segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

SIADAP3 e gestão negligente dos recursos humanos.

Autor: Markus Glombitza Crédito: vegefox.com

 

“Nas modernas organizações cada vez mais o papel das pessoas é determinante. O sucesso de uma organização passa por ter colaboradores motivados, empenhados na prossecução dos objetivos da organização, identificados com a mesma e que atuem de forma eticamente correta em prol da mesma.

O fator humano já não deve ser entendido como um mero recurso, em pé de igualdade com os outros recursos como o fator capital, mas deve ser percecionado como o recurso essencial para o atingimento dos objetivos organizacionais. A relevância atribuída ao capital humano tem sido notória nas modernas organizações, à medida que a preocupação com a gestão das pessoas se revela essencial para o sucesso dessas mesmas organizações.”

(Sotomayor, 2021, p. 21)

 

Ao contrário da imagem que o texto introdutório refere, na nossa administração pública (da central à local) a realidade é bem diferente (salvo raras exceções). O tema do artigo de hoje centra a questão da avaliação do desempenho e os reflexos que resultam da atuação dos dirigentes (de nível intermédio e superior) na gestão dos recursos humanos e o retrato é deveras preocupante.

Partindo da observação feita ao longo da minha vasta experiência profissional na administração pública (36 anos na carreira de técnica superior, 10 dos quais como diretora de serviços – cargo de direção intermédia do 1.º grau), apresento a situação de um “departamento tipo”, embora os dados apresentados sejam verídicos.

Comecemos pela primeira evidência da pouca importância que no tal departamento dão aos recursos humanos: a inexistência de um setor específico que centralize os vários aspetos da gestão de pessoal ao ponto de mesmo quem lá trabalha desconhecer com quem tratar os assuntos que necessita. Remunerações é num sítio, formação é noutro, faltas e licenças naqueloutro, avaliação do desempenho nem se sabe onde, recrutamento e seleção vai variando, acolhimento e integração de novos colaboradores é inexistente, gestão e adequação de perfis funcionais não se conhece, etc. etc.

Em segundo lugar, temos o preocupante desfasamento entre a missão definida na respetiva lei orgânica e a estrutura organizativa dos serviços, com unidades orgânicas desadequadas face às atuais atribuições e competências, com um mapa de pessoal desajustado às necessidades do presente, sem identificação dos perfis funcionais por posto de trabalho, etc. etc.

Um terceiro fator, é a falta de transparência transversal à organização (que se revela na notória dificuldade em cumprir com as regras da publicação atempada, por exemplo, dos documentos de gestão e o incómodo que causa aos dirigentes a solicitação de acesso à informação administrativa), e que é por demais evidente nas matérias relacionadas com os recursos humanos, (como seja a recusa em publicitar os resultados globais da aplicação do SIADAP, incluindo a lista de atribuição de “desempenho excelente”, uma obrigação legal).

Segue-se, em quarto lugar, a total ausência de preocupação com o desenvolvimento das carreiras do pessoal, como o demonstram: o sistemático incumprimento dos planos de formação aprovados e a inexistência de um diagnóstico prévio (adaptado aos perfis funcionais) e, principalmente, de uma avaliação posterior que permita aferir quais foram os efetivos contributos do investimento realizado para a melhoria da qualidade dos serviços prestados.

Quando aos problemas atrás apontados:

  • inexistência de divisão de recursos humanos;
  • desadequação da estrutura orgânica;
  • falta de transparência;
  • indiferença face ao desenvolvimento de carreiras,

Se juntam, no mesmo departamento estatal, os procedimentos denunciados nos artigos anteriores (de 11-01-2023 – SIADAP3. INCENTIVO À MEDIOCRIDADE? e de 21-01-2023 – SIADAP3: faltas de ética por entre falhas do sistema), entre os quais se destacam:

  • mapas de pessoal sem perfis funcionais associados;
  • dirigentes em regime de substituição irregular;
  • aposta na ambiguidade da avaliação de competências;
  • manipulação de avaliações do desempenho com o intuito de favorecer “amigos”,

·    Temos um caso sério de má gestão de pessoal, com consequências nefastas para a organização (com danos na imagem pública da entidade difíceis de reparar no curto prazo) e, sobretudo, com um impacto extremamente negativo para os trabalhadores que se sentem desmotivados, desrespeitados e injustiçados e, por esse motivo, preferem sair a manter-se num ambiente que os deixa permanentemente insatisfeitos.

 

“Nenhuma organização pode funcionar correctamente sem uma estratégia adequada de gestão dos seus serviços e dos meios humanos e materiais que a integram. (…) é inegável que sem uma correcta planificação das necessidades e objectivos em face das suas atribuições e sem uma adequada afectação dos meios humanos e materiais a tais objectivos e fins, racionalizando o seu emprego, estimulando a melhoria dos resultados e auto-responsabilizando-os pelo sucesso ou insucesso dos resultados que estavam ao seu alcance, seguramente a eficácia de qualquer organização pública estará votada ao insucesso.”

(Moura, 2012, p. 13)

 

Chegados aqui, trazemos à colação outra evidência da pouca importância a que os dirigentes (de nível superior e intermédio) daquele departamento público votam as matérias relacionadas com os recursos humanos, nomeadamente no que se refere ao SIADAP3:

  • o incumprimento sistemático dos prazos do ciclo avaliativo.

E repescamos uma questão já abordada, mas à qual pretendemos acrescentar novas perspetivas de análise:

  • a deliberação do CCA de impor competências transversais (independentemente da unidade orgânica e das funções desempenhadas pelos trabalhadores), sem fundamentar nem indicar os respetivos padrões de avaliação.

