Em 30-11-2011, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada deu
razão ao Ministério Público na ação que este interpôs contra o Município de
Almada visando a anulação dos despachos de 18-04-2006 da então presidente da
autarquia, Maria Emília Neto de Sousa, através dos quais nomeava os Chefes de
Divisão Municipal das unidades 1, 2, 3 e 4 de Gestão e Administração Urbana.
A propósito é bom lembrar que este processo (N.º 491/07.9BEALM),
entre outros também da iniciativa do Ministério Público e por motivos idênticos
(ilegalidades cometidas em diversos concursos de pessoal dirigente), aparece na
sequência da auditoria realizada pela Inspeção-geral da Administração Local
realizada em 2006 e da qual já aqui falámos (nomeadamente, em 2008,
2009,
2011 e 2018),
por isso nos dispensamos de sobre a mesma voltar a escrever.
A CMA recorreu daquela decisão, mas o Tribunal Central
Administrativo Sul, por Acórdão de 24-04-2014, rejeitou o recurso jurisdicional
e não reconheceu o seu objeto. A autarquia recorreu, então, para o Supremo
Tribunal Administrativo e voltou a perder, conforme assim o confirma o Acórdão
de 21-10-2014, pelo que a sentença da
1.ª instância que declarou nulos os despachos de nomeação dos dirigentes em
causa transitou em julgado em 26-11-2014.
E quais foram os fundamentos que levaram à declaração de nulidade?
Afirma o MP, e Tribunal concordou, que foram vários vícios: violação
de lei, incompetência absoluta e “ainda vício de forma, por preterição de
formalidade procedimental”.
E porquê? «por inobservância do disposto no artigo 21.º n.º 3 do
Estatuto do Pessoal Dirigente, aprovado pela Lei n.º 2/2004, de 15.1, na
redacção dada pela Lei n.º 51/2005, de 30.8, pelo facto da designação de todos
os vogais do júri ter sido feita pelo Presidente da Câmara Municipal de Almada,
quando um deles deveria ter sido designado por estabelecimento de ensino de
nível superior ou por associação pública representativa de profissão
correspondente.» (…)
«Da conjugação das normas transcritas resulta, pois, que o
exercício do cargo de vereador não habilita, por si, o seu titular a integrar
um júri nos termos do artigo 21.º / 3 do estatuto do pessoal dirigente.» (…)
«Pelo exposto, o facto de o júri ter sido integrado por José
Manuel Raposo Gonçalves, Vereador dos Serviços Municipais de Urbanismo,
Mobilidade e Fiscalização Municipal e por Carlos Manuel Coelho Revés, Vereador
dos Serviços Municipais de Recursos Humanos, Organização, Informática e
Serviços Urbanos, tornou ilegal a sua constituição.»
Sendo que «a ilegalidade na composição do júri inquina todas as
operações do concurso bem como o acto final de nomeação.»
E
o que fez a CMA, já no mandato de Joaquim Judas? Simplesmente agiu como se nada se passasse! Ou seja, desrespeitou uma ordem judicial.
Voltemos à leitura da notificação
de execução de sentença de 04-06-2015 (a que tivemos acesso) e onde se
encontram exaradas as explicações indispensáveis:
«Nos termos do artigo 173.º n.º 1 do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos estabelece-se:
(…) a
anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de
reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido
praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com
fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de
facto existente no momento em que deveria ter actuado.
Dispõe o art.º 174.º, n.º 1 do mesmo Código, que o cumprimento do
“dever de executar” (…) é da responsabilidade do órgão que tenha praticado o
acto anulado.
Dever este que deve ser integralmente cumprido no prazo de três
meses após o trânsito em julgado da respetiva decisão, tal como dispõe o art.º
17.º, n.º 1 Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Decorridos mais de cinco meses sobre o trânsito em julgado da
decisão que declarou a nulidade dos referidos actos administrativos, o
Município de Almada não terá cumprido a decisão judicial proferida no processo
AAE n.º 491/07.9BEALM.
Impendia sobre o Município o dever legal de, nos limites do prazo
legalmente fixado – 3 meses – diligenciar, de forma expedita, pela execução da
sentença judicial.
O que não fez, pelo que o Município de Almada não executou a
decisão judicial no prazo legalmente previsto.
Sendo certo que também não apresentou quaisquer causas legítimas
de inexecução.»
