segunda-feira, 23 de março de 2015

O triunfo dos incompetentes!


A propósito da atuação deste Governo já muito se tem falado sobre o culto da incompetência e a chocante desresponsabilização política dos titulares dos diversos órgãos da Administração Pública que promove.
Ainda assim não posso deixar de aqui vos trazer mais um flagrante exemplo disso mesmo. E com provas concretas do que afirmo.
Trata-se da situação das Assembleias Distritais, entidades deliberativas supramunicipais previstas no artigo 291.º da Constituição da República Portuguesa, cujo regime jurídico foi recentemente alterado com a publicação da Lei n.º 36/2014, de 26 de junho.
Embora a redação inicial da Proposta n.º 212/XII do Governo, mercê da intervenção da “Comissão de Trabalhadores das Assembleias Distritais” e da “Associação Nacional de Municípios Portugueses” em sede de discussão na especialidade onde ambas foram ouvidas, tenha sofrido algumas alterações que a melhoraram (nomeadamente a introdução da norma provisória do artigo 9.º sobre a obrigatoriedade dos municípios liquidarem as dívidas destinadas ao pagamento dos encargos previstos no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, agora revogado), certo é que este diploma acabou por ser publicado com sérias deficiências.
Desde logo por não prever, especificamente, um período de transição com regras claras e objetivas a cumprir após a entrada em vigor da lei (a 1 de julho) e até à transferência plena e efetiva das Universalidades Jurídicas das AD (património, serviços, pessoal, ativos e passivos financeiros) para as novas Entidades Recetoras.
Essa falha acabou por ter uma consequência perversa: a falência das AD que dependiam das contribuições dos municípios para proceder ao funcionamento regular dos Serviços e à existência de salários em atraso por meses consecutivos, como aconteceu no caso do distrito de Lisboa em consequência da posição intransigente da autarquia da capital, por opção pessoal do seu presidente.
Posição ilegal escudada na interpretação “sue generis” de que após a entrada em vigor da Lei 36/2014, não têm a quem pagar pois as Assembleias Distritais estão proibidas de arrecadar receitas e efetuar despesas, conforme assim o determina o seu novo regime jurídico – por coincidência também o artigo 9.º mas do anexo ao citado diploma – esquecendo-se, contudo, que os trabalhadores que exerciam funções nestas entidades em 30 de junho lá continuariam no dia 1 de julho e até à conclusão do processo de transferência da Universalidade que poderia, no mínimo, durar cerca de seis meses.
Se a incompetência do Governo nesta matéria das Assembleias Distritais é revoltante, a falta de senso dos juízes do Tribunal Administrativo que se permitiram, em oposição àquela que é a vontade dos próprios deputados de todas as bancadas e que se encontra expressa no Diário da Assembleia da República de dia 02-04-2014, reinterpretar a “intenção do legislador” e determinaram que a partir de dia 1 de julho as Assembleias Distritais deixaram de ter personalidade judicial ativa legitimando o confisco dos direitos dos trabalhadores, é chocante.
Com o Acórdão de 15-01-2015 do Tribunal Central Administrativo Sul consubstanciou-se aquilo que num Estado de direito democrático nunca deveria acontecer: a Justiça a validar a incompetência de uns e a colocar-se ao serviço da política, em prejuízo dos únicos que não têm quaisquer responsabilidades na matéria (os trabalhadores), o que é incompreensível e, sobretudo, de uma crueldade atroz pelas suas injustas consequências.
Na prática, e tendo presente o caso concreto da Assembleia Distrital de Lisboa, o que o TCAS acabou por nos dizer foi que os sete meses de salário em atraso (além do subsídio de férias) que já existiam em 1 de julho, e a partir dessa data mais uns quantos meses consecutivos por tempo indeterminado, eram um simples dano colateral insignificante do ponto de vista jurídico por comparação com a importância que tinham os superiores interesses da Câmara de Lisboa, e a confirmação da sentença da 1.ª instância significou que os juízes davam o seu aval a uma atitude assumida a título pessoal, à margem da lei e à revelia dos órgãos autárquicos do município.
Voltando de novo à flagrante incompetência deste Governo e à inimputabilidade atrás da qual os seus membros se protegem, passando pela conivência da Assembleia da República na preparação do embuste que recusa admitir até ao fiasco que a Lei 36/2014 representa, embora todos prefiram fingir que foi a solução ideal para acabar com as indesejadas Assembleias Distritais.
Começamos por constatar o facto de a maioria das Assembleias Distritais não ter deliberado sobre o destino da sua Universalidade.
Depois, de entre as poucas que cumpriram essa obrigação, algumas viram essa hipótese gorada devido à omissão de pronúncia de aceitação atempada por parte da Entidade Recetora (Beja e Lisboa).
