sábado, 27 de outubro de 2018

ALMADA: desacertos do triunvirato “gestão urbanística / turismo / fiscalização”?!?


IMAGEM 1
Forest Clamp é um projeto turístico aberto ao público desde 15-07-2018 (conforme consta no Registo Nacional de Alojamento Local do Turismo de Portugal n.º 77345/AL), localizado na Estrada da Quinta da Carcereira s/n, Quinta Vale do Rosal, 2820-683 Charneca da Caparica.


IMAGEM 2
Atentemos ao que, à época dizia o Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto (diploma entretanto alterado pela Lei n.º 62/2018, de 22 de agosto):
«Consideram-se “estabelecimentos de alojamento local” aqueles que prestem serviços de alojamento temporário a turistas, mediante remuneração, e que reúnam os requisitos previstos no presente decreto-lei.» (n.º 1 do artigo 2.º)
«Os estabelecimentos de alojamento local devem integrar-se numa das seguintes modalidades: a) Moradia; b) Apartamento; c) Estabelecimentos de hospedagem. Considera-se “apartamento” o estabelecimento de alojamento local cuja unidade de alojamento é constituída por uma fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente.» (n.º 1 e n.º 3 do artigo 3.º)
«O registo de estabelecimentos de alojamento local é efetuado mediante mera comunicação prévia dirigida ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente, nos termos do artigo seguinte. A mera comunicação prévia é realizada exclusivamente através do Balcão Único Eletrónico previsto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, que confere a cada pedido um número, o qual constitui, para efeitos do presente decreto-lei, o número de registo do estabelecimento de alojamento local, e que remete automaticamente a comunicação ao Turismo de Portugal, I. P., para os efeitos previstos no artigo 10.º. A mera comunicação prévia é obrigatória e condição necessária para a exploração de estabelecimentos de alojamento local.» (n.º 1 e n.º 2 do artigo 5.º)
«A mera comunicação prévia deve obrigatoriamente ser instruída com os seguintes documentos: (…) Termo de responsabilidade, subscrito pelo titular da exploração do estabelecimento, assegurando a idoneidade do edifício ou sua fração autónoma para a prestação de serviços de alojamento e que o mesmo respeita as normas legais e regulamentares aplicáveis. (…) As declarações ou termos de responsabilidade assinados pelo titular da exploração do estabelecimento de alojamento local que não correspondam à verdade são puníveis nos termos do artigo 256.º do Código Penal.» (n.º 2 e n.º 5 do artigo 6.º).
«A câmara municipal territorialmente competente realiza, no prazo de 30 dias após a apresentação da mera comunicação prévia, uma vistoria para verificação do cumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo 6.º, sem prejuízo dos demais poderes de fiscalização que legalmente lhe assistem.» (n.º 1 do artigo 8.º)
Antes de colocar as dúvidas que este projeto me levanta, que são muitas (e não estão aqui em causa a excelência em termos turísticos nem a reconhecida qualidade do serviço prestado, mas somente questões meramente processuais e do cumprimento de normas legais) convém trazer à colação um pouco da história deste espaço, mas que me dispenso de transcrever aconselhando antes que leiam o artigo da Wikipédia sobre a Quinta de Vale do Rosal.
Devendo acrescentar que se trata de uma propriedade que tem algumas parcelas inseridas na RAN (reserva agrícola nacional) e até na REN (reserva ecológica nacional). Logo, essas são áreas às quais se aplica o disposto no artigo 105.º do PDM:

IMAGEM 3
Apesar de no presente já não ser possível redigir uma norma com este teor restritivo sem indicar um limite temporal (prazo) para a Administração (Câmara Municipal) “chamar à sua posse” (expropriar) os terrenos em causa, o certo é que em 1997 era permitido e o PDM de Almada, embora tenha mais de vinte anos, continua em vigor. E, assim sendo, é para cumprir.
Até porque quisesse a autarquia rever esta e outras normas que necessitam de clarificação para melhor enquadramento no direito do urbanismo mais recente e, nos termos da lei, teria sido possível fazer uma revisão daquele instrumento de planeamento. Se em termos de alteração dos usos do solo o processo é complexo, o mesmo já não se passa quando estão em causa meras correções ao seu regulamento (um procedimento que é muito mais simples). Tivesse, pois, havido vontade política para o efeito (da parte do executivo) e algumas situações poderiam já ter sido corrigidas evitando constrangimentos desnecessários.
Optar por contornar a lei (criando esquemas mais ou menos fraudulentos para atingir os fins pretendidos) é que, em nenhuma situação, pode ser a solução.


