sábado, 28 de junho de 2014

O "delicado" conceito de legalidade de António Costa. Ou como influenciar o sentido de voto do PS na Assembleia Municipal.


Nos termos do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 25.º do Regimento da Assembleia Municipal de Lisboa – Mandato 2013-2017 (aprovado na reunião de 18-03-2014), compete à Presidente do órgão, Helena Roseta: «assegurar o cumprimento da lei e a regularidade das deliberações”.

E conjugando o disposto nos artigos 53.º e 62.º do regimento acima citado, facilmente se depreende que, além dos deputados municipais, também aos membros do executivo não é lícito interromper a sessão no decorrer de um ato de votação.

Posto isto, vejam agora o que aconteceu no passado dia 17 do corrente mês de junho numa reunião da Assembleia Municipal de Lisboa a quando da votação da Recomendação do Bloco de Esquerda sobre “Quotizações em atraso na Assembleia Distrital de Lisboa”.

Embora, estranhamente, o assunto não tenha merecido qualquer comentário dos deputados municipais durante as várias intervenções no período de antes da ordem do dia (nem os proponentes o defenderam nem as outras bancadas o atacaram, quase parecendo que nem sequer havia qualquer proposta para apreciação), a quando da respetiva votação (e ao contrário de outras que decorreram normalmente, mesmo a de documentos que tinham causado alguma polémica e troca de “galhardetes” entre membros da assembleia municipal) instalou-se a confusão.

Desde a tentativa de Helena Roseta para que o documento fosse retirado da votação (não se percebendo por que esta sugestão não foi feita antes e foi preciso esperar pelas votações quando o regimento diz, expressamente, que não podem ser interrompidas), com argumentos imprecisos e algumas incorrecções, passando pela indecisão dos eleitos da bancada do Partido Socialista que se percebia estarem bastante divididos mas tendencialmente e na sua maioria com vontade de votar a favor, até à interrupção de António Costa, à revelia do disposto no regimento, com uma intervenção falaciosa proferida nitidamente com o intuito de condicionar o sentido de voto dos socialistas (como, infelizmente, acabou por acontecer), pode-se dizer que estes quase cinco minutos foram um dos mais tristes e degradantes episódios do funcionamento daquele órgão autárquico.

«Helena Roseta (Presidente da AML):
Vamos prosseguir... A Recomendação n.º 3. Eu ia pedir ao Bloco de Esquerda uma coisa muito concreta, que é o seguinte: esta recomendação tem a ver com uma proposta que a própria Mesa já preparou, que era a Proposta 4AM da Mesa e que nunca chegou a ser agendada porque, entretanto, a Assembleia da República alterou o regime jurídico das Assembleias Distritais. Aprovou a Proposta de Lei 212/XII que foi aprovada e que está a aguardar promulgação.
Aquilo que eu pedia ao Bloco de Esquerda é se podemos suspender a votação desta proposta para depois da promulgação da nova lei. Porque esta lei que vocês citam já não está em vigor. Não está em vigor já. Foi promulgada uma nova lei. Ou, por outra, está em vigor mas há uma nova lei que já obriga as assembleias e as câmaras a resolver estes problemas todos e já foi aprovada na Assembleia da República.

[A Proposta de Lei n.º 212/XII já foi, entretanto, publicada Lei n.º 36/2014, de 26 de junho. O seu texto corresponde ao aprovado pela Assembleia da República no dia 2 de maio último. O artigo 9.º diz, expressamente: “Os municípios que se encontram em incumprimento do dever de contribuir para os encargos das assembleias distritais, incluindo os referentes a trabalhadores, previsto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, devem regularizar os respetivos pagamentos em atraso.”]

Eu própria tinha tomado a iniciativa de fazer uma proposta para resolver este problema mas quando vi que a Assembleia da República tinha mudado a lei, em conferência de representantes, dei conhecimento que suspendíamos aqui até ver o teor efectivo da lei que já é conhecida, que é a Proposta de Lei 211/XII. E que tem uma solução concreta para este problema.

[O problema em causa, naquela data era: SALÁRIOS EM ATRASO HÁ SETE MESES CONSE-CUTIVOS – agora são os salários e o subsídio de férias também – mercê da recusa da Câmara Municipal de Lisboa, por opção individual do Dr. António Costa, à margem da lei e à revelia dos órgãos autárquicos do município, em pagar as contribuições a que está obrigada nos termos do DL n.º 5/91, uma obrigação que não desaparece com a publicação do novo regime jurídico, pelo que as palavras de Helena Roseta encerram uma falsa questão e, além de demonstrarem uma enorme insensibilidade perante o drama dos trabalhadores não passaram de uma manobra destinada a adiar a discussão do assunto.]

Eu, portanto, pedia se vocês podiam retirar ou adiar a proposta só por causa disto. Porque já há legislação aprovada na Assembleia da República para resolver este problema.
A senhora deputada faça favor… Se o Bloco de Esquerda quer manter vamos votar, não tem problema nenhum. Se o Bloco de Esquerda quer manter, vamos votar. Eu achei é que era relevante dar esta informação.

Ana Drago (Bloco de Esquerda):
Senhora Presidente, a proposta que nós apresentamos, apresentamos com a legislação que ainda está em vigor uma vez que a aprovação da legislação na Assembleia da República ainda não deu origem a publicação em Diário da República. Portanto, na prática a lei ainda não existe para ser cumprida.
O que eu creio é que esta é uma recomendação que tem um sentido político e que nós acompanhamos [interrupção de Helena Roseta: Ó senhora deputada… não precisa dar justificações] … aquelas que são as preocupações da Assembleia Municipal de Lisboa e, portanto, acho que deveríamos votar nesse mesmo sentido. E fica essa expressão da vontade política.
Muito obrigada.

