam à cara” sempre que tentava que houvesse um maior envolvimento em determinadas questões laborais: “um partido não é um sindicato”! Não o sendo, de facto, cabe-lhes, contudo, funcionarem como “pontas de lança” e denunciar situações pugnando pela sua resolução nas instâncias com competências para o efeito.
Principalmente, por onde andaram as entidades da Administração Pública a quem cabia fiscalizar a atuação das transportadoras e que, agora, em agosto de 2019 a FECTRANS vem acusar de falharem? Aliás, o que fez nesse intervalo de tempo a própria federação sindical?
Terão os envolvidos atrás citados noção de que foi essa atitude passiva, de inércia ou pouco atuante, nalguns casos de indiferença ou mesmo negligência, que acabou afastando os trabalhadores dos sindicatos e abriu caminho a esta nova forma, mais radical e intolerante, de defesa dos seus direitos?
A propósito deste “novo sindicalismo” e de como se chegou a este ponto, a coluna do Daniel Oliveira no semanário Expresso de dia 24-08-2019 intitulada “Não é novo, é o estertor” contém matéria suficiente para que se faça uma reflexão séria sobre o momento que estamos a atravessar, por isso aconselho a sua leitura. Destaco o parágrafo final:
“A renovação não passa por sindicatos de nicho, greves kamikaze ou mercenários habilidosos. Passa pelo regresso dos sindicalistas aos locais de trabalho ou, quando isso é impossível, pela limitação de mandatos. Pela concentração sindical, ganhando massa crítica e evitando que a luta sindical beneficie apenas trabalhadores com mais poder. Por limitar o direito de negociação e greve a sindicatos que cumpram mínimos de representatividade. Pela criação regulada de fundos de greve. Pelo regresso a algum do mutualismo fundador, num momento em que o Estado abandona funções sociais. Por mais equilíbrio entre o sindicalismo no Estado e no privado. Pela democratização, rejuvenescimento e independência dos sindicatos. Pelo reforço da contratação coletiva. Se tudo isto falhar, não esperem “novo sindicalismo”. Esperem novos oportunistas e mais perda de direitos. Sem a pressão dos trabalhadores organizados nenhum governo nos defenderá. Como se viu no orgulho com que o Governo vergou os camionistas e nos inacreditáveis serviços mínimos impostos na Ryanair.”
Quando em 2013 fiz as primeiras denúncias públicas sobre a existência de salários em atraso nas Assembleias Distritais de Lisboa e de Vila Real, por sermos funcionários públicos, ninguém queria acreditar e muito menos ainda quando acusei o então presidente da CM de Lisboa de provocar deliberadamente a falência dos Serviços de Cultura da ADL ao recusar que a autarquia pagasse a contribuição a que estava obrigada nos termos da lei. Provei-o com factos, com documentos, com testemunhos. Solicitei a intervenção da Provedoria de Justiça, denunciei o caso ao Ministério Público, apelei aos partidos políticos na AR, redigi comunicados que divulguei na blogosfera e nas redes sociais, fui ouvida em comissões parlamentares e dei algumas entrevistas à rádio e aos jornais. Todavia, a falta de interesse jornalístico “da coisa” (eramos poucos, segundo me diziam), não cativava os órgãos de comunicação social a investigar e o impacto das escassas notícias foi quase nulo. Ainda assim, e apesar da luta solitária que tive de encetar (à qual nem os sindicatos, tanto o afeto à CGTP como o afeto à UGT, mostraram capacidade de intervenção), dois anos mais tarde os créditos laborais foram liquidados na íntegra a todos os trabalhadores e em 2017 o Ministério das Finanças acabou por colocar a câmara da capital em tribunal, o que não deixa de ser caricato. O julgamento será em outubro próximo e eu sou uma das testemunhas da defesa.
Isto é, desde que sejamos firmes na defesa dos nossos direitos, saibamos ponderar de forma coerente a realidade e os objetivos a atingir e respeitemos a lei, não necessitamos de mentir, de ocultar dados ou de empolar informações para obter aquilo que consideramos ser justo. Se eu sozinha consegui enfrentar o meu patrão (o Estado) utilizando uma série de recursos que tinha ao dispor, como raio o SNMMP não consegue recorrer a outros meios para defender os direitos dos motoristas seus associados e considera que a intransigência negocial e a greve são a única solução possível para resolver o conflito laboral que opõe os trabalhadores aos patrões (representados pela ANTRAM)?