IMAGEM 4
A propósito do alcance do artigo 105.º do regulamento do PDM, proponho a leitura da dissertação de mestrado de Raquel Filipa da Silva Ferreira: A justa Indemnização no Contexto da Expropriação de Terrenos (Porto, 2012), cujo resumo a seguir transcrevo e que é bem elucidativo:
«O direito de propriedade e a expropriação estão intimamente ligados. A expropriação priva o particular do seu direito de propriedade para a prossecução de um fim público (expropriação clássica) ou modifica de forma grave a utilitas deste direito (expropriação pelo sacrifício), no entanto, a expropriação está condicionada ao pagamento de uma justa indemnização ao expropriado.
A justa indemnização é uma garantia do expropriado perante o ato lesivo que é a expropriação ao seu direito de propriedade, com o fim de compensar o sacrifício suportado de forma a garantir em termos de valor a posição jurídica que o expropriado detinha aquando da expropriação.
Importa referir que, muita da litigância existente nos nossos tribunais quanto a esta matéria está relacionada com a classificação dos terrenos da parcela a expropriar, sendo classificados pelo CE como solo apto para construção ou apto para outros fins.
O estudo que incidiu sobre o que é a justa indemnização permitiu concluir que, uma errada classificação dos solos poderá prejudicar expropriado e a entidade expropriante no cálculo da justa indemnização. Em matéria de terrenos inseridos em zona RAN ou REN, depois da declaração de utilidade pública, deverá ser observado o comportamento da Administração, se usou de “manipulação das regras urbanísticas” com o intuito de desvalorizar artificiosamente o terreno e mais tarde o adquirir por valor inferior.»
Voltando ao caso concreto do “faz de conta que é alojamento local” na Quinta de Vale do Rosal.
Façamos uma breve leitura da nova redação do respetivo regime, trazida pela Lei n.º 62/2018, de 22 de agosto, e debrucemo-nos sobre os aspetos que abaixo salientamos:
«Os estabelecimentos de alojamento local devem integrar-se numa das seguintes modalidades: a) Moradia; b) Apartamento; c) Estabelecimentos de hospedagem; d) Quartos. (…) Consideram-se “quartos” a exploração de alojamento local feita na residência do locador, que corresponde ao seu domicílio fiscal, sendo a unidade de alojamento o quarto e só sendo possível, nesta modalidade, ter um máximo de três unidades.» (n.º 1 e n.º 7 do artigo 3.º)
«O Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente pode determinar, precedido de audiência prévia, o cancelamento do registo do respetivo estabelecimento nas seguintes condições: a) Quando exista qualquer desconformidade em relação a informação ou documento constante do registo (…)» (n.º 1 do artigo 9.º)


