Nos termos do disposto na alínea
h) do n.º 1 do artigo 25.º do Regimento
da Assembleia Municipal de Lisboa – Mandato 2013-2017 (aprovado na
reunião de 18-03-2014), compete à Presidente do órgão, Helena Roseta: «assegurar
o cumprimento da lei e a regularidade das deliberações”.
E conjugando o disposto nos artigos
53.º e 62.º do regimento acima citado, facilmente se depreende que, além dos
deputados municipais, também aos membros do executivo não é lícito interromper
a sessão no decorrer de um ato de votação.
Posto isto, vejam agora o que
aconteceu no passado dia 17 do corrente mês de junho numa reunião da Assembleia
Municipal de Lisboa a quando da votação da Recomendação do Bloco de Esquerda sobre
“Quotizações em atraso na Assembleia Distrital de Lisboa”.
Embora, estranhamente, o assunto
não tenha merecido qualquer comentário dos deputados municipais durante as
várias intervenções no período de antes da ordem do dia (nem os proponentes o
defenderam nem as outras bancadas o atacaram, quase parecendo que nem sequer havia
qualquer proposta para apreciação), a quando da respetiva votação (e ao
contrário de outras que decorreram normalmente, mesmo a de documentos que
tinham causado alguma polémica e troca de “galhardetes” entre membros da
assembleia municipal) instalou-se a confusão.
Desde a tentativa de Helena
Roseta para que o documento fosse retirado da votação (não se percebendo por
que esta sugestão não foi feita antes e foi preciso esperar pelas votações
quando o regimento diz, expressamente, que não podem ser interrompidas), com
argumentos imprecisos e algumas incorrecções, passando pela indecisão dos
eleitos da bancada do Partido Socialista que se percebia estarem bastante
divididos mas tendencialmente e na sua maioria com vontade de votar a favor,
até à interrupção de António Costa, à revelia do disposto no regimento, com uma
intervenção falaciosa proferida nitidamente com o intuito de condicionar o sentido
de voto dos socialistas (como, infelizmente, acabou por acontecer), pode-se
dizer que estes quase cinco minutos foram um dos mais tristes e degradantes
episódios do funcionamento daquele órgão autárquico.
«Helena Roseta (Presidente
da AML):
Vamos prosseguir... A Recomendação n.º 3. Eu ia pedir ao Bloco de
Esquerda uma coisa muito concreta, que é o seguinte: esta recomendação tem a
ver com uma proposta que a própria Mesa já preparou, que era a Proposta 4AM da
Mesa e que nunca chegou a ser agendada porque, entretanto, a Assembleia da
República alterou o regime jurídico das Assembleias Distritais. Aprovou a
Proposta de Lei 212/XII que foi aprovada e que está a aguardar promulgação.
Aquilo que eu pedia ao Bloco de Esquerda é se podemos suspender a
votação desta proposta para depois da promulgação da nova lei. Porque esta lei
que vocês citam já não está em vigor. Não está em vigor já. Foi promulgada uma
nova lei. Ou, por outra, está em vigor mas há uma nova lei que já obriga as
assembleias e as câmaras a resolver estes problemas todos e já foi aprovada na
Assembleia da República.
[A Proposta
de Lei n.º 212/XII já foi, entretanto, publicada – Lei
n.º 36/2014, de 26 de junho. O seu texto corresponde ao aprovado pela
Assembleia da República no dia 2 de maio último. O artigo 9.º diz,
expressamente: “Os municípios que se encontram em incumprimento do dever de contribuir para os encargos das assembleias distritais,
incluindo os referentes a trabalhadores, previsto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, devem
regularizar os respetivos pagamentos em atraso.”]
Eu própria tinha tomado a iniciativa de fazer uma proposta para
resolver este problema mas quando vi que a Assembleia da República tinha mudado
a lei, em conferência de representantes, dei conhecimento que suspendíamos aqui
até ver o teor efectivo da lei que já é conhecida, que é a Proposta de Lei
211/XII. E que tem uma solução concreta para este problema.
[O
problema em causa, naquela data era: SALÁRIOS EM ATRASO HÁ SETE MESES CONSE-CUTIVOS
– agora são os salários e o subsídio de férias também – mercê da recusa da
Câmara Municipal de Lisboa, por opção individual do Dr. António Costa, à margem
da lei e à revelia dos órgãos autárquicos do município, em pagar as
contribuições a que está obrigada nos termos do DL n.º 5/91, uma obrigação que
não desaparece com a publicação do novo regime jurídico, pelo que as palavras
de Helena Roseta encerram uma falsa questão e, além de demonstrarem uma enorme
insensibilidade perante o drama dos trabalhadores não passaram de uma manobra destinada
a adiar a discussão do assunto.]
Eu, portanto, pedia se vocês podiam retirar ou adiar a proposta só por
causa disto. Porque já há legislação aprovada na Assembleia da República para
resolver este problema.
A senhora deputada faça favor… Se o Bloco de Esquerda quer manter vamos
votar, não tem problema nenhum. Se o Bloco de Esquerda quer manter, vamos votar.
Eu achei é que era relevante dar esta informação.
Ana Drago (Bloco de Esquerda):
Senhora Presidente, a proposta que nós apresentamos, apresentamos com a
legislação que ainda está em vigor uma vez que a aprovação da legislação na
Assembleia da República ainda não deu origem a publicação em Diário da
República. Portanto, na prática a lei ainda não existe para ser cumprida.
O que eu creio é que esta é uma recomendação que tem um sentido
político e que nós acompanhamos [interrupção de Helena Roseta: Ó senhora
deputada… não precisa dar justificações] … aquelas que são as preocupações da
Assembleia Municipal de Lisboa e, portanto, acho que deveríamos votar nesse
mesmo sentido. E fica essa expressão da vontade política.