Retomemos a frase inicial de que “[n]ão se apoiam greves escolhendo as direções sindicais – apoiam-se greves porque elas são justas, fazem exigências que correspondem a um sentido de justiça social” (Raquel Varela, 22-08-2019) e vejamos agora a situação por outro prisma: o de como um líder oportunista (que se aproveita das situações sem preocupações éticas), hipócrita, dissimulado e demagogo (com um discurso manipulador e arrogante que as “falinhas mansas” não conseguem esconder), pode arruinar a imagem de um sindicato e descredibilizar os fundamentos de qualquer luta sindical. Se é verdade que a justiça das reivindicações não se mede pela simpatia que possamos ter (ou não ter) por uma determinada direção sindical – há que saber “separar as águas” – não é menos certo que independentemente dos dons de oratória (ou falta deles) e do carisma (ou inexistência do mesmo) do porta-voz de um sindicato, o seu comportamento em termos pessoais e a forma como conduz publicamente a luta de que é o rosto, tem uma influência direta na forma como nos apercebemos das motivações que sustentam essa causa. Se a isto juntarmos a crescente desinformação (ou a falta de dados seguros e credíveis) que rodeia a maioria dos assuntos (sobretudo a proliferação de notícias falsas), apoiar uma qualquer greve sem antes conseguir apurar a veracidade do que está efetivamente em jogo, é um risco pois podemos cair num logro e a solidariedade é um bem precioso, não descartável, que deve ser usado com consciência e convicção.
Com estas minhas palavras não estou a dizer que, na sua essência, as reivindicações dos motoristas de matérias perigosas associados do SNMMP não sejam verdadeiras e justas. São-no com toda a certeza, na sua generalidade. Mas, por tudo o que atrás disse, tenho sérias dúvidas em relação a alguns aspetos. Como um que me faz uma grande confusão e nunca foi devidamente esclarecido: cumprir todos os dias um horário que excede no dobro, ou até mais, a jornada diária de trabalho legalmente permitida é desumano para qualquer trabalhador, mais ainda para um condutor, sobretudo de matérias perigosas. Os motoristas do SNMMP queixam-se de fazer por vezes até 18h, mas só os tenho visto reclamar pelo facto de o tempo extra além das 8h/dia não ser pago como horas extraordinárias, parecendo afinal aceitar como prática admissível a existência dessas escalas sobre-humanas e ilegais. Sinceramente não sei como é que é possível o corpo humano aguentar, sem o devido descanso e sono reparador, dias, semanas, meses a fio, tantas horas de condução – sobretudo nesta profissão tão exigente pelo perigo que os próprios enfrentam e pela segurança dos milhares que com eles se cruzam nas estradas. Por isso, fico muito preocupada quando vejo o SNMMP resumir a questão dos horários abusivos a uma mera questão de dinheiro. Porque o problema é muito mais sério do que isso. Talvez devessem, antes, exigir que, nas viagens de longo curso (aquelas que entre a ida e vinda superem a jornada normal de trabalho), cada camião tivesse dois motoristas para permitir a alternância dos períodos de descanso e assim o mesmo veículo poderia, de facto, andar a circular até 16h/dia respeitando-se a lei.
“Há mal em tomar medidas repressivas numa qualquer greve? Sim, há, além de que se corre o risco de abrir precedentes graves que venham a constituir um impedimento efetivo ao exercício da greve. Mas não haverá mal em parar o país por tempo indeterminado? Evidentemente que há. Se, por absurdo, deixássemos estes motoristas exercerem sem restrições o seu direito à greve, eles passariam a mandar no país.
Ao contrário do que alguns sugerem, defender o condicionamento dos efeitos desta greve em concreto não é a mesma coisa que defender restrições ao direito à greve. Do mesmo modo, denunciar manobras oportunistas e obscuras de um sindicato não reflete nenhuma atitude persecutória em relação a sindicatos combativos.
Esta greve fez mais mal do que bem aos sindicatos e à arma de último recurso de que dispõem. A impopularidade inerente a qualquer greve obriga os sindicatos a um grande esforço de sensibilização das populações, que se faz por três vias: pela demonstração da justeza das suas reivindicações; pela razoabilidade dos efeitos da greve; e pelo sacrifício autoinfligido através da perda de salário. Os motoristas preocuparam-se com a primeira e ignoraram as outras duas.
A arrogância do sindicato dos motoristas das matérias perigosas e a pressa na obtenção de ganhos imediatos - num calendário, sabemos agora, mais eleitoral do que sindical - gerou um forte sentimento anti-greve que deu legitimidade ao governo para avançar com serviços mínimos que neutralizaram os seus efeitos. Mas, pior ainda, criou o pretexto para propostas de restrições ao direito à greve e à generalização de serviços mínimos abusivos, como aconteceu agora com a Ryanair.” Manuel Esteves, Jornal de Negócios, 22-08-2019.
Conhecidas algumas das “manobras de bastidores” da negociação entre ANTRAM – SNMMP – GOVERNO (segundo o semanário Expresso de 24-08-2019 foram “15 dias de tensão, reuniões secretas, choro e pontapés na cadeira”) avancemos, finalmente, para a análise da personalidade de Pedro Pardal Henriques, o vice-presidente do SNMMP e seu porta-voz até à data em que foi apresentado pelo PDR como cabeça-de-lista no círculo leitoral de Lisboa. E não deixa de ser interessante verificar que, logo no imediato, o sindicato, pela voz do presidente da direção Francisco São Bento [que já foi motorista mas, que terá sido, e/ou ainda é, empresário do setor], começasse a mostrar outra abertura ponderando até vir a retirar o pré-aviso de greve para setembro, embora horas depois voltasse a endurecer o discurso, afirmando que os motoristas não abrem mãos dos pressupostos, não deixando, contudo, de manter em aberto a possibilidade de retirar a convocação da greve previstas para o mês que vem.
