Face ao acima destacado, e porque
os trabalhadores não podem continuar a ser um joguete nas mãos de políticos
irresponsáveis, é vital resolver o impasse de quase quatro décadas em que se
encontram as Assembleias Distritais, em particular após a implementação do
Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, e que as deixou numa espécie de “limbo legal
e institucional”, lhes retirou as atribuições relevantes que haviam tido no
passado e as deixou com meras competências residuais.
Sem um verdadeiro órgão
executivo, com um orçamento dependente das contribuições das câmaras
municipais, impedidas de contrair empréstimos e de aceder a fundos
comunitários, foram perdendo o interesse para os autarcas do Distrito que,
apesar de obrigados a elas pertencerem, acabaram por as votar ao mais completo
esquecimento, ostracismo que tende a agravar-se com a publicação do regime jurídico
das entidades intermunicipais e do associativismo municipal, expresso na Lei n.º
75/2013, de 12 de setembro (uma oportunidade perdida para ter apresentado uma
solução para a questão das Assembleias Distritais).
Contudo, para uma abordagem séria
sobre as Assembleias Distritais, feita com total transparência e sem cadilhos
políticos ou sectarismos partidários, não podemos continuar a confundir o órgão
político (o colégio distrital) com os Serviços técnicos que lhes estão
adstritos.
Das dezoito Assembleias
Distritais previstas no artigo 291.º da CRP, dez já não têm quaisquer serviços
ou pessoal (Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria,
Portalegre e Viana do Castelo) e o órgão deliberativo não reúne, na sua
maioria, há mais de vinte anos.
Quanto às restantes oito Assembleias
Distritais (Beja, Castelo Branco, Lisboa, Porto, Santarém, Setúbal, Vila Real e
Viseu), apresentam realidades muito diversas e que urge identificar com clareza
e objetividade na medida em que apenas três delas reúnem regularmente (Beja,
Lisboa e Setúbal) havendo outras que já não conseguem quórum mínimo há mais de
doze anos consecutivos (Vila Real e Viseu).
Neste momento, apenas três
Assembleias Distritais mantêm serviços em atividade ocupando cerca de trinta
trabalhadores: Beja (com o Museu Regional Rainha D. Leonor), Lisboa (com os
Serviços de Cultura: Biblioteca, Arquivo Distrital, Museu Etnográfico de Vila
Franca de Xira, Setor Editorial e Núcleo de Investigação Arqueológica) e
Setúbal (com o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal). Nas
outras cinco Assembleias Distritais (Castelo Branco, Porto, Santarém, Vila Real
e Viseu) trabalham oito trabalhadoras afetas ao órgão distrital.
Sendo certo que apenas a revisão
da Constituição pode acabar com as Assembleias Distritais, também é certo que
estas estruturas não interessam mais aos seus membros. Senão vejamos: do total
de 834 autarcas que delas fazem parte (entre presidentes de Câmara, de
Assembleias Municipais e de Juntas de Freguesia), cerca de 83% já há muito
tempo que se desinteressaram pelo funcionamento do respetivo órgão distrital:
53% (441 autarcas) – corresponde
ao número total de autarcas que integra as Assembleias Distritais que se
encontram completamente “desativadas”, isto é, sem serviços nem pessoal mesmo que
nalguns casos o órgão deliberativo até funcione de vez em quando (57 de Aveiro;
42 de Braga; 36 de Bragança; 51 de Coimbra; 42 de Évora; 48 de Faro; 42 da
Guarda; 48 de Leiria; 45 de Portalegre e 30 de Viana do Castelo);
14% (114 autarcas) – corresponde
ao número total dos autarcas das Assembleias Distritais de Vila Real e de
Viseu, que não tendo serviços ainda têm pessoal a seu cargo mas onde o órgão deliberativo
já não reúne (com quórum) há vários mandatos consecutivos, mesmo que alguns
destes autarcas até sejam presença assídua nas reuniões;
16% (131 autarcas) – são o
somatório do número de autarcas que, em média, nas restantes Assembleias
Distritais (Beja, Castelo Branco, Lisboa, Porto, Santarém e Setúbal) faltam
sistematicamente às reuniões do órgão deliberativo.
