Mesa da Assembleia Distrital de Lisboa, reunião de 4 de junho de 2014
«Encontrado o esquema para afastar
o património da Assembleia Distrital de Lisboa do domínio das autarquias, havia
que assegurar que a sua administração continuaria nas mãos de alguém da
confiança política dos seus mentores e, por isso, o Vice-governador Civil
António do Nascimento Machado Lourenço é nomeado para exercer o cargo de
presidente da Comissão criada nos termos do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º
5/91, de 8 de janeiro, assim como da que lhe sucedeu em janeiro de 1992: a
Comissão de Assistência e Habitação Social do GCL, que transformou em
definitiva a gestão temporária da sua antecessora.
Enquanto decorria em Tribunal a
ação interposta pela Assembleia Distrital de Lisboa (e que só viria a transitar
em julgado em meados de 1998), o Vice-governador Civil de Lisboa efetua
diversas transações imobiliárias como se a tal Comissão a que presidia fosse a
legítima proprietária dos bens em causa.
Todavia, como os registos prediais
se encontravam em nome de outra entidade houve que prestar falsas declarações
dizendo que as transações haviam sido autorizadas “conforme deliberado” pela
Assembleia Distrital de Lisboa e apresentando-se o Vice-governador Civil como
mandatário para as executar, embora nunca fossem apresentadas provas de tais
factos.
Para concretizar as escrituras de
venda atrás referidas recorreu-se a notários “amigos” que dispensaram comprovar
a veracidade das afirmações proferidas “por conhecimento pessoal do primeiro outorgante”
e nem se preocuparam em verificar a legalidade da documentação sobre a
titularidade da propriedade transacionada.
Estão neste caso os notários
privativos dos municípios da Amadora e de Loures responsáveis por, entre
dezembro de 1994 e novembro de 1998, terem lavrado os “Autos de Expropriação
Amigável” que permitiram à Comissão de Assistência e Habitação Social do
Governo Civil de Lisboa arrecadar uma indemnização total de 4.382.132€ (quatro
milhões trezentos e oitenta e dois mil cento e trinta e dois euros) paga pela
Junta Autónoma de Estradas pela passagem do IC16 e do IC17 pelos terrenos que,
ainda hoje (2014) estão registados em nome da Assembleia Distrital de Lisboa.
A propósito, é bom lembrar que
enquanto decorriam os acordos tripartidos (JAE, GCL e autarquias) para a
celebração das escrituras acima referidas, os presidentes das Câmaras da
Amadora e de Loures (Orlando Almeida e Demétrio Alves, respetivamente),
condenavam na Assembleia Distrital a transferência de património da ADL para o
Governo Civil de Lisboa. No entanto, por ironia do destino, foram aquelas
autarquias que forneceram os meios para concretizar os atos que lesaram em
milhões a entidade de que eram membros.
Quando o PSD perdeu as eleições
legislativas em outubro de 1995 e Machado Lourenço foi afastado da presidência
da Comissão de Assistência e Habitação Social do Governo Civil de Lisboa em
novembro desse ano, esperava-se que o Governo liderado pelo PS, ao nomear para
Governador Civil o então presidente da Assembleia Distrital de Lisboa, Alberto
Avelino, fosse devolver a gestão do património à sua legítima proprietária. À
época, todos acreditavam que sendo a questão política, se resolveria dessa
forma e não judicialmente, como se pode deduzir pelas intervenções dos autarcas
nas reuniões da Assembleia Distrital.
Mas, acabado de receber nos
cofres do Governo Civil de Lisboa 82% do total da indemnização da Junta
Autónoma de Estradas e estando para receber em breve os restantes 18%, a visão
de tanto dinheiro na conta bancária da Comissão terá feito com que o PS acabasse
por preferir manter a mesma postura do PSD e considerar que o património da
Assembleia Distrital de Lisboa era uma ótima fonte de financiamento que não
podia ser dispensada (até porque outras indemnizações se perfilhavam no
horizonte), levando a que o novo Vice-governador Civil de Lisboa, António
Almada Guerra (nomeado, por delegação de competências, presidente da CAHS),
viesse a praticar o mesmo tipo de crimes do seu antecessor no que se refere à
alienação de património da ADL.
Nas páginas seguintes são
apresentados, por ordem cronológica (tal como no capítulo anterior) os factos
considerados mais relevantes ocorridos nas duas décadas em que o património da
Assembleia Distrital de Lisboa esteve a ser gerido pelo Governo Civil de
Lisboa, desde os processos em Tribunal e respetivos acórdãos, às notícias dos
jornais, passando pelos pareceres da Procuradoria-geral da República, de
Marcelo Rebelo de Sousa ou de Rui Machete, às escrituras de venda celebradas e
às reuniões do plenário distrital e até da Assembleia da República.
Com a transcrição de excertos dos
documentos, evidenciando as posições a favor e contra a transferência do
património da Assembleia Distrital de Lisboa para o Governo Civil de Lisboa
(cumprindo o necessário contraditório) ou provando os crimes cometidos (como
seja o relatório da Inspeção-geral da Administração do Território), pretende-se
ajudar a clarificar duas décadas de uma obscura situação em que a cobiça
pessoal e a irresponsabilidade política acabaram por levar à gestão danosa de bens
patrimoniais de elevado valor histórico e até cultural (como é o caso, por
exemplo, da Quinta da Lage e da Quinta de Santo Eloy na Amadora, ou da Quinta
do Enforcado e da Quinta de Santo António, em Odivelas).
Coligida a informação e feita a
análise integrada dos elementos probatórios disponíveis, é nosso objetivo
demonstrar que a apropriação pelo Governo Civil de Lisboa do património da
Assembleia Distrital (numa interpretação do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de
janeiro, que só aconteceu no distrito de Lisboa) foi um esquema preparado para
levar ao confisco de bens prediais de valor substancialmente elevado com vista
à satisfação de escusos interesses que levaram ao retalhar de terrenos rústicos
(alguns integrando a RAN e a REN) em centenas de lotes para construção.
A principal prova dessa intenção
é o estado de abandono a que foi votado todo o restante património edificado
(com quintas seculares em completa ruína) pois o que interessava eram apenas os
“negócios imobiliários” que, felizmente, não se chegaram a concretizar.
E, mais uma vez, se dá o exemplo
da Assembleia Distrital do Porto para que se possa comparar a forma como todo o
processo foi tratado num distrito onde o património predial era (e é) bastante
valioso mas que a implementação do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, não
levou ao confisco que aconteceu em Lisboa.»
Fonte: Relatório e Contas de 2013, pág. 187-189.
Fonte: Relatório e Contas de 2013, pág. 187-189.
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