No seu perfil no Linkedin, Pedro Pardal Henriques (que é primo da companheira de Francisco São Bento, como o jornal online Observador refere num artigo de 17-08-2019) exibe com indisfarçada vaidade o diploma de nomeação para o prémio “Portugueses de Valor 2018” e a fotografia com o Presidente da República (que ilustra este artigo), e identifica-se como “Fundador da INTERNATIONAL LAWYERS ASSOCIATED - ADVOGADOS RL [uma associação internacional de advogados que opera em Portugal e diz ter mais de cem colaboradores no estrangeiro] e responsável pela área do Direito do Trabalho, Direito dos Negócios, que inclui o Direito Fiscal, Financeiro, Comercial, do Investimento e dos Investidores, a nível nacional e internacional, quer nos Países da Língua Oficial Portuguesa, com especial destaque para Brasil e Cabo-Verde, quer nos Países Francófonos, com especial destaque para a França onde exerce funções de administrador da Câmara do Comércio e Indústria Franco Portuguesa na zona de Provence des Alpes et Côte d’Azur.”
Mas quem é este advogado (inscrito na AO como tal apenas desde 06-06-2017, mas já a ser por ela investigado), com um processo judicial a decorrer no DIAP de Lisboa que surgiu na sequência de uma queixa-crime por burla apresentada por um empresário francês e que de perfeito desconhecido passou para a ribalta mediática à custa dos motoristas de matérias perigosas?
Ao contrário do que muitos querem fazer crer, entre eles Raquel Varela, expor publicamente o “lado negro” desta personagem e desmontar os seus esquemas fraudulentos, sobretudo agora que pretende vir a ser deputado da Assembleia da República, não é um argumentum ad hominem que ataca o caráter de Pardal Henriques (um herói para alguns, como Marinho e Pinto) para desviar a atenção do conteúdo essencial (as justas reivindicações dos motoristas). Trata-se, isso sim, da prestação de um serviço cívico à população. Escrutinar os atos públicos (da sua vida privada ninguém quer saber) de quem atua no palco político e tem pretensões de vir a ocupar cargo relevante é um dever da comunicação social mas, também, de quem se interessa pelas questões da transparência, um pilar da nossa democracia sem a qual o Estado de direito não pode funcionar.
Pardal Henriques foi apresentado como candidato do PDR à AR por Marinho e Pinto, com muito orgulho, alegando que ele tinha um grande sentido cívico e de nobreza. Ao que o próprio acrescentou que pretendia vir a ser “uma voz ativa contra a hipocrisia e a corrupção” que existe no Parlamento português.
Mas analisemos alguns aspetos do “percurso de vida” de Pardal Henriques e, no final, pensem se seriam capazes de confiar-lhe o voto nas próximas legislativas.
Em 2004, em conjunto com a esposa Cristiana Esteves Pereira Henriques (de quem se viria a divorciar mais tarde), funda uma empresa que a partir de 19-07-2007 passa a designar-se por CEPHE – CENTRO MÉDICO PREVENTIVO, com sede em São João da Madeira, para prestação de serviços de consultoria às empresas na área da higiene, segurança e saúde no trabalho.
Numa entrevista à revista Perspectiva de setembro de 2008 e  apesar de já evidentes os gravíssimos problemas de liquidez, Pardal Henriques apresenta-a como sendo uma empresa sólida “que é uma mais valia para o concelho de São João da Madeira, não só pelos mais de 30 postos de trabalho que criou, mas também pela jovialidade, determinação e empenho que desde sempre a caraterizou”.
Os problemas financeiros sentidos logo no início, como o testemunham três dos antigos trabalhadores, viriam a agravar-se em 2009 ao ponto de, já com vários meses de salários e subsídios em atraso, oito trabalhadores se sentirem na obrigação de contratar um advogado e solicitar a insolvência da empresa.
Em 2010 o tribunal viria a dar razão aos trabalhadores que, entretanto, só conseguiram reaver parte dos créditos laborais que a CEPHE deixara em dívida através do Fundo de Garantia Salarial.
No âmbito de um outro processo instaurado por outro credor, o tribunal viria a declarar a insolvência culposa do Centro Médico Preventivo em fevereiro de 2011 e ambos os sócios (Pardal Henriques e Cristiana Henriques) ficaram impedidos, durante sete anos, “para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa ou cooperativa”.