Comecemos pelos prazos, analisando os dados da imagem que segue:


Quanto às obrigações que cabem ao avaliador e ao dirigente máximo do serviço em causa, com exceção da comunicação da homologação (e apenas num dos dois biénios estudados), não houve um único prazo que tivesse sido cumprido. E, de forma irresponsável falham, também, o Conselho Coordenador da Avaliação (CCA) e até a Comissão Paritária (CP).

Uma VERGONHA! Não só pela infração legal que estes comportamentos consubstanciam, como pelo desrespeito pelos direitos dos avaliados que representam.

Muito embora o Supremo Tribunal Administrativo tenha considerado que os prazos processuais referentes à aplicação do SIADAP são meramente ordenadores (Processo n.º 182/10, Acórdão de 21-09-2010), considerando que, como refere Moura (2012), o desempenho a ser avaliado só pode ser o que resultar após a contratualização dos parâmetros” (mesmo que isso não invalide o facto de a avaliação apurada se repercutir no ano inteiro), definir em novembro e/ou dezembro aquilo que deveria ter sido feito até final de fevereiro, é uma clara violação da lei.

Acresce, ainda, conforme defendem Batalha, Ribeiro e Carvalho (2013) que a “não realização da reunião de avaliação no período fixado implica, quanto a nós, a invalidade de toda a avaliação – invalidade essa que se projeta no ato de homologação que eventualmente venha a ser praticado, para além das repercussões a haver no âmbito da avaliação dos dirigentes envolvidos – desde que o incumprimento do prazo em apreço comprometa as finalidades com ela visadas – neste sentido cfr. Ac. STA de 09/05/2012. Recurso n.º 1118/2011”.

Sendo o não cumprimento de prazos uma prática reiterada no tal serviço, como aconteceu nos dois biénios assinalados, é caso para perguntar: da mesma forma que há cumplicidade do responsável máximo relativamente aos sucessivos incumprimentos dos avaliadores haverá, também, uma tolerante conivência da tutela ministerial para com os “lapsos” do dirigente superior?

Apesar do cenário que a imagem descreve não ser o de não aplicação do SIADAP, mas o do incumprimento sistemático dos prazos legalmente definidos, não podemos deixar de nos questionar se:  haverá aqui motivo para haver justa causa de cessação da comissão de serviço nos termos do n.º 2 do artigo 34.º (dirigente superior) e n.º 7 do artigo 39.º (dirigentes intermédios) da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro (na sua reação atual)?

Passemos, agora, à atuação do CCA. Além do desrespeito pelos prazos da lei, analisemos duas deliberações, assumidas por unanimidade, para o biénio 2021-2022:

  • “Os dirigentes intermédios… obrigam-se a elaborar os modelos de fichas de acompanhamento de cada objetivo com uma periodicidade anual.”
  • “… estabelecer como competências obrigatórias para os trabalhadores da carreira de técnico superior as seguintes: inovação e qualidade, iniciativa e autonomia e análise da informação e sentido crítico.”

Em relação à primeira deliberação, pelo menos no caso a que se refere a imagem acima, a mesma nunca foi cumprida. Mas o dirigente máximo, conhecedor da situação (até porque era ele o avaliador), pouco se importou com esse facto. Ao que parece, nesta organização, o SIADAP não é para “levar a sério” e serve somente como instrumento para facilitar aos amigos(as) uma mais célere ascensão na carreira.

Quanto à segunda deliberação, enferma de vários vícios:

  • impõe as mesmas competências a trabalhadores que ocupam lugares com um perfil funcional de exigências completamente diferentes;
  • não fundamenta as escolhas que determina;
  • não esclarece conceitos (nomeadamente de inovação e qualidade, por exemplo) para que todos os avaliadores tenham a mesma interpretação de cada uma das competências;
  • não indica critérios de avaliação dos descritores comportamentais em que se desdobram cada uma das competências para que todos os trabalhadores possam ser avaliados de forma idêntica.

Ou seja, trata-se de uma deliberação que deixa ao livre arbítrio de cada avaliador a interpretação dos conceitos e a forma de os avaliar potenciando atos discriminatórios em violação do princípio constitucional da imparcialidade ao permitir que no mesmo serviço existam trabalhadores sujeitos a tratamento desigual (como já demonstrámos nos dois artigos anteriores: de 11-01-2023 – SIADAP3. INCENTIVO À MEDIOCRIDADE? e de 21-01-2023 – SIADAP3: faltas de ética por entre falhas do sistema).

Por último (refiro-me a este texto que já vai longo e não à redação e novos artigos sobre esta temática, que tem, ainda, muito que se lhe diga) deixo uma conclusão judicial (Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 15-02-2019, Processo n.º 426/13.0BEMDL.) sobre as consequências da falta de fundamentação:

“Um processo avaliativo, nomeadamente no âmbito do SIADAP não se satisfaz com uma mera referenciação conclusiva e definitiva dos parâmetros atribuídos, sem que se possa percecionar a razão pela qual foi atribuída uma classificação e não qualquer outra, o que determina a verificação de vício de falta de fundamentação gerador de anulabilidade do procedimento.”


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Batalha, Alexandra Vasconcelos; Ribeiro, Deolinda Paula e Carvalho, Wander Brás (2013). Avaliação do desempenho. SIADAP. Notas, doutrina, jurisprudência e legislação. Lisboa: Quid Juris Sociedade Editora.

Moura, Paulo Veiga (2012). A avaliação do desempenho na administração pública. Comentário à Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro. Coimbra: Coimbra Editora.

Sotomayor, Ana Maria (2021). Princípios de Gestão de Recursos Humanos. Lisboa: Rei dos Livros.
 

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Afinal quem atinge o topo da carreira? (ainda sobre os professores e os técnicos superiores)


 

Sejamos honestos, porra! (desculpem lá o desabafo e o palavrão).

