Sobre esta questão [pagamento das
despesas de representação aos dirigentes do município de Lisboa] já muito aqui
escrevi (em 30-01-2016,
06-02-2016,
07-02-2016,
09-02-2016,
10-02-2016
e 13-02-2016)
e não pensava voltar ao mesmo depois de “ter entregue” o caso à
Inspeção-geral de Finanças.
Todavia, tendo presente o teor da
reformulada proposta da autarquia (por comparação
à anterior), aprovada pelo executivo e que deveria ter sido discutida na
Assembleia Municipal no passado dia 19 do corrente mês mas cuja votação foi mais
uma vez adiada, não posso deixar de trazer de novo o assunto à colação.
E porquê?
Porque, sinceramente, não consigo
deixar de me sentir chocada com o à vontade com que, no município de Lisboa, se
desrespeita a lei e o funcionamento dos órgãos autárquicos, comportamento bem visível
nesta situação e agravado pela atitude denunciada a semana passada pelo jornal
Público.
Por isso, há duas perguntas que
me coloco inúmeras vezes: tal como aconteceu com a posição de António Costa em
relação à Assembleia Distrital
de Lisboa quando ainda era presidente da autarquia (levando a entidade à
falência e provocando a existência de salários em atraso durante muitos meses
consecutivos, por mero capricho político assumido à revelia da lei e dos órgãos
autárquicos do município), terá o PS no atual mandato mandado suspender a Constituição
da República no que à Democracia diz respeito? E a outra é, em Lisboa para que
servem, afinal, as eleições autárquicas e os órgãos deliberativos colegiais?
Retomando o tema das despesas de
representação.
Começa logo pelo título da Proposta
131/CM/2016 «Atribuição de Despesas
de representação ao pessoal dirigente da CML e ratificação dos atos de atribuição de despesas de representação
praticados há menos de um ano.» (sublinhado meu)
Repito: «ratificação dos atos de
atribuição de despesas de representação praticados há menos de um ano.»
Ou seja, organiza-se uma “barrela
político-partidária” que limpe as ilegalidades cometidas e desresponsabilize políticos
e dirigentes (secretário-geral e diretores dos departamentos de recursos
humanos, contabilidade e finanças) que incumpriram a lei de modo deliberado pois
que no âmbito das suas funções não poderiam alegar desconhecimento da legislação
nem dos procedimentos necessários à aplicação das novas regras de atribuição
daquele suplemento remuneratório e com certeza estariam conscientes (caso
contrário seriam uns incompetentes) de que ao manter a liquidação dos abonos
mesmo sem haver deliberação da Assembleia Municipal estavam a autorizar o
pagamento de despesas sem cobertura legal.
Nos considerandos da proposta é,
aliás, admitido precisamente isso, isto é, que se cometeram atos que importa
sanar, e só se sana aquilo que se sabe foi cometido sem base legal de
sustentação:
«Importa garantir o abono de despesas de representação aos titulares
dos cargos dirigentes da CML, deliberando ao abrigo da competência prevista no
n.º 2 do art.º 24.º da Lei n.º 49/2012, de 29 de Agosto, bem como
ratificar-sanar os atos de atribuição de despesas de representação já
praticados e não sanados.»
Tal como sintomático desta
postura de desresponsabilização é o parecer do gabinete jurídico da autarquia
ao concluir que:
«(XVII) Os vícios de incompetência relativa de que enfermavam os atos
de atribuição e abono das despesas de representação praticados há mais de um
ano encontram-se sanados, logo convalidados e sem necessidade de ratificação,
por ter decorrido o respectivo prazo de impugnação contenciosa e,
consequentemente, se terem tornado inimpugnáveis e firmado em definitivo na
ordem jurídico, sendo a situação a eles subjacente insusceptível de reversão;
(XVIII) No que respeita aos atos de atribuição de despesas de
representação praticados há menos de um ano e até 7 de abril de 2015, data de
entrada em vigor do NCPA (Novo Código do Procedimento Administrativo), o vício
de incompetência relativa ainda subsiste, pelo que é legalmente possível a sua
ratificação pelo órgão legalmente competente para a sua prática, ou seja, por
deliberação da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal (…);
(XIX) Quanto aos atos praticados depois de 7 de abril de 2015,
inclusive, são igualmente susceptíveis de ratificação pela assembleia municipal
nos termos referidos no ponto anterior (…);
(XX) A ratificação-sanação deverá constar de uma deliberação da
Assembleia Municipal, órgão competente para a atribuição de despesas de
representação aos dirigentes municipais atento o disposto no n.º 2 do art.º
24.º da Lei 49/2012, sob proposta da Câmara Municipal, repondo-se também dessa
forma a regularidade procedimental prescrita na norma para essa atribuição.»
Depois desta leitura ficamos com
uma certeza: na autarquia de Lisboa há alguns dirigentes que podem cometer
ilegalidades de forma impune pois sabem que terão da parte dos autarcas certos a
adequada cobertura.
Resta saber o que fará a IGF
neste caso e o que faria se o mesmo se passasse noutro município qualquer.
Assim como interessante seria saber qual a posição do PS numa autarquia onde
fosse oposição e o PSD, por exemplo, assumisse um comportamento destes.
E por último:
Não tendo ainda sido possível “sanar-ratificar”
as tais ilegalidades por a Assembleia Municipal ter adiado a aprovação da proposta
acima identificada, e confirmado o “vício de incompetência” pelo próprio
gabinete jurídico da autarquia, será que o município tem continuado a pagar as
despesas de representação aos seus dirigentes? Com que justificação?