A gravidade da situação é tal que voltamos a interromper a
transcrição para chamar a atenção para a ocorrência relatada:
A
CMA, então liderada pela CDU, uma força política que tem como lema “trabalho,
honestidade e competência”, que gosta de afirmar que os seus autarcas são os
mais cumpridores, neste caso DESRESPEITA A LEI E OS TRIBUNAIS de forma
ostensiva.
Um
comportamento que denota um “tique ditatorial” preocupante e que nem sequer
tentam disfarçar!
UMA
VERGONHA!
Voltando à nossa transcrição dos excertos mais importantes:
«Perante o exposto, requer-se que o Município de Almada, através
da Câmara Municipal, seja condenado à prática dos actos supra referidos, ou
seja:
·
Dar sem
efeito os despachos de nomeação de 18-04-2006 e subsequentemente todos os actos
relativos a tal procedimento concursal, dando-se sem efeito as nomeações de Ana
Maria Caiado Lousa, Maria Margarida Lopes da Costa Gonçalves Afonso, Carlos
Manuel da Silva Pinto e Anabela dos Santos Fernandes de Vasconcelos;
·
A elaboração
de novo concurso em total respeito pela legislação vigente, designadamente a
norma do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 49/2012, não podendo os membros do júri
ser também membros da câmara municipal (presidente e vereadores);
·
A reposição
de novas nomeações em conformidade com o legalmente exigido e em total respeito
pelo estabelecido na Lei n.º 2/2004, de 15.1 e no Decreto-Lei n.º 49/2002, de
29.8.
Atendendo ao lapso de tempo já decorrido, consideramos ser
suficiente, para execução das referidas acções, a fixação de um prazo não
superior a 4 meses, o que se requer, nos termos do artigo 176.º, n.º 4 do
Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos.
Caso o Município não dê execução às referidas acções no prazo
supra sugerido, requer-se, desde já, a imposição de uma sanção pecuniária
compulsória, nos termos previstos no artigo 169.º, ex vi artigo 176.º, n.º 4,
ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por cada dia de
incumprimento, após o prazo de 4 meses, considerado razoável para executar.» (sublinhado nosso)
Perguntarão: e o que fez a CMA? Executou a sentença? NÃO!
Insistiu no incumprimento e resolveu interpor um recurso de
apelação para a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central
Administrativo Sul cuja decisão final veio a ser proferida por Acórdão de
14-06-2018 dando, mais uma vez, razão ao Ministério Público e condenando a
autarquia.
E o que é que alegou a CMA? Que, entretanto, entrara em vigor o
novo regime da organização dos serviços por imposição do Decreto-Lei n.º
305/2009.
Mas a explicação da CMA não foi aceite pelo tribunal como podemos
verificar:
«E o município executado foi mantendo, sob outro título jurídico e
provisório, os ilegalmente nomeados para os cits. cargos dirigentes.
Na sequência do novo regulamento administrativo cit. a executada
promoveu procedimentos concursais, agora com novas regras (designadamente, o não provimento, mas sim a nomeação em comissão de
serviço, de acordo com a recente legislação), acabando por nomear para tais
cargos as pessoas antes nomeadas ilegalmente como fixado pela sentença
“anulatória” exequenda.
Agora, contra a p.i. do exequente, alega o executado que o acabado
de descrever foi cumprir a sentença anulatória e que se tem de atender à
realidade existente aquando do início deste processo de execução: foi eliminada
da ordem jurídica a figura do provimento em cargos de chefia e há uma
reorganização dos serviços do município. Pelo que a sentença fora cumprida e
executada. Em consequência, não haveria inutilidade – superveniente – da lide (cf. Artigo 277.º / e) do CPP).
Portanto, o executado tanto diz que executou (artigo 173.º do
CPTA) a sentença declarativa cit., como implicitamente dá a entender que a nova
realidade jurídica criada seria uma espécie de causa legítima de inexecução.
Ora, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas
as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras
entidades – cf. O artigo 205.º / 2 da CRP e o artigo 158.º / 1 do CPTA. (…)
Trata-se, enfim, do dever – normalmente compósito – de a A. P.
extrair as devidas consequências jurídicas e materiais da sentença invalidante.