Talvez seja bom lembrar quais são os pressupostos da insolvência culposa antes de continuar:
“Considera-se que há insolvência culposa, por aplicação de uma presunção inilidível – que não admite prova em contrário (juris et jure) - sempre que os gerentes ou administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja pessoa singular tenham, nomeadamente:
- destruído, danificado, inutilizado, ocultado ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património da empresa;
- criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pela empresa de negócios ruinosos em proveito dos seus gerentes ou administradores ou em nome de pessoas com eles especialmente relacionadas;
- disposto dos bens da empresa em proveito pessoal ou de terceiros; etc...» (Insolvência Advogados - Fátima Pereira Mouta)
Pardal Henriques aparece ainda como sócio de outras empresas (que em 2019 ainda se mantêm ativas):
BORN2SCORE, LD.ª (Vila Nova de Gaia), criada em 27-10-2011 (o mesmo ano em que o Centro Médico Preventivo foi declarado insolvente), onde detém 49% do capital e o outro sócio, Ailton Santos, 51%. Esta sociedade desenvolve, por coincidência (ou talvez não), atividades na mesma área da que acabara de falir: saúde humana e consultoria de gestão;
RAUKKEN IT – TRABALHO TEMPORÁRIO, LD.ª (Maia), criada em 05-08-2014, onde detém 50% do capital sendo os restantes 50% detidos por Alberto Alves Teixeira. A sociedade desenvolve atividade na área da “cedência temporária de trabalhadores para ocupação por utilizadores, trabalho temporário, atividades de seleção, orientação e formação profissional, consultadoria e gestão de recursos humanos.”
Sem esquecer a sociedade por quotas PARDAL HENRIQUES & ASSOCIADOS, LD.ª (Lisboa), criada em 03-02-2017, cuja sócia gerente é a atual mulher de Pardal Henriques, Jupira Jacyara Yorimar Navarro Mendes Henriques (que representa 17% do capital estando os restantes 83% nas mãos do marido), e que funciona na mesma morada da INTERNATIONAL LAWYERS ASSOCIATED - ADVOGADOS RL. Apenas com um trabalhador, presta serviços na área da “[c]onsultoria (exceto a jurídica) e assessoria a empresas, gestão e outras atividades conexas, nomeadamente, orientação e assistência operacional às empresas ou a organismos, reorganização de empresas e de recursos humanos” e se em 2017 o seu mercado de atuação foi exclusivamente extracomunitário, em 2018 passou a ser 100% o nacional.
Apesar de todo este empreendedorismo, não podemos esquecer que Pardal Henriques está também a ser investigado por burla num processo que corre os seus termos no DIAP de Lisboa como atrás já referimos: queixa-crime “apresentada por um empresário francês que queria abrir negócios em Portugal, e que alega que Pedro Pardal Henriques lhe ficou a dever mais de 85 mil euros, depois de se ter comprometido a comprar, em seu nome, uma propriedade no centro do país.”
A propósito da passagem por França, parece que não terá sido assim tão empolgante como a reportagem do Diário de Notícias de 18-04-2019 nos esclarece:
“Como advogado, terá falhado compromissos, jurídicos e de negócios. Não terá feito serviços para os quais foi pago. É conhecido o caso de um trabalho de contabilidade e fiscalidade para uma empresa de construção que se queria instalar em Portugal. ‘Não fez nada, conta o queixoso, que teve de contratar outra empresa, depois de ter pago a Pardal Henriques uma avença mensal. Haverá, também, outras queixas relacionadas com problemas de propriedades em Portugal - nomeadamente valores que lhe terão sido entregues para determinados serviços e não terão sido aplicados. As vítimas serão tanto franceses como portugueses em França.
"’Ele foi mau para Portugal, prejudicou a nossa imagem, que é uma imagem bonita aqui, é um problema para o país e o país não precisa de problemas’, diz um membro da comunidade, com palavras que soam mais fortes por serem ditas por um emigrante. Foi por intermédio destas ligações na comunidade portuguesa do sul de França que Pardal Henriques ganhou a tal distinção de ‘português de valor 2018’ que lhe permitiu um contacto com ‘muitas pessoas importantes e autoridades’, nomeadamente o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, com quem tirou uma fotografia que usa amiúde…”
Sendo a sentença de inibição do exercício de cargos de gestão datada de fevereiro de 2011, as contas são simples de fazer: sete anos de duração do período de impedimento só terminaria em fevereiro de 2018. Contudo, Pedro Pardal Henriques não respeitou a sentença do tribunal e manteve-se como sócio gerente da firma ESTEVES & HENRIQUES – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA Ld.ª (que criara em 19-07-2007 com Cristiana Henriques) e em 21-12-2017 constituiu a sociedade por quotas WELCOME MEMORIES, LD.ª (sediada no Funchal) da qual é sócio gerente em conjunto com Xavier Yvon Laurent com o capital repartido em 50% para cada um. Uma empresa de consultoria de gestão e negócios, coordenação de profissionais liberais, auditorias na área da economia, finanças, fiscalidade e recursos humanos, que após um ano de vida já estava avaliada com um risco de failure (falência) moderado, segundo os Ratings da D&B e da INFORMA que ponderam o “limite de crédito mensal” e fazem a “análise de pagamentos, detalhes de incidentes, processos judiciais intentados contra e pela entidade, processos de insolvência e trâmites correspondentes, processo especial de revitalização e situação contributiva”.
Mas há mais.