Mas cada vez estou mais farta desta comunicação social que insiste em retratar os professores como se fosse a única classe vítima das injustiças no que se refere à progressão nas suas carreiras.

Depois da divulgação pública do estudo “Estado da Educação 2021”, do Conselho Nacional de Educação, tem feito manchetes nos vários jornais o título:

Professores têm de trabalhar em média até aos 62 para alcançarem topo da carreira

Um escândalo: os professores “precisam, em média, de 39 anos de serviço e 62 anos de idade para ascender ao último escalão remuneratório"!

Pergunto eu: e a situação dos arquitetos, engenheiros, geógrafos, economistas, juristas, sociólogos, assistentes sociais, arquivistas, bibliotecários, psicólogos, etc. etc. etc. incluídos na carreira geral de técnico superior da administração pública (para falar apenas em trabalhadores a quem se exige o mesmo nível de qualificação de base – licenciatura)? Alguém sabe como ocorre a respetiva progressão na carreira? (a propósito, vejam o texto que aqui publiquei ontem).

Se um jovem de 25 anos ingressar hoje (27 de janeiro de 2023) na carreira de técnico superior, não bastam 39 anos de serviço para chegar ao topo: a subir, obrigatoriamente, apenas de dez em dez anos, precisaria de 60 anos de trabalho para chegar a meio da tabela remuneratória (7.ª posição), agora façam as contas para imaginar de quantos mais anos de labuta precisaria para atingir a 14.ª posição. Ou seja, mesmo que se mantenha em funções até aos 70 anos (idade limite para permanecer na função pública) perspetiva-se que atinja a idade da reforma antes de chegar à 6.ª posição.

Pois é, mas disto ninguém fala!

Imaginemos um outro caso: o de um trabalhador hoje com 63 anos e 36 de carreira. Antes da implementação do SIADAP progrediu na carreira em 1993, 1997 e 2000, devido à atribuição de duas menções de mérito excecional e através de concurso público. Depois do SIADAP obteve uma avaliação com pontuação máxima (2009) tendo-lhe sido reconhecido a excelência do desempenho. Depois dessa data, apesar de ter obtido “desempenho relevante” em dois biénios nunca mais conseguiu ultrapassar a fasquia dos 25% para caber na quota respetiva e baixou sempre para “desempenho adequado” tendo de esperar 10 anos para subir uma posição remuneratória. Chega a 2023 na 11.ª posição, mas por aí ficará até à idade da reforma em 2025. Mesmo com um percurso de relevo, com vários períodos de progressão de duração substancialmente inferior ao comum, para chegar à 14.ª posição teria de trabalhar mais vinte anos.

Sabendo, por experiência própria, destas situações, já não suporto ler (ouvir) a invasão noticiosa sobre o facto de os professores terem “de trabalhar em média até aos 62 para alcançarem topo da carreira” … nesse aspeto há na função pública quem esteja muito pior, apesar de, pelos vistos, esta ser matéria sem interesse jornalístico e, lamentavelmente, tão pouco político ou sindical, uma vez que este regime de avaliação do desempenho existe há quase duas décadas e não se prevê venha a sofrer quaisquer alterações em breve (o assunto tem estado arredado das reivindicações públicas que partidos e sindicatos têm feito).

E, já agora, uma última palavrinha, só para esclarecer umas coisas que não costumam ser ditas… sobre a contagem do tempo de serviço…

Convém, antes de mais, esclarecer que se trata de um apuramento exclusivamente para efeitos de progressão na carreira e não interfere na contagem do tempo para a reforma.

Os professores sentem-se espoliados e há por aí comentários sobre o tempo que o Governo lhes rouba (e não paga) e o tempo que cede a outros que recebem mesmo não trabalhando.

Confesso que este tipo de argumentos me ofende.

Porque, por entre a justa luta dos professores por condições dignas de trabalho e pelo merecido respeito pela importante função que desempenham (e que eu compreendo e apoio), esta radicalização de posições baseadas em pressupostos errados, retira muita da credibilidade à sua defesa.

É que, mesmo com todo o tempo de serviço colocado na contagem para a progressão na carreira, os técnicos superiores precisam, em regra, de mais de uma centena de anos de trabalho para atingirem a última posição remuneratória (o que torna essa meta inatingível) … aos professores, mesmo com esse tempo de serviço sonegado e que não é contado, conseguem chegar lá ainda em tempo de vida útil, mesmo que na véspera da reforma.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Carreira docente X Carreira técnica superior: remuneração, avaliação e progressão.

Cansei-me de ouvir falar nas remunerações, sistema de avaliação e forma de progressão dos professores sem nunca ver:
  • publicada a respetiva tabela remuneratória;
  • explicado o processo de avaliação;
  • esclarecido qual é o período de permanência em cada escalão. 
E, sobretudo, cansei-me de comparações feitas sem quaisquer fundamentos, nomeadamente em relação à carreira geral de técnico superior, como se fossemos um "bando de privilegiados".

Começando pelo vencimento, depois de consultadas as fontes oficiais (DGAEP e IGFE) elaborei a tabela que a seguir apresento e que julgo ser bastante elucidativa:
 

No que se refere à avaliação e progressão é bom lembrar que, na carreira técnica superior, a passagem ao escalão seguinte ocorre a cada cumulo de 10 pontos, o que, na maioria das situações só se consegue de dez anos em dez anos. Isto porque, desde a base, existem quotas que impedem uma progressão mais rápida e levam a que a maioria dos trabalhadores atinjam a idade da reforma antes de chegar, sequer, a meio da tabela remuneratória (posição 7). Sobre esta matéria podem ler os artigos "SIADAP3: um incentivo à mediocridade?" e "SIADAP3: faltas de ética por entre falhas do sistema", ambos de janeiro de 2023.