IMAGEM 5
Na posse dos elementos essenciais, estamos agora em condições de elencar as questões que urge clarificar.
O registo feito no Balcão do Empreendedor, e que consta no Turismo de Portugal (N.º 77.345) – Imagem 2, indica que a unidade de alojamento local em causa, designada por “Forest Glamp” é um “apartamento” que pertence a um edifício “anterior a 1951”.
Contudo, na realidade os quartos são três tendas tipo safary, como é descrito na página do projeto.
Além da provável violação do PDM (artigo 105.º) e da constatação de que a lei do alojamento local não contempla o campismo (mesmo que seja de luxo), há ainda que esclarecer o seguinte:
1) A Câmara Municipal realizou a vistoria obrigatória a que se refere o n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto?
2) Considerando que o projeto está aberto ao público e a funcionar em pleno, presume-se que o resultado da vistoria foi favorável. Mas, afinal, o que é que foi vistoriado? O apartamento anterior a 1951? Ou as tendas sfary?
3) Se a vistoria foi ao apartamento anterior a 1951: o proprietário esperou pela realização da visita dos fiscais da CMA e, obtida a resposta favorável à suposta “unidade de alojamento local”, à revelia da autarquia, transferiu os dormitórios para as tendas?
4) Se a vistoria foi às tendas e obteve parecer favorável: como enquadrou a CMA esta forma de campismo num regime que não prevê como modalidade de alojamento local esse tipo de ocupação? E, como justificou a autarquia a violação do artigo 105.º do PDM?
5) Se a vistoria foi realizada, mas ainda não autorizada: o que sustenta o à vontade com que o proprietário divulga o seu projeto em várias plataformas (como o Booking.com, por exemplo) dando a entender que o mesmo está licenciado nos exatos termos da prestação dos serviços que descreve (três tendas safary, cada qual com duas camas de casal) quando sabe que isso não corresponde ao registo efetuado no Turismo de Portugal (um apartamento, três quartos e cinco camas no total)?
6) Sendo estas contradições facilmente detetáveis pois toda a informação é pública e encontra-se disponível na internet, dada a publicidade que tem sido feita (Boa Cama Boa Mesa, Quilómetros Que Contam, etc.), além da divulgação através da página do projeto e da presença nas redes sociais (Facebook, Instagram, etc.), até de uma reportagem na televisão, se a autarquia não autorizou o projeto, perante tantas evidências de que, afinal, está a funcionar em pleno, como é que os serviços justificam a tolerância (conivência) perante o incumprimento do proprietário?
Atentos ao disposto no n.º 6 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 128/2014 (na redação da Lei n.º 62/2018), caso venha a ser provado que o empresário prestou falsas declarações aquando do registo, é bom que tenhamos a noção que aplica-se-lhe o disposto no artigo 256.º do Código Penal e que, considerando o exposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do regime, o registo da unidade de turismo local pode ser cancelado, com todas as consequências legais que isso acarreta.
Demonstrada a existência de dúvidas legítimas que colocam em causa a veracidade do registo n.º 77.345/AL cabe à autarquia investigar e agir nos termos da lei. Tornada pública esta situação, será que a CMA vai assumir alguma medida a partir deste momento? Os munícipes merecem saber o que se passa! Até porque nada fazer é demonstrar que os serviços atuam de forma parcial e mesmo que a responsabilidade direta não seja dos políticos, mas resulte da atuação conivente de algum técnico municipal, é a imagem do atual executivo que fica comprometida.
Mas os partidos da oposição também não se livram de responsabilidades pois que nos órgãos colegiais autárquicos (do município e da freguesia da Charneca de Caparica e Sobreda), que se saiba, ainda nenhum levantou o problema. E se o silêncio dos autarcas não significa anuência expressa, também não é, com certeza, garantia de imparcialidade.
Há, pois, três setores na CMA que têm muito que fazer para esclarecer este caso: Gestão Urbanística, Turismo e Fiscalização. Um triunvirato que tem tudo para, se não forem dadas as explicações adequadas e de forma transparente, deixar a imagem do atual executivo bastante melindrada (lembro que o registo do Forest Glamp é de julho de 2018).
E para terminar informo de que já foi feita denúncia ao Ministério Público denunciando este caso e, em particular, as violações do PDM já aqui denunciadas (em 19-10-2018 e 23-10-2018) e outras de que hei de ainda falar, como o caso da urbanização da Quinta do Desembargador (no Feijó) e da Estrada da Bela Vista (na Sobreda).

IMAGEM 6


Esperemos que a Justiça faça o seu papel, investigue, recolha provas e avance com os adequados processos em Tribunal para penalização dos responsáveis (técnicos e/ou políticos).


CONTINUA

terça-feira, 23 de outubro de 2018

TEIAS QUE O URBANISMO TECE EM ALMADA


 IMAGEM 1: Loteamento da Quinta de Santa Maria (Charneca de Caparica), da autoria do arquiteto João Simões Raposo.