Helena Roseta (Presidente da AML):
Não era necessário. Eu estava só a perguntar se queriam retirar ou manter. Se querem manter, mantem-se e vai-se votar, naturalmente.
Senhores deputados, vamos por à vossa consideração a Recomendação n.º 3 do Bloco de Esquerda sobre as quotizações em atraso à Assembleia Distrital de Lisboa.
Votos contra? Peço a vossa atenção! Estamos a por à votação a recomendação n.º 3 do Bloco de Esquerda – quotizações em atraso na Assembleia Distrital de Lisboa.
Votos Contra? Eu não sei se o Partido Socialista está a votar contra ou se é um voto contra individual? É o voto contra da bancada do Partido Socialista.
Votos de abstenção? Senhores deputados.
Votos são contados, não é assim? Então vamos contar os votos contra.
Votos contra da bancada do Partido Socialista: temos um voto contra, dois votos contra, três votos contra da Bancada do Partido Socialista. Votem todos, por favor. Aqueles que querem votar contra, todos ao mesmo tempo. Senão isto é impossível. São quatro? São três!
[Numa bancada com mais de três dezenas de membros, incluindo os cargos por inerência – os presidentes das juntas de freguesia – este resultado é sintomático.]
Bem… Senhores deputados, por favor. Assim não dá. Não vamos tirar dignidade ao ato da votação da Assembleia Municipal. Votos contra da bancada…
Senhor Presidente, peço desculpa estamos em votação. Não posso interromper. O senhor Presidente não tem possibilidade de fazer pontos de ordem à mesa. Mas, atendendo a que o senhor Presidente é jurista e sabe muito mais disto do que eu, a Mesa, excepcionalmente, vai dizer para nos explicar o que é que eu tenho de fazer.
[Sabia que era contra o regimento e ainda assim, sem sequer consultar os outros membros da Mesa, Helena Roseta resolveu ironizar e como se tudo não passasse de uma brincadeira acabou dando a palavra a António Costa. Um comportamento lamentável.]

António Costa (Presidente da Câmara Municipal de Lisboa):
Ó senhora Presidente. Peço desculpa… mas não tinha dado conta desta proposta. Eu só gostaria de chamar a atenção que há um processo judicial em que o município de Lisboa é parte, precisamente sobre este assunto. E acho que é, no mínimo, delicado que um órgão do município de Lisboa, como é a Assembleia Municipal, se pronuncie sobre um tema que está em contencioso. Aliás, em divergência com a posição sustentada, legalmente, pelo município de Lisboa, relativamente a esta matéria.
E, portanto, era só essa a ponderação que eu pedia à senhora presidente.
[Além do desrespeito para com o funcionamento do órgão, lamentavelmente autorizado pela Presidente da AM, António Costa resolve mentir mais uma vez como é, aliás, seu hábito no que à Assembleia Distrital de Lisboa diz respeito: sendo certo que o assunto está em Tribunal – uma acção interposta pela ADL a fim de obrigar a CML a pagar as contribuições a que está obrigada nos termos da lei – a posição assumida em nome do município mais não é do que uma posição sua, pessoal, à margem da lei e à revelia do executivo e da assembleia municipal, órgãos que nunca deliberam sobre esta matéria, além de que ao contrário do que afirma não existe sustentação legal para a recusa em pagar as quotas em causa.
E se é “no mínimo delicado” a AML pronunciar-se acerca da ilegalidade cometida pelo presidente da câmara municipal cuja atividade lhe compete fiscalizar, o que dizer, então, das consequências que estão a recair sobre os trabalhadores da Assembleia Distrital de Lisboa? Será que sete meses de salários e subsídio de férias em atraso, é algo indelicado?]

Helena Roseta (Presidente da AML):
Muito obrigada senhor Presidente. E acho importante esta informação para o sentido de voto dos senhores deputados. Tendo em conta o que o senhor Presidente acabou de dizer vamos voltar, então, a por à votação a Recomendação n.º 3 do Bloco de Esquerda sobre quotizações em atraso na Assembleia Municipal de Lisboa.
Quem vota contra? Votos contra do Partido Socialista, do PNPN, um voto contra meu, pelas razões que há pouco disse, e não há mais votos contra.
[E assim se comprova a declarada interferência de António Costa no normal funcionamento democrático de um órgão autárquico, contrariando todos os princípios constitucionais que garantem a independência do Poder Local. E se o seu comportamento é vergonhoso, o dos autarcas que alteraram o seu sentido de voto, deixando-se facilmente influenciar, é ainda mais pois mostraram uma subserviência que compromete a independência indispensável ao bom exercício das funções para as quais foram eleitos.]
Votos de abstenção? Do CDS/PP, dos senhores deputados independentes.
Votos favoráveis são os restantes.
A recomendação não foi aprovada. Eu farei uma declaração de voto.»

Transcrição efetuada a partir do vídeo da sessão (período entre – 02:29:06 e 02:24:59).


Mais se informa de que o assunto já foi denunciado à Inspeção-geral de Finanças (entidade da tutela a quem cabe apreciar este tipo de ocorrências sobre o funcionamento irregular dos órgãos autárquicos) e no início da semana que vem iremos apresentar queixa-crime ao Ministério Público pelas razões apresentadas na comunicação conjunta da ADL e dos trabalhadores de 20 de junho de 2014.

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