Muito obrigada.
Helena Roseta (Presidente da AML):
Não era necessário. Eu estava só a perguntar se queriam retirar ou
manter. Se querem manter, mantem-se e vai-se votar, naturalmente.
Senhores deputados, vamos por à vossa consideração a Recomendação n.º 3
do Bloco de Esquerda sobre as quotizações em atraso à Assembleia Distrital de
Lisboa.
Votos contra? Peço a vossa atenção! Estamos a por à votação a
recomendação n.º 3 do Bloco de Esquerda – quotizações em atraso na Assembleia
Distrital de Lisboa.
Votos Contra? Eu não sei se o Partido Socialista está a votar contra ou
se é um voto contra individual? É o voto contra da bancada do Partido
Socialista.
Votos de abstenção? Senhores deputados.
Votos são contados, não é assim? Então vamos contar os votos contra.
Votos contra da bancada do Partido Socialista: temos um voto contra,
dois votos contra, três votos contra da Bancada do Partido Socialista. Votem
todos, por favor. Aqueles que querem votar contra, todos ao mesmo tempo. Senão
isto é impossível. São quatro? São três!
[Numa
bancada com mais de três dezenas de membros, incluindo os cargos por inerência –
os presidentes das juntas de freguesia – este resultado é sintomático.]
Bem… Senhores deputados, por favor. Assim não dá. Não vamos tirar
dignidade ao ato da votação da Assembleia Municipal. Votos contra da bancada…
Senhor Presidente, peço desculpa estamos em votação. Não posso
interromper. O senhor Presidente não tem possibilidade de fazer pontos de ordem
à mesa. Mas, atendendo a que o senhor Presidente é jurista e sabe muito mais
disto do que eu, a Mesa, excepcionalmente, vai dizer para nos explicar o que é
que eu tenho de fazer.
[Sabia
que era contra o regimento e ainda assim, sem sequer consultar os outros
membros da Mesa, Helena Roseta resolveu ironizar e como se tudo não passasse de
uma brincadeira acabou dando a palavra a António Costa. Um comportamento
lamentável.]
António Costa (Presidente da Câmara Municipal de Lisboa):
Ó senhora Presidente. Peço desculpa… mas não tinha dado conta desta
proposta. Eu só gostaria de chamar a atenção que há um processo judicial em que
o município de Lisboa é parte, precisamente sobre este assunto. E acho que é,
no mínimo, delicado que um órgão do município de Lisboa, como é a Assembleia
Municipal, se pronuncie sobre um tema que está em contencioso. Aliás, em
divergência com a posição sustentada, legalmente, pelo município de Lisboa,
relativamente a esta matéria.
E, portanto, era só essa a ponderação que eu pedia à senhora
presidente.
[Além do
desrespeito para com o funcionamento do órgão, lamentavelmente autorizado pela
Presidente da AM, António
Costa resolve mentir mais uma vez como é, aliás, seu hábito no que à
Assembleia Distrital de Lisboa diz respeito: sendo certo que o assunto está em Tribunal
– uma acção interposta pela ADL a fim de obrigar a CML a pagar as contribuições
a que está obrigada nos termos da lei – a posição assumida em nome do município
mais não é do que uma posição sua, pessoal, à margem da lei e à revelia do
executivo e da assembleia municipal, órgãos que nunca deliberam sobre esta
matéria, além de que ao contrário do que afirma não existe sustentação legal
para a recusa em pagar as quotas em causa.
E se é “no
mínimo delicado” a AML pronunciar-se acerca da ilegalidade cometida pelo
presidente da câmara municipal cuja atividade lhe compete fiscalizar, o que
dizer, então, das consequências que estão a recair sobre os trabalhadores da
Assembleia Distrital de Lisboa? Será que sete meses de salários e subsídio de
férias em atraso, é algo indelicado?]
Helena Roseta (Presidente da AML):
Muito obrigada senhor Presidente. E acho importante esta informação
para o sentido de voto dos senhores deputados. Tendo em conta o que o senhor
Presidente acabou de dizer vamos voltar, então, a por à votação a Recomendação
n.º 3 do Bloco de Esquerda sobre quotizações em atraso na Assembleia Municipal
de Lisboa.
Quem vota contra? Votos contra do Partido Socialista, do PNPN, um voto
contra meu, pelas razões que há pouco disse, e não há mais votos contra.
[E assim
se comprova a declarada interferência de António Costa no normal funcionamento
democrático de um órgão autárquico, contrariando todos os princípios
constitucionais que garantem a independência do Poder Local. E se o seu
comportamento é vergonhoso, o dos autarcas que alteraram o seu sentido de voto,
deixando-se facilmente influenciar, é ainda mais pois mostraram uma
subserviência que compromete a independência indispensável ao bom exercício das
funções para as quais foram eleitos.]
Votos de abstenção? Do CDS/PP, dos senhores deputados independentes.
Votos favoráveis são os restantes.
A recomendação não foi aprovada. Eu farei uma declaração de voto.»
Transcrição efetuada a partir do vídeo da sessão (período entre – 02:29:06 e
02:24:59).
Mais se informa de que o assunto
já foi denunciado à Inspeção-geral de Finanças (entidade da tutela a quem cabe
apreciar este tipo de ocorrências sobre o funcionamento irregular dos órgãos
autárquicos) e no início da semana que vem iremos apresentar queixa-crime ao
Ministério Público pelas razões apresentadas na comunicação
conjunta da ADL e dos trabalhadores de 20 de junho de 2014.
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