Mas o triste panorama atrás
descrito não pode confundir-se com o reconhecimento do mérito do trabalho
desenvolvido pelas equipas que no Museu Regional Rainha D. Leonor (em Beja),
nos Serviços de Cultura (em Lisboa) e no Museu de Arqueologia e Etnografia do
Distrito de Setúbal (em Setúbal) exercem as suas funções com empenho e
dedicação. E são esses Serviços que, naqueles Distritos, motivam o órgão
deliberativo a funcionar para dar cumprimento às exigências legais em termos de
aprovação dos documentos previsionais e de prestação de contas e que têm um património
(predial e cultural) que importa preservar e, sobretudo, trabalhadores cujos
direitos urge respeitar.
Apesar da evidente ilegalidade,
da flagrante crueldade social e do desrespeito pelos mais elementares direitos dos
trabalhadores, constitucionalmente consagrados, desde agosto último há SALÁRIOS
EM ATRASO nas Assembleias Distritais de Lisboa e de Vila Real porque há
Presidentes de Câmara que, por razões de índole política, não autorizam que as
autarquias que lideram paguem a contribuição a que estão legalmente obrigadas,
nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14.º do DL n.º 5/91, de 8 de
janeiro.
Vejamos, por exemplo, o caso de
Lisboa:
A Assembleia Distrital de Lisboa,
além de nos últimos cinco meses ter sido obrigada a suspender quase todas as atividades
dos seus Serviços de Cultura e manter apenas em funcionamento a Biblioteca, deixou
de ter dinheiro para, a partir de agosto, assumir todos os encargos com o
pessoal (três técnicos superiores e um assistente técnico).
Porquê?
Porque, desde janeiro de 2012 que a
Câmara Municipal de Lisboa deixou de pagar a quota que lhe cabe, de 4.480€/mês, por
decisão pessoal do Dr. António Costa (o órgão executivo nunca discutiu o
assunto nem aprovou nenhuma proposta neste sentido) conforme consta de carta dirigida ao Presidente da ADL em 30 de dezembro de 2011, onde aquele autarca justifica-se alegando necessidade de cortar na “despesa não essencial
ao funcionamento da autarquia”.
Essa participação representa, anualmente,
apenas cerca de 0,02% no orçamento municipal (53.770€) mas para a Assembleia
Distrital são 27% das suas receitas. Por isso, esgotadas as poupanças de anos
anteriores (a ADL tem transitado sempre com saldo positivo, resultado de uma
gestão regrada das disponibilidades e para prever atrasos pontuais nos
pagamentos das contribuições dos municípios), entrados no segundo ano consecutivo
sem 27% dos proveitos inicialmente previstos, com despesas extraordinárias imprevistas,
aconteceu a rutura financeira. E é bom lembrar que todas as restantes autarquias do Distrito pagam as suas contribuições (infelizmente nem sempre a horas, mas pagam) e apenas Lisboa se recusa a fazê-lo.
A Assembleia Distrital de Lisboa
tem aprovado sempre, todos os anos, nos termos da lei, o seu plano de
actividades e o orçamento correspondente, documentos estes onde são fixados,
nos termos da lei, os critérios de repartição dos encargos com o pessoal e o
funcionamento dos Serviços de Cultura e essas deliberações nunca foram
contestadas pela Câmara Municipal de Lisboa. Acresce que quer na reunião de
2012 quer na de 2013, se é verdade que a Câmara esteve ausente em ambas as
Assembleias Distritais, o mesmo não se pode dizer da Assembleia Municipal de
Lisboa que esteve sempre presente e na de 8 de maio de 2013 até pela própria
Presidente, Dr.ª Simoneta Luz Afonso.
