Ou como mais de três décadas no poder autárquico provoca sérios problemas de amnésia e leva ao esquecimento dos princípios democráticos, provocando o constante atropelo dos mais elementares direitos dos trabalhadores.
A APOSTA NA PRECARIEDADE
Quase na véspera do aniversário dos 36 anos do 25 de Abril e a pouco menos de uma semana do Dia do Trabalhador, julgo ser oportuno trazer à conversa as más práticas de gestão de recursos humanos numa suposta autarquia de esquerda: a Câmara Municipal de Almada.
Comecemos, então, por um facto muito concreto. Em 31-12-2008, segundo dados do Balanço Social, a CMA tinha ao seu serviço 63 contratados a termo resolutivo certo. E em 31-12-2009, esse número subiu para 167 (mais do dobro), conforme consta do Relatório de Actividades de 2009. E, no final do primeiro trimestre de 2010, são já 171 os trabalhadores com vínculo precário, como se pode ler na Informação da Presidente à próxima reunião ordinária da Assembleia Municipal.
Sabemos que há actividades que estão sujeitas a grande mobilidade do pessoal, isso não contestamos, além de haver tarefas sazonais que obrigam, necessariamente, à contratação por tempo determinado, contudo, isso não justifica que, no curto prazo de um ano, a taxa de precariedade tenha tido um aumento de 165%, sobretudo quando grande parte deste pessoal até ocupa postos de trabalho permanentes, em claro desrespeito pelas regras legais sobre a matéria.
Mas temos a considerar, ainda, os números da contratação indirecta, cujo alcance se desconhece. Trata-se dos trabalhadores precários das empresas a quem a autarquia adjudica, nomeadamente, a limpeza urbana, e que contribuem para alargar este universo de forma exponencial. Segundo testemunho de vários desses trabalhadores, além da precariedade, os baixos salários e a falta de formação profissional são uma constante. E com tudo isto a CMA é conivente pois prefere fingir que não sabe.
Dirão que, a esse nível, a CMA não pode intervir. Dizemos nós, todavia, que estão enganados. Bastaria que, a quando da definição das cláusulas do concurso se colocasse uma condição que impedisse essas empresas de se candidatar. Mas a CDU chumbou a proposta que o BE apresentou na Assembleia Municipal no mandato anterior, preferindo continuar a fomentar a precariedade.
A OPÇÃO PELA DUALIDADE DE CRITÉRIOS
A coberto daquela que, pomposamente, designam por “política global de gestão de recursos humanos” (cujos princípios nunca foram, no entanto, apresentados de forma clara, objectiva e transparente, quiçá para poder ser adaptada consoante os casos como adiante demonstraremos), a Câmara Municipal de Almada tem vindo, no entanto, a cometer verdadeiros atentados aos direitos dos seus trabalhadores, em contradição com aquela que é, e sempre foi, a bandeira da luta sindical do seu partido (o PCP).
Dizem-se muito preocupados com a justiça e a igualdade de oportunidades no acesso aos lugares de técnico superior e, por isso, se recusam a deferir os requerimentos de mobilidade interna inter-carreiras. Todavia, se os pedidos forem entre as categorias de assistente (de operacional para técnico, por exemplo), essas já não são preocupações que os afectem e despacham-nos favoravelmente.
Nada na lei obriga, de facto, a autarquia a satisfazer este tipo de pretensão dos seus trabalhadores, estamos na esfera do poder discricionário da Administração é certo, mas convenhamos que esta dualidade de critérios é, no mínimo, estranha. Mais ainda tendo nós sabido que nos Serviços Municipalizados aquela regra já não se aplica, embora o Presidente do Conselho de Administração até seja o vereador dos Recursos Humanos da CMA.
Diz aquele responsável que não é razoável “integrar na carreira técnica superior apenas um ou dois trabalhadores licenciados numa determinada área e não a totalidade” de todos os que estão nas mesmas condições, porque a “escolha seria ingrata” e “os demais sentir-se-iam injustiçados”, aconselhando os interessados a “acompanhar os procedimentos concursais em curso”.
Esclareçamos, pois, as coisas devidamente. Não se trata de promover ninguém de forma indevida (como quase se dá a entender) e nem tão pouco está em causa a integração de todos os licenciados da autarquia, já que nem todos possuirão a habilitação adequada aos lugares de que a CMA necessita – se a licenciatura é, suponhamos, em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Alemão, e o município não precisa de tradutores, obviamente que não fará sentido aceitar o pedido de mobilidade.
Mas estamos a falar de postos de trabalho considerados deficitários, em comunicação social (por exemplo), para os quais existem funcionários da autarquia em número suficiente para os preencher sem recorrer ao exterior, pelo que a atitude da CMA configura um claro e evidente desrespeito pelo princípio constitucionalmente consagrado do direito à igualdade de oportunidades, apesar de insistirem em afirmar o contrário. Direito este que se encontra, também, previsto no Código do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, em especial na parte do igual tratamento no que se refere à promoção profissional.
Fica, assim, demonstrada a dualidade de critérios utilizada pela autarquia no tocante à matéria do reconhecimento da valorização profissional adquirida pelos seus trabalhadores: a uns permite a mobilidade inter-carreiras e a outros tem vindo a negá-la, de forma sistemática e sem fundamentação consistente gerando, dessa forma e não como consequência do deferimento daqueles pedidos de mobilidade, insatisfação e instabilidade entre o pessoal.
E para quem fala de ingratidão e injustiça, o que pensar da vergonhosa situação de exploração que acaba por ser o facto de, em contrapartida, já não se coibirem de exigir a alguns desses trabalhadores o exercício de funções equivalentes às do seu nível académico (técnico superior), desde há anos consecutivos e de forma continuada, e não se importem nem tenham quaisquer problemas de consciência por lhes continuarem a pagar, apenas, a remuneração mensal (muito inferior) da categoria que detêm.
É caso para perguntar: mas que raio de esquerda é esta, afinal? E depois admiram-se que, em Almada, comece a verificar-se uma tendência preocupante: a existência de cada vez maior número de jovens a preferir militar nos partidos de direita... com exemplos destes, pudera!