domingo, 17 de novembro de 2013

Será que vai haver resposta?


Face ao acima destacado, e porque os trabalhadores não podem continuar a ser um joguete nas mãos de políticos irresponsáveis, é vital resolver o impasse de quase quatro décadas em que se encontram as Assembleias Distritais, em particular após a implementação do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, e que as deixou numa espécie de “limbo legal e institucional”, lhes retirou as atribuições relevantes que haviam tido no passado e as deixou com meras competências residuais.

Sem um verdadeiro órgão executivo, com um orçamento dependente das contribuições das câmaras municipais, impedidas de contrair empréstimos e de aceder a fundos comunitários, foram perdendo o interesse para os autarcas do Distrito que, apesar de obrigados a elas pertencerem, acabaram por as votar ao mais completo esquecimento, ostracismo que tende a agravar-se com a publicação do regime jurídico das entidades intermunicipais e do associativismo municipal, expresso na Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (uma oportunidade perdida para ter apresentado uma solução para a questão das Assembleias Distritais).

Contudo, para uma abordagem séria sobre as Assembleias Distritais, feita com total transparência e sem cadilhos políticos ou sectarismos partidários, não podemos continuar a confundir o órgão político (o colégio distrital) com os Serviços técnicos que lhes estão adstritos.

Das dezoito Assembleias Distritais previstas no artigo 291.º da CRP, dez já não têm quaisquer serviços ou pessoal (Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre e Viana do Castelo) e o órgão deliberativo não reúne, na sua maioria, há mais de vinte anos.

Quanto às restantes oito Assembleias Distritais (Beja, Castelo Branco, Lisboa, Porto, Santarém, Setúbal, Vila Real e Viseu), apresentam realidades muito diversas e que urge identificar com clareza e objetividade na medida em que apenas três delas reúnem regularmente (Beja, Lisboa e Setúbal) havendo outras que já não conseguem quórum mínimo há mais de doze anos consecutivos (Vila Real e Viseu).

Neste momento, apenas três Assembleias Distritais mantêm serviços em atividade ocupando cerca de trinta trabalhadores: Beja (com o Museu Regional Rainha D. Leonor), Lisboa (com os Serviços de Cultura: Biblioteca, Arquivo Distrital, Museu Etnográfico de Vila Franca de Xira, Setor Editorial e Núcleo de Investigação Arqueológica) e Setúbal (com o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal). Nas outras cinco Assembleias Distritais (Castelo Branco, Porto, Santarém, Vila Real e Viseu) trabalham oito trabalhadoras afetas ao órgão distrital.

Sendo certo que apenas a revisão da Constituição pode acabar com as Assembleias Distritais, também é certo que estas estruturas não interessam mais aos seus membros. Senão vejamos: do total de 834 autarcas que delas fazem parte (entre presidentes de Câmara, de Assembleias Municipais e de Juntas de Freguesia), cerca de 83% já há muito tempo que se desinteressaram pelo funcionamento do respetivo órgão distrital:
53% (441 autarcas) – corresponde ao número total de autarcas que integra as Assembleias Distritais que se encontram completamente “desativadas”, isto é, sem serviços nem pessoal mesmo que nalguns casos o órgão deliberativo até funcione de vez em quando (57 de Aveiro; 42 de Braga; 36 de Bragança; 51 de Coimbra; 42 de Évora; 48 de Faro; 42 da Guarda; 48 de Leiria; 45 de Portalegre e 30 de Viana do Castelo);
14% (114 autarcas) – corresponde ao número total dos autarcas das Assembleias Distritais de Vila Real e de Viseu, que não tendo serviços ainda têm pessoal a seu cargo mas onde o órgão deliberativo já não reúne (com quórum) há vários mandatos consecutivos, mesmo que alguns destes autarcas até sejam presença assídua nas reuniões;
16% (131 autarcas) – são o somatório do número de autarcas que, em média, nas restantes Assembleias Distritais (Beja, Castelo Branco, Lisboa, Porto, Santarém e Setúbal) faltam sistematicamente às reuniões do órgão deliberativo.