Nesta questão da violação das regras urbanísticas no Município de Almada (de que vos falei no artigo de 19-10-2018) importa tentar perceber a cronologia de alguns factos, em particular no que se refere à organização dos serviços municipais para tentar perceber as razões da notória alteração de procedimentos a partir de 2010.
«…[A] conduta do funcionário ou titular de cargo político, significa, na linha de pensamento seguida por CARMO DIAS, que “o bem jurídico protegido primacialmente traduz-se na necessidade de demonstrar aos cidadãos que a Administração funciona de modo transparente e de acordo com a legalidade” […] “dever a que estão vinculados os agentes no exercício de funções” dado que as infrações urbanísticas realizadas pelos promotores, construtores e técnicos diretores requerem, a maioria das vezes, a colaboração, também ilícita, dos funcionários e titulares de cargos políticos a nível municipal, órgãos autárquicos competentes em matéria decisória de procedimentos no âmbito do urbanismo.» (Novo A. F. C., A Violação das Regras Urbanísticas. Reflexão Crítica, 2013)
Analisando os documentos de acesso público disponíveis na página web do município e no Diário da República eletrónico foi possível identificar a equipa que na Câmara de Almada tinha a incumbência de tratar dos assuntos ora em apreço entre 2006 (ano em que foram criadas quatro divisões de gestão urbanística) e 2010 (ano a partir do qual se deu a alteração de procedimentos, ou, melhor dizendo, ano a partir do qual começaram as alegadas violações ao PDM que tratámos no artigo anterior, entre outras ainda em investigação):
DGAU-1, chefiada pela jurista Ana Pereira Caiado Lousa;
DGAU-2, chefiada pela engenheira Maria Margarida Lopes Costa Gonçalves Afonso;
DGAU-3, chefiada pelo arquiteto Carlos Manuel da Silva Pinto;
DGAU-4, chefiada pela arquiteta Anabela dos Santos Fernandes de Vasconcelos.
Sem esquecer o dirigente superior (Direção Municipal de Planeamento, Administração do Território e Obras – arquiteto José António Veríssimo Paulo) e o de direção intermédia de 1.º grau (Departamento de Gestão Urbanística – arquiteto Carlos Dias) de quem aquelas unidades dependiam hierarquicamente, assim como a Divisão Técnica e Administrativa do setor (chefiada pela Dr.ª Aida Maria Maurício Duarte).
«O Licenciamento de operações urbanísticas é uma competência originária da Câmara Municipal que pode ser delegada no Presidente da Câmara e subdelegada nos vereadores, r.g. no vereador do pelouro do urbanismo.
Impõe-se averiguar quem é o sujeito ativo da decisão à luz do disposto no artigo 4.º, n.º 2, do RJUE, tendo em conta a patente falta de articulação entre este preceito e a LAL, que regula especificamente as competências dos órgãos ou funcionários das autarquias locais.» (Novo A. F. C., A Violação das Regras Urbanísticas. Reflexão Crítica, 2013)
Finalmente, importa identificar, então, quem era o vereador com o pelouro do urbanismo no mandato em causa (2005-2009): José Gonçalves, da CDU.
Em 2009 foram renovadas as comissões de serviço dos chefes das divisões criadas em 2006, à exceção da do arquiteto Carlos Pinto, e em sua substituição aparece a jurista Tânia Alexandra Camões Fonseca:
Nomeada definitivamente como técnica superior (Direito) em 20-12-2007 após aprovação no respetivo estágio, em menos de dois anos e sem qualquer experiência na área já estava indicada, em regime de substituição, para chefiar a Divisão de Administração Urbanística 3 ficando em comissão de serviço a partir de 18-11-2010 (com renovação em 09-08-2013 por mais três anos).
Coincidência, ou talvez não, convêm referir que Tânia Camões fez o estágio de advocacia no escritório de Paulo Silva (como se pode ler na nota biográfica anexa à nomeação de 2010), um conhecido autarca da CDU na Assembleia Municipal do Seixal.
A propósito das nomeações para aquelas quatro divisões de gestão urbanística, não será displicente (muito pelo contrário) lembrar que são as mesmas cujos concursos foram considerados nulos pelo Tribunal e de que já aqui demos notícia em,
Entretanto ocorreu uma outra mudança que pode ser significativa: o responsável pelo pelouro do urbanismo, no mandato 2009-2013, passou a ser Maria Amélia Pardal (CDU), situação que se manteve no mandato seguinte (2013-2017).
Mas em maio de 2012 ocorreram novas alterações na estrutura organizativa e não foi renovada a comissão de serviço da engenheira Margarida Costa, passando a jurista Ana Lousa a chefiar as DGAU-1 e DGAU-2, como se fosse uma única divisão de gestão.
Por força da lei que então mandou reduzir o número de dirigentes, a seguir saiu a arquiteta Anabela Fernandes e das quatro iniciais acabaram por ficar apenas duas divisões, ambas lideradas por juristas.
Curiosamente, ou talvez não, a CDU em Almada conseguiu, em poucos anos, afastar da gestão urbanística os técnicos especialistas – engenheiros e arquitetos, deixando o assunto entregue a juristas que de entre o pessoal que anteriormente desempenhara o mesmo cargo eram quem menos experiência tinha na matéria (facto que não deixa de ser bastante curioso, sobretudo por estas ocorrências coincidirem com o período a partir do qual começaram as sistemáticas violações do PDM):
DGAU-1: Ana Lousa;
DGAU-2: Tânia Camões.
IMAGEM 2: Moradia na Quinta de Santa Maria (Charneca de Caparica), da autoria do arquiteto João Simões Raposo.

Conforme assim o evidenciam as imagens 1 e 2, o loteamento da Quinta de Santa Maria na Charneca de Caparica, da autoria do arquiteto João Simões Raposo da ARQUIQUAL – Arquitetura e Urbanismo Unipessoal Ld.ª, respeitava as normas do PDM para uma área urbanizável de baixa densidade habitacional: moradias de, no máximo, dois pisos.
Contudo, após as mudanças ocorridas a partir de 2009/2010, é o próprio projetista que passa a desrespeitar o PDM, como se pode constatar pela imagem que segue abaixo:

IMAGEM 3: Moradia na Quinta de Santa Maria (Charneca de Caparica), da autoria do arquiteto João Simões Raposo.