Quanto aos professores, "o tempo de permanência obrigatória em nove dos dez escalões é de quatro anos, baixando para dois apenas no 5.º patamar. Na prática, como o acesso a dois dos escalões (5.º e 7.º) está filtrado pela existência de quotas, nos resultados da avaliação, e depende da abertura de vagas pelo Governo, esta caminhada acaba por se prolongar" por décadas (Clara Viana, jornal Público, de 26-01-2023, p. 2). Ainda assim, atingir o topo da carreira é uma meta possível de alcançar em muito menos tempo do que no caso dos técnicos superiores (que raros serão aqueles que lá chegarão, a não ser com "esquemas" como os descritos nos artigos mencionados no parágrafo anterior).

Finalmente, uma última observação (a propósito de um recente comentário de uma professora à SIC Notícias): os professores não são a única classe que tem na sua avaliação duas classificações, uma por mérito outra pelas quotas. Os técnicos superiores também o têm. Eu própria já vou no segundo biénio consecutivo de "desempenho relevante" (por mérito), e que me poderia valer quatro pontos, que acaba em "desempenho adequado" por não caber na quota (e que apenas me dá dois pontos). Uma situação deveras injusta. 

sábado, 21 de janeiro de 2023

SIADAP3: faltas de ética por entre falhas do sistema.

O que fazer para evitar ser prejudicado? 

Foto: Ermelinda Toscano.

Neste segundo artigo sobre o tema da avaliação do desempenho dos trabalhadores da administração pública começo por recordar um parágrafo do primeiro texto que escrevi sobre o assunto: “SIADAP 3. Incentivo à mediocridade?”:

Nos termos do n.º 4 do artigo 82.º da Lei n.º 35/2014, “todos os trabalhadores têm direito ao pleno desenvolvimento da respetiva carreira profissional, que pode ser feito por alteração de posicionamento remuneratório ou por promoção” que, no caso dos técnicos superiores, se distribui por 14 escalões remuneratórios:

Fonte: Sistema Remuneratório da Administração Pública 2023.

O posicionamento remuneratório é, obrigatoriamente, alterado sempre que o trabalhador “tenha acumulado 10 pontos nas avaliações do desempenho” valorado da seguinte forma: dois pontos por cada “adequado”, quatro pontos por cada “relevante” e seis pontos por cada “excelente”. Todavia, devido às quotas impostas pelo n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 66-B/2007, só 25% do total de trabalhadores avaliados pode ter “desempenho relevante” e de entre estes somente 5% poderão vir a ser reconhecidos como tendo um “desempenho excelente”.

Por isso, as perspetivas de evolução na carreira de um jovem recém-licenciado acabado de ser selecionado para ocupar um lugar de técnico superior, não são nada animadoras. Mesmo que volte ao sistema de ensino para vir a usufruir da benesse dada a quem detenha o grau académico de doutor (Decreto-Lei n.º 51/2022), a eventual subida remuneratória a obter por essa via dificilmente impedirá que chegue à idade da reforma antes de atingir, sequer, o meio da tabela (posição 7).

Esta constatação, e a desmotivação que ela acarreta, encontra um campo fértil entre aqueles que, desprovidos de princípios éticos, não hesitam em procurar esquemas para superar os entraves legais à progressão na carreira, como sejam:

  • A manipulação da avaliação do desempenho (através, nomeadamente, do empolamento da classificação de competências por este parâmetro permitir uma maior discricionariedade);
  • A nomeação para cargos dirigentes em regime de substituição que se eternizam muito além dos 90 dias a que se refere o n.º 3 do artigo 27.º da Lei n.º 2/2004, e sem que tenha sido aberto concurso para provimento do lugar.

E nos serviços da administração pública em que os responsáveis máximos praticam um estilo de liderança coercitiva, as situações atrás descritas são o instrumento ideal para “terem na mão” um “exército subserviente” que obedece às suas ordens sem contestar:

  • De técnicos, porque querem continuar a ter “desempenho relevante” (quiçá, “desempenho excelente”) para encurtar o período de progressão na carreira;
  • De dirigentes, por recearem perder o estatuto e voltar à posição remuneratória anterior, com um rombo significativo no salário (por exemplo: um técnico superior na posição 5 e nível remuneratório 28, aufere 1.945,49€ de vencimento mensal ilíquido, mas se for nomeado para diretor de departamento – cargo de direção intermédia de 1.º grau, a sua remuneração passa para 3.083,64€, valor ao qual se acrescentam 321,25€/mês para despesas de representação).

Analisemos, agora, dois casos concretos (verídicos):


Um técnico superior (identificado pela letra J), considerado um funcionário exemplar por colegas e dirigentes superou, com distinção, todos os objetivos contratualizados nos últimos três biénios consecutivos. Estranhamente, o avaliador considera que ao nível das competências é apenas mediano embora nunca tenha justificado o porquê de tal entendimento. Mesmo assim, dada a ponderação entre resultados (60%) e competências (40%), o trabalhador consegue sempre um “desempenho relevante”. Todavia, o CCA tem-lhe sistematicamente baixado a avaliação para “desempenho adequado” (com a conivência do avaliador), alegando que a sua classificação não cabe na quota dos 25% legalmente permitidos. Por isso, tem de aguardar dez anos para mudar de posição remuneratória.