Mas o triste panorama atrás descrito não pode confundir-se com o reconhecimento do mérito do trabalho desenvolvido pelas equipas que no Museu Regional Rainha D. Leonor (em Beja), nos Serviços de Cultura (em Lisboa) e no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (em Setúbal) exercem as suas funções com empenho e dedicação. E são esses Serviços que, naqueles Distritos, motivam o órgão deliberativo a funcionar para dar cumprimento às exigências legais em termos de aprovação dos documentos previsionais e de prestação de contas e que têm um património (predial e cultural) que importa preservar e, sobretudo, trabalhadores cujos direitos urge respeitar.

Apesar da evidente ilegalidade, da flagrante crueldade social e do desrespeito pelos mais elementares direitos dos trabalhadores, constitucionalmente consagrados, desde agosto último há SALÁRIOS EM ATRASO nas Assembleias Distritais de Lisboa e de Vila Real porque há Presidentes de Câmara que, por razões de índole política, não autorizam que as autarquias que lideram paguem a contribuição a que estão legalmente obrigadas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14.º do DL n.º 5/91, de 8 de janeiro.

Vejamos, por exemplo, o caso de Lisboa:

A Assembleia Distrital de Lisboa, além de nos últimos cinco meses ter sido obrigada a suspender quase todas as atividades dos seus Serviços de Cultura e manter apenas em funcionamento a Biblioteca, deixou de ter dinheiro para, a partir de agosto, assumir todos os encargos com o pessoal (três técnicos superiores e um assistente técnico).

Porquê?

Porque, desde janeiro de 2012 que a Câmara Municipal de Lisboa deixou de pagar a quota que lhe cabe, de 4.480€/mês, por decisão pessoal do Dr. António Costa (o órgão executivo nunca discutiu o assunto nem aprovou nenhuma proposta neste sentido) conforme consta de carta dirigida ao Presidente da ADL em 30 de dezembro de 2011, onde aquele autarca justifica-se alegando necessidade de cortar na “despesa não essencial ao funcionamento da autarquia”.

Essa participação representa, anualmente, apenas cerca de 0,02% no orçamento municipal (53.770€) mas para a Assembleia Distrital são 27% das suas receitas. Por isso, esgotadas as poupanças de anos anteriores (a ADL tem transitado sempre com saldo positivo, resultado de uma gestão regrada das disponibilidades e para prever atrasos pontuais nos pagamentos das contribuições dos municípios), entrados no segundo ano consecutivo sem 27% dos proveitos inicialmente previstos, com despesas extraordinárias imprevistas, aconteceu a rutura financeira. E é bom lembrar que todas as restantes autarquias do Distrito pagam as suas contribuições (infelizmente nem sempre a horas, mas pagam) e apenas Lisboa se recusa a fazê-lo.

A Assembleia Distrital de Lisboa tem aprovado sempre, todos os anos, nos termos da lei, o seu plano de actividades e o orçamento correspondente, documentos estes onde são fixados, nos termos da lei, os critérios de repartição dos encargos com o pessoal e o funcionamento dos Serviços de Cultura e essas deliberações nunca foram contestadas pela Câmara Municipal de Lisboa. Acresce que quer na reunião de 2012 quer na de 2013, se é verdade que a Câmara esteve ausente em ambas as Assembleias Distritais, o mesmo não se pode dizer da Assembleia Municipal de Lisboa que esteve sempre presente e na de 8 de maio de 2013 até pela própria Presidente, Dr.ª Simoneta Luz Afonso.

