A perfídia de quem diz defender os direitos dos trabalhadores mas age
de forma parcial na aplicação da lei. Ou, melhor dizendo: uns são “filhos do
pai” (os dirigentes do Município de Lisboa) e, por isso merecem tudo (incluindo
continuar a receber despesas de representação mesmo que não se cumpram os requisitos
legais para a sua liquidação) … e outros há que são filhos da “outra senhora” (como
a dirigente dos ex-Serviços de Cultura da Assembleia Distrital de Lisboa) e ficar
12 meses sem receber salário por mero capricho político de um certo autarca é
um ato que “não causa lesão grave”.
Ainda a propósito do pagamento
das despesas de representação no Município de Lisboa – um tema que parece
inesgotável tantas são as perspetivas de análise – e à parcialidade com que os
responsáveis políticos da autarquia têm agido nesta matéria (um exemplo da má atuação
da Administração Pública),
Comecemos por caraterizar tal
abono servindo-nos da transcrição de parte do Parecer
n.º 243/2012, de 12 de outubro, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento
Regional do Centro:
«é doutrina da Procuradoria-Geral da República (Parecer n.º 80/2003,
publicado no D.R., II Série, de 27-03-2004, entre outros), que “o abono de
despesas de representação tem como missão compensar o acréscimo de despesas
exigidas no desempenho de determinados cargos ou funções de relevo, atenta a necessidade
de garantir a sua dignidade e prestígio, devendo ser abonadas a todas as
pessoas que suportem as mesmas particularidades específicas na prestação do
trabalho, independentemente dos cargos de origem ou dos exercidos a título
principal” ou, ainda, “que se trata de um vencimento acessório destinado a
compensar os encargos sociais extraordinários que resultem normal e
correntemente do exercício do cargo – desde os actos de cortesia individual,
passando pelas exigências de vestuário, os gastos, enfim, que a pessoa
investida no cargo tem necessariamente de fazer por causa do seu desempenho – e
que se não fosse isso poderia dispensar-se de efectuar, tendo por isso o
carácter de um abono indemnizatório que, como tal, deve reverter a favor de
quem, estando legalmente investido no desempenho do cargo, ficou sujeito às
despesas determinadas pelo exercício da função para ocorrer às quais a lei o
atribui.”»
Continuando com a transcrição do
aludido parecer:
«Ocorre, porém, que, com a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 49/2012, de 29 de Agosto,
diploma que, não descaracterizando as despesas de representação, procedeu à
adaptação da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, na sua redacção actual, à
administração local (artigo 1.º) e revogou expressamente o Decreto-lei n.º
93/2004, na redacção do Decreto-lei n.º 104/2006 (cfr., artigo 27.º), se
extirpou da ordem jurídica a norma habilitante do pagamento das despesas de
representação, com efeitos reportados à data da sua entrada em vigor, a saber,
o dia seguinte ao da sua publicação (artigo 28.º), nos termos anteriormente
descritos, substituindo-a pelo artigo 24.º, de cujo conteúdo resulta a possibilidade de só poderem ser
atribuídas despesas de representação “aos titulares de cargos de direção superior
de 1.º grau e de direção intermédia de 1.º e 2.º graus”, exigindo a intervenção da “assembleia municipal, sob proposta da câmara
municipal”, devendo salientar-se que, com
a entrada em vigor do diploma, tal suplemento remuneratório deixou de poder ser
atribuído por remissão para uma norma aplicável à administração central, antes
passando a ter por suporte uma norma aplicável directamente à administração
local.» (destaque nosso)
Como já aqui demonstrámos a
CCDR-C não foi a única entidade (muito pelo contrário) a ter aquele
entendimento da Lei n.º 49/2012. A CCDR de Lisboa e Vale do Tejo também perfilhou
a mesma opinião (que expressou no seu Parecer
n.º 75/2012) assim como foi essa a conclusão da reunião de Coordenação Jurídica
realizada na Direção-Geral das Autarquias Locais em 3 de outubro de 2012 (como
se pode ler no parecer da CCDR-C).
Todavia a Câmara Municipal de
Lisboa, quiçá por conveniências político partidárias e/ou negligência
conveniente dos responsáveis pela gestão municipal (atentos à débil e confusa fundamentação
jurídica apresentada, seja na Proposta n.º 679/CM/2015
do vereador João Paulo Saraiva, ou nas declarações
à imprensa) resolveu entender que só agora deveria cumprir a lei (ainda
assim com várias falhas como nos questionámos no artigo do passado dia
10 de fevereiro) apesar do diploma já ter entrado em vigor há mais de três
anos.