Os dois pisos inicialmente previstos a partir de 2010 passam a ser três sem que, contudo, tenha havido alguma alteração ao PDM.
E não deixa de ser “curioso”, embora no mandato 2009-2013 já fosse outro a ter essa “pasta”, que toda esta transformação na gestão urbanística tivesse sido concebida e quase toda implementada sob o consolado do vereador José Gonçalves, também ele jurista.
O que nos leva a concluir que, afinal, em Almada ter juristas à frente da administração urbanística não é (ou, pelo menos, não tem sido a partir de 2010) garantia do cumprimento da legalidade nem do respeito pelas regras dos instrumentos de planeamento territorial em vigor, muito pelo contrário. Quase nos leva mesmo a crer que ali estarão somente para “ajustar” a legislação às pretensões de alguns particulares.
Como é o caso deste outro imóvel na Quinta de Santa Teresa (Charneca de Caparica), uma área de média densidade habitacional onde o limite máximo de pisos é 4, mas onde há uns quantos edifícios que tal como este ainda em construção em 2018, apresentam mais um piso à revelia do disposto no artigo 91.º do PDM:

IMAGEM 4: Edifício na Quinta de Santa Teresa (Charneca de Caparica), retirado do site da OLX (em 19-10-2018).
Voltando a Tânia Camões,
Depois de uma passagem em regime de substituição como Chefe da Divisão de Administração Urbanística 2, para onde foi em 17-11-2015 após a remodelação na estrutura orgânica da CMA, é nomeada em comissão de serviço em 06-05-2016.
Após as eleições de 01-10-2017 manteve-se no cargo até à implementação da nova estrutura orgânica dos serviços (03-10-2018) e em 09-10-2018 foi nomeada em regime de substituição Chefe da Divisão de Reconversão Urbanística de AUGI.
Quanto ao novo Departamento que tutela a gestão urbanística, Direção Municipal de Obras, Mobilidade e Urbanismo desde outubro de 2018, saiu o arquiteto Veríssimo Paulo e foi nomeado em regime de substituição o engenheiro Gabriel Oliveira. E no Departamento de Gestão Urbanística mantém-se o arquiteto Carlos Dias.
«De acordo com a corrente Jurisprudencial do STA, a fundamentação do ato administrativo pode consistir em mera declaração de “concordância” com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, não exigindo uma declaração formal expressa, mas uma declaração inequívoca que não deixe dúvidas quanto à identificação dos fundamentos do ato.
Daqui resulta um elevado grau de dificuldade em definir o autor do ato decisório como sujeito ativo no artigo 382.º-A do CP e no artigo 18.º-A da Lei n.º 34/87, considerando que haveria de presumir-se que o “decisor” ao aderir à informação prestada pelos técnicos do departamento urbanístico teria conhecimento da informação e da respetiva conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis.
De qualquer modo, para efeitos de “ato decisório de licenciamento ou de aprovação” o funcionário fica sempre excluído por incompetência absoluta, tendo em conta que não existe lei habilitante que permita a delegação ou subdelegação de poderes para a prática de um ato que é exclusivo dos titulares de cargo político como órgão plenário ou órgão presidente da câmara ou vereador por delegação ou subdelegação de poderes.
Já assim não é se o “decisor” que é o titular de cargo político e eleito local, não concordar com a informação dos técnicos – que é mera proposta de decisão - e tomar a iniciativa de proceder à sua alteração invocando motivos ponderosos, atuando em violação das normas urbanísticas e regulamentos aplicáveis.» (Novo A. F. C., A Violação das Regras Urbanísticas. Reflexão Crítica, 2013)
Há ainda um nome que não pode deixar de ser citado, o do arquiteto Ricardo Carneiro (candidato da CDU em Almada às eleições autárquicas, em nome de quem não se conhece um único projeto de arquitetura) e que, entre 2006 e 2017, terá sido adjunto (em regime de prestação de serviços*) dos vereadores da CDU que tiveram o pelouro do urbanismo: primeiro José Gonçalves e depois Amélia Pardal.
No âmbito das suas funções competir-lhe-ia, com certeza, prestar assessoria técnica (arquitetura) mas, ao que tudo indica, talvez por estar mais preocupado com questões de índole partidária, no que respeita ao cumprimento das regras do PDM terá falhado redondamente.
Nesta data estão em análise outras urbanizações espalhadas pelo município e até verificações em espaços urbanos consolidados a fim de obter mais elementos que consubstanciem a denúncia ao Ministério Público que estamos a elaborar.
Cruzando as plantas de ordenamento do PDM com um passeio virtual através do Google Maps, sobretudo recorrendo ao Street View, são inúmeras as situações de desconformidade em particular com o disposto no artigo 91.º do regulamento. Ainda assim não deixaremos de visitar os locais para, in loco, observarmos as situações.
Mas são já tantas as infrações que nesta breve pesquisa por nós efetuada têm vindo a ser detetadas (e sem sequer termos acesso a quaisquer processos internos, recorrendo unicamente à informação pública) que somos forçados a considerar imprescindível que o atual executivo mande efetuar um inquérito (ou auditoria) aos serviços de urbanismo, a realizar por especialistas externos à autarquia.
E nessa sindicância há duas situações que devem ser apuradas ambas muito graves para o interesse público, em particular a segunda, e que tornam urgente a assunção de medidas concretas para apurar a verdade e afastar as dúvidas e responsabilizar disciplinar, civil e criminalmente os incumpridores:
Se os projetos de construção aprovados com pisos a mais foram apresentados por técnicos e/ou promotores variados e estamos perante uma evidente incompetência dos serviços da autarquia;
Ou se foram sendo beneficiados com um piso extra sempre os mesmos técnicos e/ou promotores e, neste caso, estaremos perante evidentes sinais de corrupção interna dos serviços autárquicos.