Por isso, a atitude do Dr. António Costa (de proibir o pagamento da quota à Assembleia Distrital de Lisboa), tida como sendo em nome do “Município de Lisboa”, é duplamente abusiva: além de ser crime de violação de lei (artigo 14.º do DL n.º 5/91, de 8 de janeiro) é um desrespeito pelo funcionamento democrático dos órgãos do próprio município de Lisboa já que em nenhum deles houve a assunção de qualquer posição sobre o assunto.

Mas o Dr. António Costa acrescentou, ainda, que a sua posição se baseava “no entendimento” de que a Assembleia Distrital de Lisboa estava, “no presente, totalmente desenquadrada da realidade autárquica existente.” Levando-o a concluir que “[a]pesar de estar consagrada na Constituição da República Portuguesa e, como tal, não poder ser extinta” a “Assembleia Distrital não tem relevância no trabalho efectuado pelas autarquias, pelo que o seu funcionamento deveria ser suspenso até à próxima Revisão Constitucional.”

Esqueceu-se (ou talvez não) o Dr. António Costa que, todavia, a Assembleia Distrital de Lisboa não é apenas o colégio deliberativo distrital (previsto na Constituição e regulamentado pelo DL n.º 5/91) mas integra, também, os Serviços de Cultura: uma Biblioteca pública no centro de Lisboa e que até consta no site oficial do município como se fosse mais um "equipamento municipal" (aberta todos os dias úteis das 10h às 16h e que dispõe de mais de 30.000 obras, com destaque particular para os olisiponenses, e possui uma das melhores secção de periódicos do país com centenas de títulos nacionais e internacionais), o Setor editorial (que publica, anualmente, o Boletim Cultural – uma revista altamente conceituada nos meios académicos e científicos de Portugal e, até, do estrangeiro pela qualidade dos textos publicados), o Arquivo distrital (com documentação herdada desde início do século passado da Junta Geral do Distrito de Lisboa, Junta de Província da Estremadura e Junta Distrital de Lisboa), o Museu de Etnografia (localizado em Vila Franca de Xira e com peças únicas e de valor incalculável) e o Núcleo de Investigação - Arqueologia (que tem protocolos de colaboração com várias autarquias do distrito) e Geografia (responsável pelo estudo do património predial e que já permitiu à ADL recuperar parte dos prédios confiscados em 1991 pela Administração Central).

Mentir sobre a actividade de um órgão para fundamentar uma opção política é chocante, mas sugerir que uma entidade seja suspensa sem propor uma solução alternativa para os seus Serviços, nomeadamente para o pessoal que aí exerce funções, é de uma irresponsabilidade atroz. 

E pretender fazer cumprir essa decisão pessoal sem a sujeitar à votação dos seus pares no órgão próprio (a Assembleia Distrital), é um comportamento antidemocrático inqualificável. Porque, saberá com certeza o Dr. António Costa que existem mecanismos no atual quadro jurídico que permitem deliberar extinguir os Serviços de Cultura se esse fosse o entendimento da maioria dos autarcas. Acontece, porém, que a decisão da maioria, assumida ano a ano em reunião da Assembleia Distrital, tem sido dar-lhes continuidade (como fica expresso com a aprovação dos sucessivos planos e orçamentos, sendo que o de 2013 até foi aprovado por unanimidade) e essa opção nunca foi impugnada.

Exm.ºs Senhores,

Como podem verificar, o assunto que me leva a escrever esta carta é demasiado grave. E precisa de solução urgente.

Estão em causa direitos fundamentais de trabalhadores que vão estar pelo quarto mês consecutivo sem receber vencimento (em Lisboa e em Vila Real) e desconhecem quando vão voltar a auferir a remuneração que lhes é devida, tudo porque alguns autarcas se negam a cumprir a lei.

Por isso os partidos não podem continuar a silenciar esta situação, evitando pronunciar-se sobre a matéria (como tem acontecido até ao presente).

Esperando ter sensibilizado V.ªs Ex.ªs para a questão descrita, solicita-se seja concedida uma audiência para expor, pessoalmente o problema.

17-11-2013, Ermelinda Toscano

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