Em contrapartida, o mesmo avaliador considera que um outro técnico superior (identificado com a letra E), membro do seu gabinete de apoio pessoal, tem um “desempenho relevante” merecedor de se manter na quota dos 25%, apesar de na organização ser público e notório o seu fraco desempenho (inseguro no que se refere à assunção de responsabilidades, com conhecimentos insuficientes na sua área de atuação e sérias dificuldades na resolução de problemas mais complexos, precisa de orientações regulares e da ajuda constante dos colegas para cumprir as tarefas que lhe cabem). Contudo, a obediência e fidelidade demonstradas ao chefe são suficientes para lhe garantir a sobreavaliação de competências que permitem a validação pelo CCA da classificação proposta e, ao contrário do colega, passar para a posição remuneratório seguinte em apenas seis anos.

Uma avaliação mais completa exigiria que fossem esclarecidas algumas questões prévias que, lamentavelmente, não conseguimos apurar dado o sigilo do processo (uma exigência que, na nossa opinião, colide com o princípio da transparência a que a administração pública deve obedecer na sua atuação diária):

  • Os objetivos foram todos estabelecidos de forma equilibrada e realista, estão enquadrados no plano de atividades do serviço, são subsumíveis nos objetivos dos dirigentes e da organização, estão adaptados a cada posto de trabalho e são exequíveis, reformuláveis e mensuráveis?
  • Os indicadores de medida, em todos os casos, são igualmente rigorosos, estão expressos de forma clara e têm em conta os três aspetos essenciais da sua constituição: temporalidade, qualidade e eficiência?
  • As competências negociadas com cada trabalhador foram escolhidas de entre as que integram o perfil do seu posto de trabalho específico, atendem às qualificações funcionais da respetiva carreira e, sobretudo, foram definidas atendendo ao cumprimento dos objetivos acordados?

Estas questão são importantes porque até o parâmetro objetivos pode ser desvirtuado ao adaptar a sua formulação (definição de metas e de indicadores de medida) de modo a favorecer (ou prejudicar) aquele(a) que o terá de cumprir ferindo, assim, o imperativo constitucional da igualdade de tratamento entre todos os avaliados.

A avaliação de competências destina-se a apurar os conhecimentos, capacidades técnicas e comportamentos do trabalhador necessários para o exercício da função que lhe cabe na organização, em particular no que se refere ao cumprimento dos objetivos acordados para o biénio em apreço, mas é evidente que no serviço onde “J” e “E” trabalham isso pouco importa, uma vez que o dirigente máximo controla previamente as avaliações e “exige” a todos os avaliadores que procedam aos “ajustamentos necessários”.

Naquela organização, onde a maioria dos dirigentes (avaliadores) ocupa o lugar de “forma precária” é bom lembrar, e cuja formação em matéria de avaliação de desempenho é fraca ou inexistente, a demonstração de competências de certos técnicos é, assim, uma farsa “adaptada” às conveniências do dirigente máximo e aos fins que pretende atingir: premiar os mais fiéis.

Apesar de contrariado pelo caos vivido na organização (onde são raros os trabalhadores que aguentam lá permanecer mais de um ano e onde só os seus “indefetíveis seguidores” se sentem recompensados), este dirigente julga-se um administrador exímio e com dotes excecionais ao nível da gestão dos recursos humanos. A insatisfação que leva aos constantes pedidos de mobilidade são sempre culpa dos trabalhadores (que não sabem o que que querem) e nunca da direção (que faz o seu melhor).

Esta incapacidade de perceber a realidade, a que se tem juntado a “proteção política da tutela”, escudada atrás do pressuposto de que a avaliação de competências assenta em meros juízos de valor não sindicáveis (por caberem na conveniente e bem-vinda “discricionariedade imprópria e na margem de livre apreciação” do avaliador), tem vindo a criar uma crescente sensação de impunidade neste responsável que pretende transformar a pressão sobre os avaliadores como sendo um “ato de justiça” aceitável perante a “insensatez da lei” que, com as quotas, impede que os trabalhadores progridam nas suas carreiras como merecem.

Acontece, porém, que o travão das quotas à progressão nas carreiras, apesar de ser um aspeto (entre outros) que necessita ser revisto na legislação atual, não justifica a inépcia dos avaliadores em matéria de avaliação de competências nem determina este tipo de comportamentos que, como no caso em apreço, condicionam as propostas a apresentar ao Concelho Coordenador da Avaliação, de modo a que apenas caibam nas quotas os trabalhadores que o dirigente máximo considera merecedores de serem avaliados com “desempenho relevante” em cada biénio – uma clara violação do princípio constitucional da imparcialidade. consubstanciado nas atitudes parciais atrás descritas.

E se alguém ousar solicitar a intervenção da Comissão Paritária, cujo parecer apesar de não ser vinculativo fornece uma ótima base argumentativa a quem homologa, a pretendida revisão da classificação tem indeferimento quase garantido:

  • Por os representantes da Administração serem sempre escolhidos de entre aqueles que estão em regime de substituição e, por esse motivo, não se atrevem a contrariar as “instruções recebidas de cima” – mesmo que os vogais eleitos pelos trabalhadores tenham posição contrária, aquele que coordena os trabalhos da CP (e que é, obrigatoriamente, um dos membros indicados pela direção, no caso os tais “dirigentes precários”) tem voto de qualidade e, por essa via, “resolve” o problema;
  • Ou, no limite, porque o papel da CP é desconsiderado e ninguém se quer dar ao trabalho de analisar a situação em profundidade, estudar as provas existentes, ou coligir novas, e ouvir os interessados. E assim emitem-se pareceres inócuos concluindo não haver fundamentos para propor alteração das avaliações validadas pelo CCA.

Reclamar da homologação, por melhor que se justifique a discordância e por mais elementos informativos que se juntem ao processo, é uma tarefa inglória pois o dirigente máximo do serviço nunca irá admitir que errou. E se o trabalhador avançar para um recurso hierárquico tutelar, é quase certo que não irá obter provimento, uma vez que este tipo de dirigentes, apesar de ocuparem cargos técnicos sujeitos a concurso público, por “coincidência” (ou talvez não) têm também a confiança política do partido que está no Governo, o que significa que, no final, a conclusão refletirá esse “interesse comum” em detrimento dos direitos do trabalhador.