Das Assembleias Distritais que comunicaram a sua decisão dentro do prazo estabelecido:
1)  Há as que optaram por soluções de duvidoso enquadramento no texto da lei pois não possuindo nenhum serviço aberto ao público há mais de seis anos ainda assim criaram uma associação de municípios de fins específicos só prevista para aquelas situações (Santarém).
2)  As que avançaram na integração plena antes de cumpridos todos os requisitos formais transferindo património, Serviços e pessoal para a nova Entidade Recetora vários meses antes de publicado o despacho que dava eficácia externa à decisão (Setúbal).
3)  E as que resolveram esperar pelo indispensável aval do Governo para procederem à concretização da deliberação (Porto).
No que se refere ao património predial das Assembleias Distritais que ficaria de fora da definição das suas Universalidades por alegadamente ter sido transferido para o Estado em 1991 e desde então vinha sendo gerido pela Administração Central, o Governo esqueceu-se de cumprir o prazo por si estabelecido e apenas faz publicar o respetivo despacho quatro meses depois de findo o prazo citado no n.º 2 do artigo 8.º da Lei 26/2014, o que torna o ato nulo nos termos do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo.
Entrados na primeira fase do processo de determinação subsidiária da Entidade Recetora, a maioria das entidades supramunicipais contactadas pelo Governo deliberou aceitar as Universalidades das Assembleias Distritais da sua zona. Hoje (dia 23-03-2015) sabe-se que apenas em dois casos houve recusa expressa, protelando por mais uns meses a angústia quanto ao futuro dos trabalhadores (catorze no seu total) e o impasse sobre o destino do valioso património predial mas, sobretudo, cultural que está aqui em causa (Museus e Bibliotecas) e que parece não interessar aos autarcas:
1)  Em Beja, onde apesar do Conselho Executivo da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo ter deliberado aceitar a Universalidade da ADB, a Assembleia Intermunicipal reprovou o Plano e Orçamento que formalizava essa aceitação.
2) Em Lisboa, onde por proposta do Secretariado o Conselho Metropolitano deliberou rejeitar a Universalidade da ADL.
Mas a novela das Assembleias Distritais não se fica por aqui.
Nesta data, que nos tenhamos apercebido, foram já publicados os despachos de transferência das Universalidades das Assembleias Distritais de Évora e Setúbal (no dia 25 de fevereiro) e de Braga, Bragança, Castelo Branco, Leiria, Porto e Viseu (9 de março).
Estranhamente, trata-se de um texto de poucas palavras, generalista, que apenas identifica a lei, a Assembleia Distrital e a Entidade Recetora da respetiva Universalidade sem enunciar num único tópico quais são, nomeadamente, os bens imóveis cujo registo predial carece de ser atualizado, condição imprescindível para qualquer conservador efetuar a correspondente alteração sem que subsistam dúvidas na identificação dos bens em causa.
É notória a pressa deste Governo em despachar este assunto. Por isso fazem da legislação “letra morta”, perdoam as muitas irregularidades processuais cometidas pelas autarquias (aliás, quando o próprio Governo não cumpre as regras que moral têm, de facto, para exigir aos outros seja o que for?) e até desculpam faltas de documentos (nomeadamente certidões comprovativas da titularidade do património). O que interessa é arrumar (aparentemente) a questão quanto antes (custe o que custar) e quem vier a seguir que resolva a trapalhada.
Parece-nos contudo que esta “deficiente” redação é intencional, à semelhança do texto da legislação. Porquê?
Simples: tal como acreditamos que a Lei 36/2014 terá sido assim preparada para impedir que as Assembleias Distritais pudessem interpor processos em Tribunal reclamando por justiça (como aconteceu com a de Lisboa que viu o Tribunal recusar-lhe a aceitação da impugnação do Despacho do Governo publicado quatro meses depois do prazo e a Câmara de Lisboa absolvida do pagamento das quotas que se recusa a pagar desde janeiro de 2012, com base no argumento de que perdera capacidade judicial ativa cabendo essa diligência à futura Entidade Recetora), quer-nos parecer que também estes últimos despachos (de transferência das Universalidades) são propositadamente vagos e não identificam um único bem para que os processos na posse do Governo e que apresentam falhas possam ser, entretanto, completados mesmo que isso signifique a possibilidade de serem cometidas graves infrações.
Por isso é caso para dizer: CHEGA DE INCOMPETÊNCIA, ACABOU A MINHA PACIÊNCIA!
Lamentável é que a maioria dos autarcas que compõem as Assembleias Distritais, em particular os de Beja e de Lisboa, prefiram enredar-se em questiúnculas político partidárias e não se importem de continuar a prejudicar os trabalhadores.

Sobre o caso da Assembleia Distrital de Lisboa toda a informação encontra-se disponível AQUI.

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