Começa pelo óbvio efeito constitutivo da invalidação do ato
administrativo (no âmbito de uma ação constitutiva – cf. Artigo 10.º / 1 / 2 / 3 do CPC), com eficácia ex tunc (em regra). (…)
Estes efeitos ultraconstitutivos resultam, necessariamente, da
autoridade da sentença, do caráter retroativo da invalidação, do direito
substantivo e da concreta ilegalidade demonstrada no processo declarativo (cf. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Adm. –
Lições, 15.ª ed., pp. 348 ss).
E, por isso, as únicas causas legítimas de inexecução da sentença
invalidante do ato administrativo são apenas a impossibilidade absoluta
física ou legal ou o excecional prejuízo para o bem comum ou interesse público
na execução da sentença – cf. Os artigos 163.º e 159.º do CPTA.
Pelo acabado de expor, logo se conclui que o executado incumpriu
os deveres resultantes da sentença anulatória emitida na referida ação
declarativa constitutiva, claramente impostos no artigo 173.º do CPTA / 2002.
Com efeito, o que o ora executado tinha e tem o dever legal de
fazer é, (1.º) à luz da situação legal e
factual existente em 2006, (2.º) retomar o procedimento concursal (3.º) sem a
ilegalidade detetada no processo declarativo e explanada na sentença a executar
(violação do artigo 21.º / 3 do então
vigente estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da
administração central, local e regional do Estado). E de reorganizar os
serviços, de modo ad hoc, se acaso
isso vier a ser necessário.
É o que impõem os n.º 1 e 2 do cit. artigo 173.º do CPTA e o
Estado de Direito.»
Terminada a transcrição do Acórdão de 14-06-2018 do Tribunal
Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso da CMA e confirmou,
integralmente, a sentença recorrida, não podemos deixar de tecer alguns
comentários:
Do apuramento dos factos que levaram à denúncia (2006), passando
pela instauração do procedimento judicial (2007) até ao último acórdão do TCAS
(2018) passaram cerca de 12 anos. Uma justiça demasiado lenta!
Apesar do vereador da CDU José Gonçalves ser formado em direito
(advogado de profissão), e dispondo a CMA de um gabinete de apoio jurídico, foram
cometidas desconformidades legais com fartura. Incompetência em demasia.
Nomear membros do executivo para integrar os júris dos concursos
para dirigentes, mesmo sabendo que era um ato ilícito, mostra a intenção deliberada
da CDU em politizar a seleção dos candidatos os quais eram maioritariamente
escolhidos não por mérito, mas por razões partidárias (como já por diversas
vezes aqui denunciámos dados os favorecimentos descarados de que beneficiaram
alguns deles).
Atentos à fundamentação da sentença da primeira instância, provadas
que foram as ilegalidades cometidas e que levaram à anulação dos despachos de
nomeação, não se compreende como é possível que os técnicos da autarquia,
nomeadamente dos recursos humanos e do gabinete jurídico, venham a escapar sem
qualquer penalização pelos erros cometidos. Não só se premeia a incompetência
como se desincentiva os bons profissionais já que o seu empenho vale tanto
quanto as asneiras dos infratores.
Verificado o comportamento abusivo de desrespeito pelas decisões
dos tribunais (e estes não são, infelizmente, casos únicos no município de Almada
enquanto foi gerida pela CDU), custa-nos a suportar o silêncio dos partidos
sobre esta questão, em particular do PS e do PSD que estando agora no executivo
vão ter de “desembrulhar” o problema. Mesmo sendo período de férias, esta é uma
situação que, conhecida, não pode ser calada.
Interpretações diferentes sobre a lei são possíveis. Para dirimir
essas divergências existem as instâncias judiciais. Num Estado de Direito, as
decisões dos Tribunais sobrepõem-se às de quaisquer outras autoridades e o
cumprimento das mesmas é uma obrigação, não uma opção (assim o determina o
artigo 205.º da CRP), algo que a Câmara Municipal de Almada nos mandatos anteriores
se recusava a aceitar.
A forma como a CDU reagiu ao longo deste processo (que começou com
a auditoria da IGAL em 2006), nunca admitindo os erros cometidos, entrando em
contradições na fundamentação apresentada nos sucessivos recursos que foi
apresentando apenas para empatar, agindo como se estivesse acima da lei e
menosprezando as decisões dos tribunais, é um comportamento vergonhoso e que só
desprestigia o poder local.