Por isso, a atitude do Dr. António
Costa (de proibir o pagamento da quota à Assembleia Distrital de Lisboa), tida
como sendo em nome do “Município de Lisboa”, é duplamente abusiva: além de ser
crime de violação de lei (artigo 14.º do DL n.º 5/91, de 8 de janeiro) é um
desrespeito pelo funcionamento democrático dos órgãos do próprio município de
Lisboa já que em nenhum deles houve a assunção de qualquer posição sobre o
assunto.
Mas o Dr. António Costa acrescentou,
ainda, que a sua posição se baseava “no entendimento” de que a Assembleia Distrital
de Lisboa estava, “no presente, totalmente desenquadrada da realidade
autárquica existente.” Levando-o a concluir que “[a]pesar de estar consagrada
na Constituição da República Portuguesa e, como tal, não poder ser extinta” a “Assembleia
Distrital não tem relevância no trabalho efectuado pelas autarquias, pelo que o
seu funcionamento deveria ser suspenso até à próxima Revisão Constitucional.”
Esqueceu-se (ou talvez não) o Dr.
António Costa que, todavia, a Assembleia Distrital de Lisboa não é apenas o
colégio deliberativo distrital (previsto na Constituição e regulamentado pelo
DL n.º 5/91) mas integra, também, os Serviços de Cultura: uma Biblioteca
pública no centro de Lisboa e que até consta no site oficial do município como se fosse mais um "equipamento municipal" (aberta todos os dias úteis das 10h às 16h e que
dispõe de mais de 30.000 obras, com destaque particular para os olisiponenses, e possui uma das melhores secção de periódicos do país com centenas de títulos nacionais e internacionais),
o Setor editorial (que publica, anualmente, o Boletim Cultural – uma revista
altamente conceituada nos meios académicos e científicos de Portugal e, até, do
estrangeiro pela qualidade dos textos publicados), o Arquivo distrital (com
documentação herdada desde início do século passado da Junta Geral do Distrito
de Lisboa, Junta de Província da Estremadura e Junta Distrital de Lisboa), o
Museu de Etnografia (localizado em Vila Franca de Xira e com peças únicas e de
valor incalculável) e o Núcleo de Investigação - Arqueologia (que tem
protocolos de colaboração com várias autarquias do distrito) e Geografia
(responsável pelo estudo do património predial e que já permitiu à ADL
recuperar parte dos prédios confiscados em 1991 pela Administração Central).
Mentir sobre a actividade de um órgão
para fundamentar uma opção política é chocante, mas sugerir que uma entidade
seja suspensa sem propor uma solução alternativa para os seus Serviços,
nomeadamente para o pessoal que aí exerce funções, é de uma irresponsabilidade
atroz.
E pretender fazer cumprir essa decisão
pessoal sem a sujeitar à votação dos seus pares no órgão próprio (a Assembleia
Distrital), é um comportamento antidemocrático inqualificável. Porque, saberá
com certeza o Dr. António Costa que existem mecanismos no atual quadro jurídico
que permitem deliberar extinguir os Serviços de Cultura se esse fosse o
entendimento da maioria dos autarcas. Acontece, porém, que a decisão da
maioria, assumida ano a ano em reunião da Assembleia Distrital, tem sido
dar-lhes continuidade (como fica expresso com a aprovação dos sucessivos planos
e orçamentos, sendo que o de 2013 até foi aprovado por unanimidade) e essa
opção nunca foi impugnada.
Exm.ºs Senhores,
Como podem verificar, o assunto
que me leva a escrever esta carta é demasiado grave. E precisa de solução
urgente.
Estão em causa direitos fundamentais de trabalhadores que vão estar
pelo quarto mês consecutivo sem receber vencimento (em Lisboa e em Vila Real) e
desconhecem quando vão voltar a auferir a remuneração que lhes é devida, tudo
porque alguns autarcas se negam a cumprir a lei.
Por isso os partidos não podem
continuar a silenciar esta situação, evitando pronunciar-se sobre a matéria (como
tem acontecido até ao presente).
Esperando ter sensibilizado V.ªs
Ex.ªs para a questão descrita, solicita-se seja concedida uma audiência para
expor, pessoalmente o problema.
17-11-2013, Ermelinda
Toscano
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