Começo por enunciar, ipsis verbis, aqueles que são os deveres
do trabalhador com contrato de trabalho em funções públicas (artigo 73.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho):
«1
- O trabalhador está sujeito aos deveres previstos na presente lei, noutros
diplomas legais e regulamentos e no instrumento de regulamentação coletiva de
trabalho que lhe seja aplicável.
2
- São deveres gerais dos trabalhadores:
a)
O dever de prossecução do interesse público;
b)
O dever de isenção;
c)
O dever de imparcialidade;
d)
O dever de informação;
e)
O dever de zelo;
f)
O dever de obediência;
g)
O dever de lealdade;
h)
O dever de correção;
i)
O dever de assiduidade;
j)
O dever de pontualidade.
3
- O dever de prossecução do interesse público consiste na sua defesa, no
respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos.
4
- O dever de isenção consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas,
pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce.
5 - O dever de imparcialidade consiste em
desempenhar as funções com equidistância relativamente aos interesses com que
seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na
perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos.
6
- O dever de informação consiste em prestar ao cidadão, nos termos legais, a
informação que seja solicitada, com ressalva daquela que, naqueles termos, não
deva ser divulgada.
7 - O dever de zelo consiste em conhecer e
aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos
superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos
que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido
consideradas adequadas.
8 - O dever de obediência consiste em acatar e
cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de
serviço e com a forma legal.
9 - O dever de lealdade consiste em desempenhar
as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço.
10 - O dever de correção consiste em tratar com
respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e
superiores hierárquicos.
11
- Os deveres de assiduidade e de pontualidade consistem em comparecer ao
serviço regular e continuamente e nas horas que estejam designadas.
12
- O trabalhador tem o dever de frequentar ações de formação e aperfeiçoamento
profissional na atividade em que exerce funções, das quais apenas pode ser
dispensado por motivo atendível.
13
- Na situação de requalificação, o trabalhador deve observar os deveres
especiais inerentes a essa situação.»
De seguida, apresento-vos, em
transcrição integral, os deveres dos eleitos locais, conforme assim o determina
o artigo 4.º do respetivo estatuto (Lei n.º 29/87, de 30 de junho):
«No exercício das suas funções, os eleitos
locais estão vinculados ao cumprimento dos seguintes princípios:
a) Em matéria de legalidade e direitos dos
cidadãos:
i) Observar escrupulosamente as normas legais e
regulamentares aplicáveis aos atos por si praticados ou pelos órgãos a que
pertencem;
ii) Cumprir e fazer cumprir as normas
constitucionais e legais relativas à defesa dos interesses e direitos dos
cidadãos no âmbito das suas competências;
iii) Atuar com justiça e
imparcialidade;
b) Em matéria de prossecução do interesse
público:
i) Salvaguardar e defender os interesses
públicos do Estado e da respetiva autarquia;
ii) Respeitar o fim público dos poderes em que
se encontram investidos;
iii) Não patrocinar interesses particulares,
próprios ou de terceiros, de qualquer natureza, quer no exercício das suas
funções, quer invocando a qualidade de membro de órgão autárquico;
iv) Não intervir em processo
administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado nem participar na
apresentação, discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou
intervenção, por si ou como
representante ou gestor de negócios de outra pessoa, ou em que tenha interesse
ou intervenção em idênticas qualidades o seu cônjuge, parente ou afim em linha
reta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem
viva em economia comum;
v) Não celebrar com a autarquia qualquer contrato,
salvo de adesão;
vi) Não
usar, para fins de interesse próprio ou de terceiros, informações a que tenha
acesso no exercício das suas funções;
c) Em matéria de funcionamento dos órgãos de
que sejam titulares:
i) Participar nas reuniões ordinárias e extraordinárias
dos órgãos autárquicos;
ii) Participar em todos os organismos onde
estão em representação do município ou da freguesia.»
E como a intenção deste
artigo é continuar a aprofundar a questão da ética no exercício simultâneo de
funções como trabalhador do município e eleito nos órgãos autárquicos do mesmo
concelho, não posso deixar de partilhar um excerto de um trabalho de Alexsandro
M. Medeiros intitulado Ética e Política:
«Embora nem sempre haja convergência entre as
práticas políticas e os princípios morais, é fato hoje que a sociedade em geral
está cansada de tantas notícias envolvendo escândalos de corrupção e posturas
não condizentes com nossos representantes políticos (tanto na esfera do poder
executivo quanto do legislativo) e clama por uma sociedade mais justa, no mesmo
sentido em que desde a antiguidade Platão e Aristóteles já destacavam o
importante papel que a justiça deve desempenhar para a vida em sociedade. Em um
de seus pronunciamentos como candidato à presidência da República, Rui Barbosa
afirmou: “Toda a política se há de inspirar na moral. Toda a política há de
emanar da Moral. Toda a política deve ter a Moral por norte, bússola e rota”
(apud NOGUEIRA, 1993, p. 350). Além disso, “a intensa crise política no país
impõe que faça algumas reflexões sobre o problema da ética na política”
(CHERCHI, 2009, p. 15).
Para alguns há uma incompatibilidade inelutável
entre ética e política e ambas devem ser consideradas em domínios opostos. Para
outros “[...] há uma forte expectativa, particularmente nos regimes
democráticos, de que os governantes se conduzam de acordo com critérios de
probidade e justiça na administração dos negócios públicos” (DINIZ, 1999, p.