Continua



* Por dificuldades de acesso à Base.gov (que, nesta data, estava com erro na disponibilização dos contratos) a análise dos custos despendidos com esta e outras assessorias semelhantes durante o período assinalado (2006-2017) será efetuada posteriormente.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Violação do PDM ALMADA na Charneca e Costa de Caparica? Andará a CORRUPÇÃO por essas bandas?



O combate à corrupção na gestão autárquica sempre foi uma das minhas principais preocupações como podem verificar pela leitura dos artigos que aqui fui escrevendo ao longo dos anos neste espaço.
E, depois de mais de um mês de silêncio (devido aos múltiplos afazeres profissionais e particulares), eis que volto à escrita para denunciar publicamente (após já ter alertado o atual executivo para os factos que aqui vos vou apresentar e de estar a preparar a queixa formal a remeter à Inspeção-geral de Finanças e ao Ministério Público) vários casos que podem configurar a prática do crime de violação do Plano Diretor Municipal de Almada (instrumento de planeamento territorial publicado no Diário da República, I série B, n.º 11, de 14 de janeiro de 1997, e que apenas sofreu alterações pontuais e nenhuma delas nos artigos 85.º e 91.º que adiante iremos referir). 
«Dados contidos no Relatório Global de Corrupção e Transparência Internacional demonstram que este fenómeno extravasa as fronteiras dos Estados.
No que se refere a Portugal a corrupção a nível local autárquico na área do urbanismo e da especulação é considerada um foco de corrupção permanente verificando-se, mesmo, a nível governamental.
Com efeito, a corrupção no âmbito do urbanismo tem uma justificação simples e concreta: é uma área de atividade de grandes movimentações de dinheiros, operando a “regra de dinheiro fácil” e do enriquecimento ilícito nos setores privado e público.
Daqui resulta que um particular predisposto à prática de crimes económicos encontra nesta área de atividade muitas possibilidades de obter elevados benefícios e proceder ao branqueamento de capitais de proveniência ilícita.
Na administração local, funcionários, vereadores e presidentes de câmara, dispõem do poder de elaborar e aprovar os planos de ordenamento do território e de regulamentar a sua aplicação, ou seja, o poder de decidir em matéria de urbanização, alteração do uso do solo e licenciamento de obras.
Este poder de decisão, alteração e licenciamento é detido pelos mesmos órgãos ou funcionários que fiscalizam a violação dessas normas urbanísticas, circunstância facilitada pela grande proximidade com as entidades que intervêm no processo de desafetação dos solos integrados em Reserva Ecológica Nacional (REN) ou Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou solos protegidos por planos de outra natureza.
Considerando a subordinação do poder local ao princípio da legalidade, este problema nem deveria existir, tendo em conta que a Constituição da República Portuguesa (CRP) preceitua no seu artigo 65.º, n.º 4, que a utilização do solo deve ser feita em conformidade com os interesses gerais e na prossecução do interesse público.
Na atualidade é legítimo afirmar que existe uma grande vulnerabilidade do direito do urbanismo. Veja-se o caso dos “profissionais da política” a exercerem em simultâneo o cargo de deputados que acumulam com cargo de titular de órgão autárquico, o que é demonstrativo de uma promiscuidade nesta área sentida como de muita suscetibilidade à “venalidade”» (A Violação das Regras Urbanísticas. Reflexão Crítica, de António Fernando da Cruz Novo, 2013)