Resta a impugnação judicial. Mas essa opção, além de morosa (todos sabemos como a nossa justiça é lenta), trás mais aborrecimentos do que vitórias e obriga a gastar tempo e dinheiro (em advogado e custas judiciais). Por outro lado, pode transformar o quotidiano do trabalhador num confronto hostil permanente que ninguém deseja.

Este retrato negro do que se passa com a avaliação do desempenho em vários setores da nossa administração pública (central e local) é apenas um alerta e não pretende, de modo algum, demonstrar que a resignação é o caminho. Muito pelo contrário. O nosso objetivo é descrever o problema e apresentar soluções para evitar que estas situações se repitam.

Por isso, à pergunta: o que fazer? Propomos:

Em primeiro lugarCONHEÇA A LEGISLAÇÃO. Para ter a noção exata de quais são os seus direitos e deveres, precisa conhecer as etapas do ciclo avaliativo.

Em segundo lugarESTEJA ATENTO(A) AOS PRAZOS para realização das reuniões:

  • De definição dos objetivos (no início do biénio);
  • De comunicação da avaliação (após terminado o biénio).

Em terceiro lugarMONITORIZE O SEU DESEMPENHO. Recolha evidências (provas documentais e/ou testemunhos) do seu trabalho diário, anote no calendário ocorrências que considere importantes para memória futura.

Em quarto lugarNÃO SE RESIGNE NUNCA. Se considera que está a ser injustamente avaliado, não tenha receio em dizê-lo, apresente os factos que recolheu na sua monitorização e, sobretudo ao nível das competências, não aceite argumentos genéricos e solicite que o(a) avaliador(a) fundamente, de forma precisa e clara, cada um dos comportamentos associados.

Em quinto lugarPROCURE AJUDA. Fale com colegas, partilhe experiências, recolha informação, peça o apoio da comissão de trabalhadores ou do sindicato se considerar necessário.

 

Hoje ficamo-nos por aqui.

Mais pormenores num próximo artigo.


A


quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

SIADAP3 – INCENTIVO À MEDIOCRIDADE?

 

Alguns conselhos aos(às) avaliados(as) para defesa dos seus direitos!


 Estamos na quinzena da autoavaliação do biénio 2021-2022 e aproxima-se a contratação de objetivos e competências para o biénio 2023-2024, altura ideal para prestar alguns esclarecimentos sobre este sistema de avaliação, criado com o objetivo de promover o mérito, mas que tem vindo a ser usado como instrumento de incentivo à mediocridade.

A imagem que ilustra este artigo contém a mensagem central deste texto: que o SIADAP, na forma como tem vindo a ser implementado, é um sistema pouco transparente. E a multiplicidade de erros que são conhecidos (tal qual as gotas de chuva na vidraça) embatem na intolerável passividade dos decisores políticos.

Nos termos do n.º 4 do artigo 82.º da Lei n.º 35/2014, “todos os trabalhadores têm direito ao pleno desenvolvimento da respetiva carreira profissional, que pode ser feito por alteração de posicionamento remuneratório ou por promoção”.

O desempenho é avaliado de dois em dois anos e resulta da média aritmética da classificação obtida em dois parâmetros (objetivos e competências):

A avaliação final resulta da média ponderada entre objetivos – 60% e competências – 40% e é expressa em três níveis de classificação:


O posicionamento remuneratório é, obrigatoriamente, alterado sempre que o trabalhador “tenha acumulado 10 pontos nas avaliações do desempenho”, mas também pode ocorrer por opção gestionária após obtenção de uma menção de “excelente”, duas menções consecutivas de “relevante” ou três menções consecutivas de “adequado”, o que faz diminuir aquela década para períodos substancialmente mais curtos: de 2, 4 ou 6 anos.


Todavia, devido às quotas impostas pelo n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 66-B/2007, só 25% do total de trabalhadores avaliados pode ter “desempenho relevante” e de entre estes somente 5% poderão vir a ser reconhecidos como “excelentes”, o que significa que 75% de trabalhadores terão de aguardar uma década para subir uma simples posição remuneratória. 

O investigador do Instituto Politécnico de Coimbra, Miguel Lira, numa conferência realizada em 2014 apresentou a comunicação “Fatores que conduzem à insatisfação e à perceção de imprecisão e injustiça do SIADAP: uma abordagem qualitativa” onde expõe inúmeros testemunhos que mostram a triste realidade deste sistema de avaliação. Destacamos três deles:

  • “o SIADAP não reflete o real desempenho dos colaboradores. Serve para promover favoritismo e não tem qualquer ligação com o mérito.”
  • “com o número reduzido de quotas, verifica-se muitas vezes que as classificações máximas são para “amigos e protegidos” e funcionários com um desempenho excelente só porque não se encontram nesse grupo não são reconhecidos.”
  • “não é tanto o facto de neste momento as classificações máximas não se fazerem sentir em termos práticos – promoções ou gratificações – que nos desmotivam, mas sim o ‘reconhecimento por amizade’ em vez do ‘reconhecimento por competência’. Isso sim é muito desmotivante.”

A conclusão a que Miguel Lira chegou em 2014 é, infelizmente, a que encontramos hoje em dia (2023), atrevo-me a dizer, em todos os serviços da administração pública (central e local), salvo raríssimas exceções:

“A partir dos dados coligidos, concluímos que os fatores assinalados passam pela perceção da existência de favoritismos; pela imposição de quotas para as melhores classificações; a sua atual falta de efeitos práticos; e procedimentos realizados fora dos prazos legalmente estabelecidos.