Mesmo sabendo estar impedido de o fazer, ainda no mesmo dia 21-12-2017 em que registou a Welcome Memories, Pardal Henriques aparece nomeado para os órgãos sociais da Associação Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (ANMMP) como secretário da Assembleia Geral.
E cerca de um ano mais tarde, em 08-11-2018, Pardal Henriques surge (aí sim, já liberto daquela sentença) como vice-presidente do SNMMP que, estranhamente, apresenta a mesma morada e da INTERNATIONAL LAWYERS ASSOCIATED - ADVOGADOS RL: Av.ª Visconde de Valmor, n.º 66 – 3.º, Lisboa, uma promiscuidade que causa alguns constrangimentos: “O número de telefone fixo é o mesmo. Aliás, quando se liga para o número do Sindicato, quem atende responde ‘Sociedade de Advogados’. Depois, explica que é o ‘apoio jurídico’ do sindicato e encaminha a chamada para o Dr. Pedro Henriques. O Sindicato tem uma outra morada, da delegação centro, em Aveiras de Cima”, como se pode ler na reportagem do DN do passado dia 18-04-2019.
Como fica evidenciado (com provas documentais), Pardal Henriques:
Enquanto patrão desrespeitou os mais elementares direitos dos seus empregados (deixados vários meses consecutivos sem salário);
Como empresário, foi condenado por insolvência danosa e impedido por sete anos de exercer cargos de gestão;
Como advogado, desrespeitou uma ordem do tribunal, terá violado os estatutos da Ordem em matéria de incompatibilidade e está a ser investigado pelo DIAP de Lisboa por burla.
Além disso não se coibiu de mentir como fica patente na mensagem enviada ao Diário de Notícias ao abrigo do direito de resposta em 13-05-2019 dizendo-se vítima da comunicação social por estar a incomodar os poderes instalados. Em sua defesa tentou descredibilizar as notícias que sobre si iam saindo na comunicação social afirmando serem todas falsas e negou de forma veemente estar a ser investigado por burla (mas esta informação viria a ser confirmada pela PGR em 14-08-2019). Mas muitas outras inverdades, contradições e omissões podem ser apuradas lendo os múltiplos artigos que foram saindo na imprensa.
Como sindicalista está ainda por demonstrar que benefícios a sua liderança intransigente e avessa à negociação, adepta de comportamentos radicais e intolerantes, trouxe à causa que diz defender com tanto afinco (os direitos dos motoristas de matérias perigosas), logo ele que deliberadamente não defendeu os direitos dos seus próprios trabalhadores enquanto patrão sonegando-lhes o salário meses consecutivos. Até ao momento apenas são visíveis os prejuízos causados aos sócios do SNMMP tornando impopular uma greve justa e, sobretudo, com o afastamento do ACT já celebrado, impediu-os de também beneficiarem das conquistas já alcançadas.
Em contrapartida, como porta-voz do SNMMP, Pedro Pardal Henriques garantiu para si próprio um mediatismo que de outra forma não conseguiria alcançar e tornou evidente qual era, afinal, a sua pretensão: iniciar uma carreira política. Ao ler a sua entrevista ao semanário Expresso de dia 24-08-2019, é evidente a petulância com que refere não ter dúvidas de que será eleito (embora ele negue estar a ser arrogante). Mas a sobranceria de Pardal Henriques vai mais longe ao ponto de se considerar como o único capaz de lutar contra a “hipocrisia de um Estado de direito que tem vindo a perder valores de direito democrático e que tem estado muito próximo daquilo que era o antes do 25 de Abril, ou caminhará para lá. Quando falamos de corrupção falamos também de fraude fiscal, e de vários esquemas que vamos vendo, e ninguém levanta a voz contra isto.”
Mas que princípios morais e que valores éticos defende, afinal, alguém que até à data (do que se tem conseguido saber) só tem demonstrado não olhar a meios para atingir os fins que pretende (desde desrespeitar os tribunais a instrumentalizar um sindicato) e é adepto de múltiplos esquemas (entre eles a mentira) para assegurar que chega onde quer?
E por explicar está algo que é muito preocupante: o envolvimento de Pardal Henriques, como assessor jurídico de cerca de uma dezena de sindicatos já existentes, ou em preparação, e como “principal pivô da articulação entre as várias estruturas sindicais não alinhadas com a CGTP ou com a UGT. Os novos sindicatos já articulam posições frequentemente, e fontes ligadas ao processo admitem que a intenção é que possam funcionar em rede” (Expresso, 24-08-2019).
Se for eleito como deputado em outubro de 2019 (o que eu espero, sinceramente, não venha a acontecer) que papel será o deste advogado que se diz de esquerda (como afirmou ao semanário Expresso), que concorre pelo PDR mas admite que também foi convidado pelo Chega de André Ventura?