Depois da leitura do texto acima, e a este propósito, antes de expor os casos concretos, não posso deixar de trazer à colação um artigo que escrevi em 05-07-2013 intitulado: “Será a ponta do icebergue?” a propósito da detenção de três trabalhadores da Câmara Municipal de Almada por suspeitas de corrupção.
É interessante, sobretudo, recordar as palavras da então presidente de Câmara e de um membro da bancada da CDU quando, em 2009, apresentei na Assembleia Municipal de Almada uma moção sobre a elaboração do Plano de Prevenção dos Riscos de Corrupção:
«Queria também dizer que em relação à corrupção nós fazemos da luta contra a corrupção uma forma de estar no exercício do serviço público. Para nós mais do que um Plano de Prevenção do risco e gestão, etc., muito bem assumido pela nossa Associação Nacional de Municípios Portugueses (…), mais interessante do que isso é em cada dia fazermos de facto da luta contra a corrupção uma forma de estar e de exercer o serviço público. E eu aqui queria dizer que é isso que acontece no nosso Concelho e por isso não temos tido situações que infelizmente noutras localidades e noutras realidades têm vindo à luz do dia e que todos conhecemos bem.» (Maria Emília Neto de Sousa)
«Relativamente à proposta do Bloco de Esquerda sobre a luta contra a corrupção, digamos que o Bloco de Esquerda põe em causa a seriedade e a transparência da Câmara Municipal de Almada. Entendemos que não o deveria fazer (…). Temos a maior das certezas de que a transparência da gestão da Câmara não pode ser posta em causa.» (Sérgio Taipas)

Decorreram mais de dez anos desde aquelas afirmações. E, entretanto, muita coisa mudou, com destaque para a quebra do ciclo de governação comunista em Almada (um marco histórico no nosso concelho). Todavia, ao que tudo indica, aquela maneira de pensar da CDU (julgarem-se moralmente superiores) manteve-se até ao presente agudizando-se após o dia 1 de outubro de 2017 (data em que perderam as eleições autárquicas) como as sucessivas tentativas de denegrir a imagem do atual executivo o têm vindo a demonstrar (não se coibindo de, para o efeito, recorrer a notícias falsas, deturpação de factos e interpretações dúbias e falaciosas das decisões assumidas pela vereação do PS/PSD).
Mas voltemos ao assunto de hoje: a violação do PDM em Almada.
Ocorrências que a confirmar-se a atuação criminosa só podem mesmo ter sido praticadas com o envolvimento direto dos serviços de urbanismo da autarquia: técnicos, dirigentes e quiçá órgão executivo.
Passo então a expor, de forma breve, os casos sobre os quais foram já coligidas provas suficientes para colocar sob suspeita o licenciamento das obras em causa (cujos atos administrativos que o permitiram podem vir a ser judicialmente declarados nulos, com todas as consequências que daí advirão para os particulares e para a Câmara Municipal) justificando o envio de todo o material recolhido à Inspeção-geral de Finanças e ao Ministério Público (o que farei em breve) para averiguação da Verdade e adequada responsabilização dos infratores (particulares e técnicos e políticos da autarquia) na medida em que a conivência passiva (nada fazer após o conhecimento dos factos) é também condenável pelo incentivo que dá a este tipo de abusos que, num Estado de direito democrático, todos devemos expressamente condenar.
O presente texto é ilustrado com uma imagem de cada uma das situações referidas (e que, lamentavelmente, são apenas exemplos aleatórios, escolhidos ao acaso após um curto passeio realizado ao local na quarta-feira passada, de entre muitos outros semelhantes que se poderão observar numa visita mais minuciosa), mas como é óbvio foram recolhidas muitas mais fotografias que ajudam a ilustrar, com maior clareza, o que se passa nos loteamentos das urbanizações citadas e serão enviadas às entidades atrás referidas.
Entre os lotes construídos seguindo as instruções do respetivo alvará de loteamento (que, ao que tudo indica, respeitava o PDM sendo disso prova a constatação de que salvo as exceções apontadas a construção obedece às regras legalmente estabelecidas) vão aparecendo vários edifícios em flagrante desconformidade com aquele instrumento de planeamento do território (os casos apresentados são apenas exemplos pontuais, mas há muitos mais naquelas duas urbanizações e consta que em muitas outras freguesias do concelho de Almada).
Quinta de Santa Maria (Charneca de Caparica)