Em suma, os fatores supramencionados levam os avaliados a considerarem o processo de avaliação injusto, impreciso e insatisfatório, não servindo os seus objetivos enquanto instrumento de administração dos recursos humanos públicos. A razão é simples: é notório que estes fatores, isoladamente ou em conjunto, terão efeitos contraproducentes e nocivos ao nível da motivação, da satisfação e da perceção de justiça e precisão do SIADAP. (…) Assim, a insatisfação e a perceção de injustiça e de imprecisão para com o SIADAP podem resultar no seu insucesso, refletindo-se – eventualmente – numa diminuição do desempenho profissional e numa diminuição da motivação.”

 

Da minha vasta experiência como funcionária pública (já lá vão quase quatro décadas, duas delas como avaliadora) este triste retrato, entre outras falhas, centra-se no parâmetro competências e na forma irresponsável como a maioria dos dirigentes as analisa, e deve-se, sobretudo, ao facto de não haver uniformização de critérios para avaliação dos respetivos descritores comportamentais de modo a diminuir o grau de discricionariedade e evitar as injustiças que resultam dos erros mais comuns cometidos pelos avaliadores:

  • Efeito de leniência e/ou severidade – propensão do avaliador para atribuir a classificação mais elevada ou a mais baixa, independentemente do desempenho efetivo do avaliado;
  • Efeito de halo e/ou Horn – quando o avaliador opta por classificar todos os fatores a ter em consideração com base na impressão que a classificação num deles lhe causou, seja pela positiva ou pela negativa, respetivamente;
  • Efeito de tendência central – recusa do avaliador em destrinçar desempenhos extemos (positivos ou negativos) classificando o avaliado, sistematicamente, como mediano;
  • Efeito de similitude – atribuição da melhor classificação aos avaliados por afinidades que nada têm a ver com o desempenho profissional.

Sem:

  • Definição prévia de uma metodologia que permita homogeneizar a avaliação das competências na mesma organização (isto é, garantir que competências idênticas são avaliadas de forma igual e que os trabalhadores não ficam sujeitos ao livre arbítrio e/ou aos estados de humor de cada avaliador);
  • Utilização de técnicas fiáveis de monitorização (oficial e regular) dos comportamentos afetos a cada competência;
  • Partilha entre avaliadores e avaliados dos instrumentos de avaliação de competências utilizados;
  • Adoção de procedimentos que garantam, de forma transparente, o direito dos avaliados a terem conhecimento prévio de todos os critérios a que estiveram sujeitos (e não apenas no final do ciclo avaliativo, no momento da avaliação final).

Não é de estranhar que nas entidades onde isso acontece (e que são muitas, infelizmente) os dirigentes prefiram interpretar o n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 359/2013 de forma restritiva (numa visão jurídica limitada sem ponderar os múltiplos aspetos extra literais que ali estão em jogo, nomeadamente ao nível da psicossociologia comportamental) e considerem que os comportamentos associados a cada competência se referem, apenas, “ao padrão médio exigível de desempenho”. E, por isso, mas sobretudo porque lhes convém, consideram que a avaliação das competências cabe na “discricionariedade imprópria e na margem de livre apreciação” do avaliador.

Justificando-se com o facto de nem a lei, a jurisprudência ou a doutrina indicarem quais são, afinal, os padrões de mediocridade e/ou de excelência a observar em cada descritor comportamental, a maioria dos avaliadores atribuem essa responsabilidade a si próprios porque avaliar competências com base em meros “juízos de valor” lhes confere um poder imenso sobre os avaliados até porque sabem que, a não ser que se baseiem em pressupostos notoriamente errados, as suas opções “não são sindicáveis” e nem os tribunais viabilizam quaisquer denúncias nessa área deixando assim a porta aberta para serem cometidas múltiplas injustiças dificilmente contraditadas.

Todavia, apesar de amiúde esses dirigentes argumentarem que o caráter subjetivo da avaliação de competências resulta do entendimento, “que tem vindo a ser perfilhado, pacificamente, aceite pela doutrina e consolidado pela jurisprudência”, de que esse parâmetro cabe na alegada “discricionariedade imprópria e na margem de livre apreciação” do avaliador, como se fosse impossível aplicar critérios de redução da subjetividade, essa não é a opinião dos especialistas na área da psicossociologia, de entre os quais destacamos:

  • António Caetano, José Gonçalves das Neves e José Maria Carvalho Ferreira (2020) – Psicossociologia das Organizações;
  • Margarida Segurado (2017) – Entrevista de Avaliação de Competências;
  • Pedro Camara (2015) – Manual de Gestão e Avaliação de Desempenho;
  • Núcleo de Psicologia da DCAP (2006) – Avaliação e Desenvolvimento de Competências na Administração Pública.

Por outro lado, se considerarmos outras falhas no processo de avaliação como sejam:

  • Contratualizar objetivos e competências sistematicamente em desrespeito pelos prazos estabelecidos na lei para o efeito;
  • Validar classificações (de competências) em violação do princípio da transparência, uma vez que naquelas condições os avaliados nunca têm conhecimento (antes, durante ou depois de cada ciclo avaliativo) de quais são/foram, afinal, os critérios utilizados para avaliar os descritores comportamentais que têm/tiveram de demonstrar;
  • Dispensar, apesar de a lei o exigir, seja efetuada a adequada monitorização do desempenho (formal e com a participação de avaliador e avaliado) o que pode inviabilizar a recolha de evidências probatórias;
  • Considerar admissível que os avaliadores façam meras apreciações genéricas de competências (tendo por referência a descrição introdutória da competência) e não lhes seja exigida a apresentação de provas concretas (factuais) que sustentem a avaliação de cada um dos descritores comportamentais;
  • Continuar a utilizar, em sede de reclamação, o impedimento das quotas como justificação para manter o “Adequado”, apesar de, nessa situação, o “Relevante” não ser contabilizável, e com esse efeito restritivo impedir que seja reconhecido o “mérito real do avaliado” esvaziando “o direito deste em obter uma verdadeira reavaliação do seu desempenho nos termos e com o alcance que derivam dos artigos 8º e seguintes da Lei n.º 10/2004, de 22.03, e 3º e seguintes do Decreto Regulamentar 19-A/2004, de 14 de maio.” (Acórdão n.º 00784/10.8BECBR do TAF de Coimbra, de 31-01-2020).