Que pretende, afinal, Pedro Pardal Henriques com esta sua candidatura à Assembleia da República se não procura uma carreira política, pois não precisa da política porque tem uma vida fora dela (entrevista à Rádio Renascença em 23-08-2019)? E aos jornalistas esclareceu que “aceitou o convite porque esta vai ser uma forma de ‘continuar a lutar pelos direitos dos trabalhadores’ e também porque ‘este partido é constituído por trabalhadores, não é por profissionais da política’. ‘Acredito que possamos fazer algo diferente e possamos mudar aquilo que tem vindo a estar instituído no nosso sistema político em Portugal’, sustentou, elencando que o seu foco será ‘a luta contra a hipocrisia, a luta contra a corrupção, a luta pelos mais desfavorecidos, a luta para que se cumpram integralmente os direitos fundamentais que estão consagrados na Constituição’.
Depois do que já se sabe de Pardal Henriques (que muitos consideram demasiado vaidoso e pedante pela forma como se apresenta a si próprio e ao escritório visível nos vídeos que tem no canal do youtube, mas este em particular), a que alguns acrescentam eventuais ligações à maçonaria, apenas os distraídos acreditarão naquelas suas palavras!
(Estranho é que o escritório da “International Lawyers Associated” – que é, também, sede de outra empresa sua, a “Pardal Henriques & Associados”, e do SNMMP como já referimos – que diz ter 125 advogados espalhados por 24 países mostre uma sucessão de salas vazias e apenas duas pessoas: o próprio e alguém que se presume ser a única empregada).


Depois deste artigo encerro o tema “Pardal Henriques” a ele eventualmente voltando apenas após as eleições legislativas.



Fontes:
A informação sobre as empresas BORN2SCORE, CENTRO MÉDICO PREVENTIVO, PARDAL HENRIQUES & ASSOCIADOS, RAULLEN IT e WELCOME MEMORIES, foi recolhida nos respetivos “relatórios estruturais” e “balanço e demonstração de resultados” da eINFORMA Portugal.
O excerto da sentença que, em 2011, condenou Pedro Pardal Henriques por insolvência culposa foi retirado do documento exibido na reportagem da TVI cuja ligação pode ser consultada AQUI.
Os dados referentes à firma ESTEVES & HENRIQUES – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA foram retirados da certidão permanente com o código de acesso 4762-5358-8471 (válido até 17-07-2020).
As restantes citações constam dos artigos cujas ligações são apresentadas no próprio texto.

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Breves notas sobre sindicalismo: independente e/ou populista?


Mercê da “crise energética” criada pela greve dos motoristas de matérias perigosas, muito se tem falado nesta espécie de “sindicalismo independente” das centrais sindicais (CGTP-IN e UGT) e dos partidos políticos que, alegadamente, as controlam (PCP e PS/PSD) e que tem surgido nos últimos anos em setores tão diversificados como o dos professores, dos enfermeiros e, agora, o dos motoristas de matérias perigosas.
Apelidado por uns como um “sindicalismo não-alinhado”, mais próximo das bases do que os seus congéneres, de cariz mais interventivo e que, por não estar comprometido com o situacionismo (governo / patronato) que leva a acordos que consideram lesivos dos seus interesses, não se coíbe de recorrer a formas de luta mais radicais para atingir objetivos.
Se por um lado, apesar de belicoso e intransigente, este comportamento de confronto direto colhe simpatias, sobretudo por parte dos associados, que consideram corajosa a forma de enfrentar os poderosos (leia-se: os patrões exploradores, o governo submisso aos interesses do capital, os políticos corruptos), por outro lado, são criticados por muitos outros (em particular a população em geral) como sendo um “sindicalismo selvagem” ou um “sindicalismo mercenário”, de um corporativismo demasiado egoísta, que não se importa de atropelar direitos de terceiros para satisfazer os interesses da sua classe específica.
Conclusão: é urgente refletir sobre esta questão, de como aqui se chegou e quais são as perspetivas de futuro.
Em democracia, a liberdade de expressão é um direito constitucionalmente protegido (artigo 37.º da CRP), por isso, apesar de não ser especialista na matéria vou ousar exprimir o que penso e,
Deixar-vos alguns contributos derivados da minha própria experiência de cerca de duas décadas, como delegada sindical (STAL) e mais tarde dirigente sindical (SINTAP), da desilusão que foi esse envolvimento e das razões que levaram ao meu afastamento de ambos os sindicatos acabando por levar a cabo uma luta laboral isolada (que viria a vencer, felizmente) porque nenhum dos dois sindicatos se mostrou capaz de enfrentar, por incúria, incompetência, indiferença e/ou ligações políticas. Neste mesmo espaço já escrevi vários artigos sobre esta matéria e onde me questionava se valia a pena sindicalizarmo-nos.
Partilhar parte de uma breve investigação que realizei e colocar algumas questões novas para reflexão.
Antes de prosseguir, contudo, convém:
Esclarecer que, embora vá focar a minha análise na “estrela do dia”, o novel sindicato de motoristas de matérias perigosas, este texto não é sobre a greve que decretaram e levou à “crise energética” que terminou ontem. Sobre ela muito comentei na rede social Facebook e penso que nada mais tenho a acrescentar (os breves textos que escrevi, as polémicas em torno dos mesmos e as respostas que dei podem ser consultados AQUI arquivo online onde reuni os mais significantes).