57). De qualquer forma é preciso considerar que o âmbito da esfera política não
pode ser reduzido ao universo da ética e da moral, pois como afirma Frota: “Os
valores políticos transcendem os valores éticos e o universo da política não
pode ser confundido com o da ética” (2012, p. 14).
Tanto a ética quanto a política são temas de
uma longa tradição do pensamento filosófico e continuam a permear nossa
realidade contemporânea por uma razão muito simples: não há como pensar a vida
em sociedade sem valores morais e sem organização política. A questão é: as
duas questões estão relacionadas ou devem ser tratadas de forma independente?
Como vimos, ao longo da história, nem sempre os filósofos tiveram a mesma
opinião sobre o assunto e ainda hoje esse tema é motivo de conflitos de ideias.
Afinal, ética e política podem convergir entre si? “Podem ser ambos referidos a
um mesmo termo de comparação, ou pertencem a universos incomensuráveis porque
muito distantes? Pode-se responder de um e outro modo e articular a resposta de
muitos modos diferentes” (BOVERO, 1992, p. 143). Para Cherchi, “a ética na
política, diz respeito à conduta de cidadãos investidos em funções públicas,
que como agentes públicos são responsáveis por manter uma conduta ética
compatível com o exercício do cargo público para os quais foram eleitos” (2009,
p. 15).»
Ana Margarida Lourenço, chefe de gabinete da
presidente da Câmara Municipal de Almada (PS) e membro da bancada do PS na
Assembleia Municipal de Almada;
Amélia Pardal, técnica superior da Câmara
Municipal de Almada, mas a exercer funções em regime de substituição na Câmara
Municipal de Loures, e vereadora da CDU no mesmo concelho;
João Geraldes, técnico superior da Câmara
Municipal de Almada e membro da Assembleia Municipal de Almada em representação
da CDU.
Mas como tenho vindo a ser reiteradamente
acusada de estar a perpetrar um ataque pessoal e político sempre que cito o
nome dos autarcas da CDU acima identificados (e apenas desses) no âmbito da
reflexão a que se refere o presente artigo (ética no exercício simultâneo de
funções autárquicas a nível profissional e eletivo é bom lembrar), antes de
continuar considero da maior importância informar todos os interessados, em
particular os visados e seus familiares e/ou amigos, de que em vez das
conversas ofensivas sobre o caráter de quem escreve, assumam uma atitude
corajosa e digna, reúnam provas (documentais e testemunhais credíveis e
passíveis de serem tidas como tal pelo Tribunal) e avancem com uma queixa formal
ao Ministério Público pelo crime de perseguição (de que alegadamente se dizem
alvo) previsto e punido no Código Penal (artigo 154.º-A da Lei n.º 83/2015, de 5 de
agosto)
e deixem a justiça pronunciar-se (mas ponderem bem a decisão já que o “feitiço
poder-se-á virar contra o feiticeiro” porque tendo presente as calúnias,
injúrias e difamação que profusa e expressamente têm proferido na web como
reação pavloviana aos textos por mim subscritos, ainda correm o risco de também
vir a ser constituídos arguidos – aconselho uma leitura do artigo
180.º do CP):
«1 - Quem, de modo reiterado,
perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente,
de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua
liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de
multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2 - A tentativa é punível.
3 - Nos casos previstos no n.º 1, podem ser
aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima
pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas
específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.
4 - A pena acessória de proibição de contacto
com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho
desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à
distância.
5 - O procedimento criminal depende de queixa.»
Do trio atrás identificado,
iremos falar apenas de dois: Ana Margarida e João Geraldes.
Fica excluída da nossa
análise Amélia Pardal que, na nossa opinião, teve uma atitude digna: «… não fiquei como técnica na câmara de Almada
porque não seria para mim eticamente compatível ser vereadora, mesmo que sem
pelouros, e técnica na mesma câmara... E assim decidi que iria ser técnica para
outro lugar. Entre algumas hipóteses surgiu a que agora abracei em Loures...»
Lembram-se da definição:
Dos deveres de
“imparcialidade”, “zelo”, “obediência” e “correção”, a que devem obedecer os
funcionários públicos?
Dos deveres de “atuar com
justiça e imparcialidade”, de “não intervir em processo administrativo, ato ou
contrato de direito público ou privado nem participar na apresentação,
discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou intervenção” e “não
usar, para fins de interesse próprio ou de terceiros, informações a que tenha
acesso no exercício das suas funções” a que estão sujeitos os eleitos locais?
Agora sejam sinceros e pensem:
É possível garantir, sem
margem para quaisquer dúvidas, que um funcionário da autarquia que é, em
simultâneo, deputado municipal, consegue em todas as circunstâncias, cumprir na
íntegra os seus deveres profissionais? Que, no seu local de trabalho, em nenhuma
circunstância deixará de ser isento? Que jamais usará para benefício do seu
partido informações a que acede por ser trabalhador da autarquia? Que nunca agirá
de forma menos diligente como funcionário só para prejudicar a entidade e poder
ganhar créditos políticos? Que nunca trocará o respeito hierárquico pela lealdade
partidária? Que, por outro lado, como político conseguirá ser suficientemente
imparcial para julgar com justiça a atividade do seu empregador público?
Se por um lado há quem considere
estas questões de somenos importância, há também aqueles cujo conceito de integridade (ética) não admite que se coloquem em situações que, pela natureza dos compromissos a assumir,
possam deixar a mais pequena dúvida sobre o seu caráter moral ou a sua idoneidade
profissional e política.
Continua
(porque ainda há muito para dizer sobre esta temática)