É interessante notar que aqueles
que agora consideram ser importante “salvaguardar o abono de despesas de
representação aos titulares dos cargos dirigentes da CML” (e por isso, depois
da publicação da Lei n.º 49/2012 foram autorizando o seu pagamento à revelia do
cumprimento dos procedimentos legais para o efeito) e que nem querem ouvir
falar da possibilidade de haver devolução das verbas indevidamente recebidas,
são os mesmos (referimo-nos ao Município) que defenderam em Tribunal que a então
Diretora dos Serviços de Cultura da Assembleia Distrital de Lisboa podia
estar privada da totalidade do seu vencimento mensal por tempo indeterminado,
mais especificamente até que o Estado resolvesse assumir aquilo que, por mero
capricho político pessoal (assumido à margem da lei e á revelia dos órgãos
autárquicos do município), o então senhor Presidente da autarquia e agora Primeiro-ministro
de Portugal, Dr. António Costa) se recusava a pagar.
Excertos do relatório Assembleia Distrital versus Câmara Municipal
de Lisboa: Factos & Contradições (de 05-12-2014):
«João Aguiar, advogado do Município de Lisboa: “Sem prejuízo do direito
ao seu recebimento, e talvez devido ao valor mensal da sua remuneração, a
Senhora Diretora não manifesta uma lesão grave, tanto mais que foi opção sua o
não recebimento atempado, pois sabe que o seu crédito laboral não está em
risco, nem nunca estará; Pois,
Não há nenhum fundado receio da constituição de uma situação de facto
consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses
da Requerente [Assembleia Distrital de Lisboa] e designadamente da Diretora dos
Serviços de Cultura.
Não há, assim, qualquer risco de difícil reparação [referindo-se aos 7
meses de salários em atraso da Diretora dos Serviços], pois que o Estado irá
garantir, no processo de extinção da Requerente que, todas as situações
jurídicas e nomeadamente as laborais fiquem devidamente asseguradas.”»
Convém fazer aqui um parênteses para
lembrar que,
1.º) O pior que poderia acontecer
aos dirigentes do Município de Lisboa era durante alguns meses continuarem a
receber o seu ordenado mensal mas sem o acréscimo das despesas de representação,
até que a Assembleia Municipal deliberasse manter esse suplemento remuneratório
o qual, nos termos da lei, poderia ser aprovado retroativamente, o que torna
ainda mais incompreensível o reiterado incumprimento da autarquia pois que os
seus trabalhadores nunca seriam prejudicados;
2.º) Mercê da posição intransigente
e antidemocrática de António Costa, e ao contrário dos dirigentes do município
de Lisboa, a ex-trabalhadora da ADL (que enquanto exerceu o cargo de diretora
dos Serviços de Cultura, de 2004 a 2014, nunca auferiu quaisquer verbas a
título de despesas de representação mas tão só e apenas a retribuição pelo seu
trabalho o qual, aliás, foi merecedor de vários votos de louvor concedidos pelo
órgão deliberativo distrital) esteve 12 meses com salários em atraso, ou seja, 12
meses sem receber um único euro por mês muito embora tenha continuado a
desempenhar com igual empenho as atribuições que lhe cabiam.
É esta a Administração Pública que queremos, que parece agir de forma parcial,
que interpreta a lei conforme as conveniências de quem está no poder e onde a
ética profissional se esconde por detrás de um manto diáfano de interesses
políticos e/ou pessoais que promovem a desigualdade e a injustiça contrariando
os mais elementares princípios democráticos?
No atrás citado relatório Assembleia Distrital versus Câmara Municipal
de Lisboa: Factos & Contradições é referido a este propósito que,
«Em 08-10-2014: A Inspeção-geral
de Finanças envia à ADL o seu parecer N.º 2014/1281 sobre os salários em atraso
onde se concluiu que os municípios que deixaram de proceder às contribuições
nos termos definidos no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro,
“mostram-se em incumprimento de uma obrigação legal.”
E acrescentam que, “não obstante
o Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, ter sido revogado pela Lei n.º
36/2014, de 26 de junho, que aprovou o novo regime jurídico das Assembleias
Distritais e que regula a transição dos respetivos trabalhadores, serviços e
património, salvaguardou, em disposição transitória (artigo 9.º), o direito das
Assembleias Distritais às contribuições dos municípios em dívida”.
Todavia mandam arquivar o
processo porque “no âmbito das suas atribuições relativas às autarquias locais
(n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 96/2002, de 23 de abril), não cabe à IGF fazer
cumprir as leis e regulamentos a que os órgãos e serviços daquelas entidades
estão sujeitos, competindo aos tribunais essa função, a quem incumbe reprimir a
violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesse públicos e privados
(artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa).”»
Apesar desta resposta da IGF me deixar
apreensiva sobre aquela que será, efetivamente, a sua capacidade de intervenção
no caso em apreço, fazendo-me mesmo duvidar se valerá a pena solicitar a sua intervenção,
ainda assim, considerando
aquela que é a sua missão, e aquele que é o meu dever como cidadã em
obediência aos princípios em que acredito (nomeadamente o Estado de direito e a
Justiça), pela dignificação do exercício de funções públicas, é óbvio que, em
coerência com aquela que tem sido a minha postura na luta pela transparência na
gestão autárquica, não me restou outra opção: apresentar denúncia contra a
Câmara Municipal de Lisboa.
E porque assumo sempre as minhas
responsabilidades com frontalidade, a denúncia é pública pois não recorri ao
anonimato.