Lembrar que a Constituição não serve apenas para dizer que o seu texto (artigo 57.º) protege o direito à greve (como se fosse idêntico à proteção inviolável da vida prevista no artigo 24.º) ou evocar o direito de resistência (reinterpretando, à medida das conveniências, a redação do artigo 21.º) para justificar atos de radicalismo pretensamente justicialista.
Em primeiro lugar (artigo 2.º) temos que Portugal “é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.”
E, em segundo lugar, decorre também da CRP que existem muitos outros direitos, liberdades e garantias (pessoais, políticos, laborais, económicos, sociais e culturais) que urge acautelar. Consequentemente, o exercício desses direitos (além de pressupor, também, o cumprimento de alguns deveres), obriga a que se encontre o necessário equilíbrio de respeito proporcional para que a liberdade individual de uns não cerceie a do coletivo (sociedade).
Acresce ainda que,
A verdade e a razão não têm dono, isto é, não estão sempre apenas do lado dos trabalhadores e nem todos os empresários são oportunistas e exploradores.
Num Estado de direito democrático, a Constituição deve ser respeitada na íntegra por isso há que não esquecer que a liberdade de iniciativa e organização empresarial também se encontram constitucionalmente protegidas (artigo 80.º) e o Estado somente tem poder de fiscalização da legalidade e só pode interferir, a título provisório, nos casos expressamente previstos na lei e, em regra, mediante prévia decisão judicial (artigo 86.º).
A defesa dos direitos dos mais fracos e desprotegidos deve ser enquadrada na lei, utilizando os instrumentos legítimos para o efeito, e o apoio às suas justas reivindicações não pode utilizar a mentira como como pilar de sustentação das posições publicamente assumidas sob pena de descredibilização dos agentes que dela se servem.
A luta contra as injustiças laborais não tem como único meio de reposição de direitos a greve, a qual, apesar de caber aos trabalhadores definir o seu âmbito e de o Estado não o poder limitar (artigo 57.º), não é um direito absoluto que se sobrepõe a todos os outros, que nunca pode ser criticado e tem de ser sempre apoiado de forma incondicional sejam quais forem os motivos que a sustentam e os métodos utilizados pelos grevistas.
Defender a negociação coletiva e apostar no recurso ao diálogo entre as partes antes de enveredar pela greve não transforma quem assim pensa e age em cobardes traidores de classe. Esse tipo de discurso, que muito se assemelha ao “pensamento único” dos regimes ditatoriais (quem não pensa como nós – os alegados defensores da moral e bons costumes laborais – é porque está contra os trabalhadores e, portanto, merece o degredo), além de anti democrático, é profundamente injusto para com aqueles que se empenham em arranjar alternativas para conseguir alcançar os mesmos objetivos.
Aliás, recorrer à greve como forma de chantagem pura e dura, marcando posições inflexíveis (exige-se, impõe-se, não se negoceia) é, para os sindicatos, o caminho mais fácil pois não obriga ao esforço de pensar em soluções criativas que exerçam igual pressão sobre o patronato e evita que através do diálogo cara-a-cara se descubram as fragilidades negociais que apresentam. Em contrário, nos plenários de trabalhadores, no calor do momento, supostamente “entre iguais”, é fácil aos “bem-falantes” (mesmo sem grandes dotes de oratória) influenciar os associados (os únicos que sentem na pele as injustiças do quotidiano) e, recordando a opressão do passado e a ineficácia das lutas anteriores, apostar nas emoções do presente, apelar à revolta e não medir as consequências futuras.
Depois das considerações anteriores, meros desabafos de uma cidadã sem quaisquer pretensões científico-filosóficas, vou-me debruçar sobre o exemplo da Associação Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas que, por se tratar de uma associação sindical é conhecida como sindicato abreviadamente designado por: SNMMP.
Mas trata-se de uma associação profissional/sindical ou de um sindicato? Qual é a diferença entre ambas as entidades? Podem coexistir em simultâneo usando o mesmo nome diferenciado apenas pelo adjetivo inicial: associação ou sindicatos?
Segundo informação retirada da página da Associação a mesma foi fundada em 21-12-2017, com sede na Av.ª Miguel Bombarda, n.º 36 – 8.º piso – fração C, em Lisboa (conforme consta do n.º 1 do artigo 1.º dos respetivos estatutos) a escassos das instalações sociedade de advogados de Pedro Pardal Henriques, a Internacional Lawyers Associated que fica na Av.ª Visconde de Valmor, n.º 66 – 3.º piso.
Cerca de um ano mais tarde, nasce o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas em 08-11-2018, sediado nos escritórios do advogado Pedro Pardal Henriques (como o comprovam os estatutos publicados no Boletim do Trabalho e do Emprego, n.º 41).
Entretanto, associação e sindicato mudam-se para a loja n.º 7 do Mercado Diário em Aveiras de Cima e adotam o mesmo número de telefone: o 263144785.