Não é de admirar que os trabalhadores, na generalidade, se sintam bastante desmotivados (humilhados e até frustrados). Insatisfação a que apenas escapam os poucos beneficiados que “caíram nas graças dos respetivos dirigentes” (os tais que obtêm sempre boas classificações mesmo quando o seu desempenho é medíocre).

Mas se, individualmente, como avaliados, não podemos mudar o sistema (legislação e mentalidades), podemos (devemos) estar atentos e defender os nossos direitos de forma veemente. Para ajudar nessa tarefa, deixo alguns conselhos.

Aquando da contratualização de competências para o próximo biénio (2023-2024), estejam atentos a um aspeto importante que não deve ser descurado: “cada comportamento deve esgotar-se na competência a que corresponde e não deve estar associado a mais do que uma competência para evitar ambiguidades”, como nos diz a psicóloga Margarida Segurado.

Para entenderem melhor a situação, vejamos um conjunto de cinco competências (da carreira de técnico superior) que, habitualmente, aparecem conjugadas:


Quando comparamos estas cinco competências, verificamos que “não são mutuamente exclusivas” porque há três que incluem comportamentos semelhantes entre si (Entrevista de avaliação de competências – Metodologia CIG, 2017, pp. 55 e 57), o que denota, no mínimo, que houve falta de cuidado na respetiva atribuição.

Ou seja, qualquer apreciação destas três competências, e a respetiva classificação final como “mediana” ou “em grau elevado”, não pode ficar prejudicada pelo facto de haver sobreposição de descritores, isto é:

  • Se o avaliador considera que o trabalhador é ativo e dinâmico em grau elevado (com base em evidências concretas e não em meros juízos de valor) quando analisa a competência “INICIATIVA E AUTONOMIA”, não pode depois achar que ele é apenas mediano no que se refere ao “papel ativo e cooperante” quando aprecia o “TRABALHO DE EQUIPA E COOPERAÇÃO”;
  • Se o trabalhador no desempenho das suas funções demonstra, em grau elevado, que “propõe soluções” e “pondera alternativas” quando se aprecia a competência “ANÁLISE DA INFORMAÇÃO E SENTIDO CRÍTICO”, é inadmissível que os mesmos descritores venham a ser classificados somente como medianos aquando da avaliação da “INICIATIVA E AUTONOMIA”;
  • Se a proatividade e o dinamismo, assim como a apresentação de propostas e a ponderação e alternativas, já foram avaliados nas competências “TRABALHO DE EQUIPA E COOPERAÇÃO” e “ANÁLISE DA INFORMAÇÃO E SENTIDO CRÍTICO”, respetivamente, não pode o avaliador reduzir apenas a dois os comportamentos a demonstrar quando for apreciar a “INICIATIVA E AUTONOMIA” alegando que os outros dois já foram avaliados.

Por isso, estejam atentos a este tipo de ambiguidades na avaliação de competências, porque quando as mesmas são valoradas tendo por única fundamentação “juízos de valor”, alegadamente “não sindicáveis”, só dessa forma (esclarecida e interventiva) se consegue contrariar o poder discricionário desmesurado do avaliador que o desresponsabiliza pelas injustiças cometidas (mesmo quando evidentes). Por outro lado, calar é auto consentir na limitação dos próprios direitos de defesa e pactuar com uma situação que se pode mesmo classificar como inconstitucional por violação, entre outros, do princípio da igualdade de oportunidades (a ter uma avaliação justa).

Outro erro evidente, e já aqui referido, é permitir que as competências sejam apreciadas somente pela sua descrição genérica com base na intuição individual do avaliador numa interpretação casuística, pessoal e arbitrária, das ações e atitudes pessoais a ter em consideração. Apesar do perigo de essas avaliações serem injustas por, entre outros motivos, poderem variar em função do momento, do estado de espírito ou de simpatias pessoais, relegando o mérito e profissionalismo do trabalhador para um plano secundário, a maioria dos avaliadores raramente justifica a avaliação de competências por descritor comportamental, como deve ser.

Sugerimos, então, que apresente ao seu avaliador uma proposta de grelha de classificação de competências solicitando que a mesma seja fundamentada com factos recolhidos da monitorização que, nos termos da lei, deve ser regularmente efetuada. Deixo o exemplo para uma competência, mas que pode ser replicado para todas as outras.

E para obstar ao facto de o avaliador poder vir a “esquecer-se” de fazer o acompanhamento e monitorização do seu avaliado, nunca se esqueçam vocês de a fazer, coligindo o maior número possível de evidências do sobre o vosso desempenho. Será bastante útil, caso decidam reclamar da nota que vos for atribuída.


 

E se considerarem que a classificação que vos foi atribuída não é justa, nunca se acomodem. Sobretudo, se tiveram um desempenho “relevante” (com provas dadas) não se resignem à inclusão no rol dos “adequados” apenas porque, alegadamente, não couberam na quota dos 25%.

 RECLAMEM! É um direito que vos assiste.


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