Espaço urbanizável considerado de baixa densidade habitacional onde o número máximo de pisos permitido é de apenas dois, conforme assim o dispõe o artigo 91.º do regulamento do PDM. Apesar dessa norma, o edifício da fotografia tem três e não dois pisos. Consequentemente, um deles foi construído a mais. Com autorização de quem? Quem beneficiou com esta operação?
Quinta de Santa Teresa (Charneca de Caparica)


Espaço urbanizável considerado de média densidade habitacional onde o número máximo de pisos permitido é de apenas quatro, conforme assim o dispõe o artigo 91.º do regulamento do PDM. Apesar daquela norma, o edifício da fotografia tem cinco e não quatro pisos. Consequentemente, um deles foi construído a mais. Com autorização de quem? Quem beneficiou com esta operação?

Costa de Caparica

Área urbana consolidada onde o número de pisos das novas construções é calculado através do “valor modal das alturas das fachadas da frente edificada do lado do arruamento onde se integra o novo edifício” conforme consta do n.º 2 do artigo 85.º do PDM. Ou seja: como naquelas ruas predominam moradias de dois pisos, ambos os edifícios da figura têm no mínimo um piso a mais cada um. Quem autorizou a sua construção? Quem beneficiou com esta operação?

Finalmente importa referir que, como se pode constatar pelas imagens captadas através do Street View do Google Maps as situações ora denunciadas reportam a atos autorizados nos mandatos anteriores.
Contudo, essa evidência não é de deixar descansados os membros do atual executivo.
Primeiro, porque são os políticos de hoje aqueles que representam o Município no presente, independentemente dos eventuais atos ilícitos terem sido cometidos antes de outubro de 2017.
Segundo, porque apesar da recente alteração da estrutura orgânica dos serviços municipais, continuam em exercício de funções a maioria dos dirigentes da autarquia (chefes de divisão e/ou diretores de departamento) que à época lideravam as unidades orgânicas a quem cabia emitir os pareceres favoráveis à obtenção das licenças de construção em causa (e que de forma negligente e/ou deliberada deram o seu aval à violação do PDM), e não há garantias de que tenham alterado o seu comportamento quanto à análise deste tipo de processos.
E se assim for, confiando nos pareceres técnicos dos serviços, é bem possível que no atual mandato o executivo já tenha aprovado projetos de construção que violam o PDM. E esta é uma situação intolerável que urge esclarecer.

Rua da Quinta de Santa Maria – Street View (Google Maps), janeiro de 2015

Rua Eng.º Henrique Mêndia – Street View (Google Maps), agosto de 2014
Para terminar, mais um excerto da dissertação de mestrado de António Fernando da Cruz Novo: A Violação das Regras Urbanísticas. Reflexão Crítica.
«Na nossa opinião, os maiores problemas no sancionamento de ilícitos da disciplina urbanística não são apenas provocados pelas decisões que, dia-a-dia, vão sendo tomadas no âmbito dos processos administrativos de licenciamento, tendo em conta que, muitas vezes, o ataque ao bem jurídico protegido não se concretiza nesse momento mas antes.
De facto, são vulgares os casos em que uma dada operação de construção é concretizada sem a licença adequada tendo como pressuposto um acordo prévio entre promotor e Município no sentido de ser posta em marcha uma alteração dos planos de ordenamento a qual, quando concretizada, legaliza a situação, até aí, ilegal.
Mesmo nos casos em que não existe um “pacto” ou “um acordo”17 adequado, entre o que foi licenciado e o que efetivamente foi construído ou edificado é no mínimo estranho que se “legalize o ato praticado” ilegalmente, sem dificuldade pela administração ou, em determinadas situações, pelos tribunais.
Com efeito, ainda que tenha sido perseguida a ilegalidade e exista uma sentença declarativa de nulidade18 do licenciamento ou ordem de demolição da construção, ou edificação ilegal, o que se verifica é que estamos perante uma situação generalizada de incumprimento, uma autêntica desobediência judicial, com a cumplicidade dos órgãos da administração que não incentiva nem atua para a efetiva execução das normas.»


Interessante será observar, doravante, como é que este assunto irá ser acompanhado pelas diferentes forças políticas nomeadamente na Assembleia Municipal palco privilegiado para o “teatro partidário” da nossa praça.

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