Analisemos agora quem faz parte da mesa da assembleia geral. Da associação:

Imagem n.º 1
E do sindicato:


Imagem n.º 2

Quanto à direção, verificamos que Pedro Pardal Henriques passou de secretário da Mesa da AG para Vice-presidente da direção do sindicato enquanto dois dos seis vice-presidentes (o que não deixa de ser um exagero) da direção da associação passam para a AG do sindicato.
Imagem n.º 3
Curioso é, também, o facto de o sindicato apenas divulgar três dos cinco membros efetivos da direção eleita em 22-09-2018 para um mandato de quatro anos (até 2022) e de o Tesoureiro nem sequer ser aquele que foi efetivamente nomeado para o cargo, mas um dos vogais.

Destinando-se o sindicato a representar “os trabalhadores que exerçam funções de motoristas profissionais de matérias perigosas” mais estranho ainda é que os dois cargos principais da direção (presidente e vice-presidente) não sejam exercidos por motoristas: o primeiro é empresário do ramo (embora a empresa que detinha tenha sido dissolvida no ano de criação da associação) e o outro advogado de negócios. Motorista só mesmo o tesoureiro (função exercida por um dos vogais e não por aquele que foi nomeado em AG e comunicado à DGERT).
Mas ao ler os estatutos de ambas as entidades encontramos outras estranhas ocorrências.
No artigo 7.º dos estatutos da associação faz-se a distinção entre quatro tipos de sócios (os efetivos, honorários, beneméritos e aliados) sendo que Pedro Pardal Henriques (e já agora também Francisco São Bento), por não serem nem terem sido motoristas de matérias perigosas apenas se enquadram nas duas últimas categorias:
Sócio benemérito – “aqueles que por atos de ajuda, auxílio, prestações ou doações feitas à Associação venham, como tal, a ser reconhecidos”;
Sócio aliado – “aqueles que desenvolvem atividades de interesse ou interligadas com os objetivos e fins da associação”.
Contudo, nos estatutos do sindicato publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 41, de 8 de novembro de 2018 (pp. 3925-3933), o n.º 2 do artigo 8.º fez desaparecer essa categorização e indica que “podem fazer parte da associação sindical [lembro que, contudo, a ANMMP tem outros estatutos e a composição dos seus órgãos sociais é diferente, como atrás se descreveu] as pessoas singulares que: a) Exerçam a atividade de motorista de matérias perigosas [que corresponde aos sócios efetivos da ANMMP]; b) Tenham exercido a atividade de motorista de matérias perigosas, e que pela prática de atos relevantes, contribuam para o prestígio e desenvolvimento da associação [os sócios beneméritos da ANMMP]; c) Desenvolvam atividades de interesse ou interligadas com os objetivos e fins da associação sindical”, ou seja, designação que corresponde aos “sócios aliados” da ANMMP, tendo desaparecido a especificação correspondente aos “sócios beneméritos”.
É pois esta alínea c) do artigo 8.º dos estatutos do SNMMP (que na redação se confunde muitas vezes com a ANMMP) que parece legitimar que um empresário do ramo dos transportes e um advogado cujo escritório patrocina o sindicato e que albergou nas suas instalações a sede social do próprio cliente, sejam o Presidente e o Vice-presidente da direção daquela que não se sabe se é uma associação sindical ou um sindicato (embora ambas as entidades tenham existência própria e estatutos e corpos sociais diferentes, muito embora a promiscuidade entre ambas seja por demais evidente e, no presente, partilhem as mesmas instalações e contacto telefónico).
Todavia, tendo presente a redação do artigo 2.º dos estatutos da ANMMP e o artigo 1.º dos estatutos do SNMMP, parece-nos que permitir aos sócios não detentores da categoria de motoristas de matérias perigosas é uma faculdade que excede a imperatividade do n.º 1 do artigo 440.º do Código do Trabalho.
Coloca-se, portanto a questão: Pedro Pardal Henriques é sócio e dirigente da associação e do sindicato que o seu escritório patrocina (e onde chegou a estar sediado o SNMMP). Não estarão ambas as funções em conflito, se não legal (parece que a lei é omissa quanto a esse facto), pelo menos ético? Onde está o limite das competências como sócio e vice-presidente do SNMMP e o exercício simultâneo de funções como advogado contratado pelo mesmo sindicato?
Terá esta questão sido analisada por quem de direito (Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, nos termos do artigo 447.º do Código do Trabalho)?
E o que terá a Ordem dos Advogados a dizer deste comportamento? Caberá o mesmo dentro dos cânones das rigorosas regras de deontologia profissional no que se refere a incompatibilidades e impedimentos?

Imagem n.º 4
Entre as 21 áreas de atuação, o “direito do trabalho” aparece apenas na ótica de apoio aos empresários (com especial enfoque no “comércio internacional e exportações” e “insolvência e recuperação de empresas”) e não dos seus empregados, destacando-se os recursos humanos no geral e o trabalho temporário, com uma única referência à construção civil:



Imagem n.º 5
Quanto aos setores de atividade, são apresentados dez preferenciais, mas entre eles não se encontra o sindical nem tão pouco o dos transportes.


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