A propósito da atuação deste
Governo já muito se tem falado sobre o culto da incompetência e a chocante desresponsabilização
política dos titulares dos diversos órgãos da Administração Pública que promove.
Ainda assim não posso deixar de aqui vos
trazer mais um flagrante exemplo disso mesmo. E com provas concretas do que
afirmo.
Trata-se da situação das
Assembleias Distritais, entidades deliberativas supramunicipais previstas no
artigo 291.º da Constituição da República Portuguesa, cujo regime jurídico foi
recentemente alterado com a publicação da Lei n.º 36/2014, de 26 de junho.
Embora a redação inicial da
Proposta n.º 212/XII do Governo, mercê da intervenção da “Comissão de
Trabalhadores das Assembleias Distritais” e da “Associação Nacional de
Municípios Portugueses” em sede de discussão na especialidade onde ambas foram
ouvidas, tenha sofrido algumas alterações que a melhoraram (nomeadamente a
introdução da norma provisória do artigo 9.º sobre a obrigatoriedade dos
municípios liquidarem as dívidas destinadas ao pagamento dos encargos previstos
no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, agora revogado), certo
é que este diploma acabou por ser publicado com sérias deficiências.
Desde logo por não prever,
especificamente, um período de transição com regras claras e objetivas a
cumprir após a entrada em vigor da lei (a 1 de julho) e até à transferência
plena e efetiva das Universalidades Jurídicas das AD (património, serviços,
pessoal, ativos e passivos financeiros) para as novas Entidades Recetoras.
Essa falha acabou por ter uma
consequência perversa: a falência das AD que dependiam das contribuições dos
municípios para proceder ao funcionamento regular dos Serviços e à existência
de salários em atraso por meses consecutivos, como aconteceu no caso do
distrito de Lisboa em consequência da posição intransigente da autarquia da capital,
por opção pessoal do seu presidente.
Posição ilegal escudada na
interpretação “sue generis” de que após a entrada em vigor da Lei 36/2014, não
têm a quem pagar pois as Assembleias Distritais estão proibidas de arrecadar
receitas e efetuar despesas, conforme assim o determina o seu novo regime jurídico
– por coincidência também o artigo 9.º mas do anexo ao citado diploma –
esquecendo-se, contudo, que os trabalhadores que exerciam funções nestas
entidades em 30 de junho lá continuariam no dia 1 de julho e até à conclusão do
processo de transferência da Universalidade que poderia, no mínimo, durar cerca
de seis meses.
Se a incompetência do Governo nesta
matéria das Assembleias Distritais é revoltante, a falta de senso dos juízes do
Tribunal Administrativo que se permitiram, em oposição àquela que é a vontade dos
próprios deputados de todas as bancadas e que se encontra expressa no Diário da Assembleia da República de dia
02-04-2014, reinterpretar a “intenção do legislador” e determinaram que a
partir de dia 1 de julho as Assembleias Distritais deixaram de ter
personalidade judicial ativa legitimando o confisco dos direitos dos
trabalhadores, é chocante.
Com o Acórdão de 15-01-2015 do
Tribunal Central Administrativo Sul consubstanciou-se aquilo que num Estado de
direito democrático nunca deveria acontecer: a Justiça a validar a incompetência
de uns e a colocar-se ao serviço da política, em prejuízo dos únicos que não
têm quaisquer responsabilidades na matéria (os trabalhadores), o que é
incompreensível e, sobretudo, de uma crueldade atroz pelas suas injustas consequências.
Na prática, e tendo presente o
caso concreto da Assembleia Distrital de Lisboa, o que o TCAS acabou por nos
dizer foi que os sete meses de salário em atraso (além do subsídio de férias) que
já existiam em 1 de julho, e a partir dessa data mais uns quantos meses
consecutivos por tempo indeterminado, eram um simples dano colateral insignificante
do ponto de vista jurídico por comparação com a importância que tinham os superiores
interesses da Câmara de Lisboa, e a confirmação da sentença da 1.ª
instância significou que os juízes davam o seu aval a uma atitude assumida a título
pessoal, à margem da lei e à revelia dos órgãos autárquicos do município.
Voltando de novo à flagrante incompetência
deste Governo e à inimputabilidade atrás da qual os seus membros se protegem,
passando pela conivência da Assembleia da República na preparação do embuste que
recusa admitir até ao fiasco que a Lei 36/2014 representa, embora todos
prefiram fingir que foi a solução ideal para acabar com as indesejadas Assembleias
Distritais.
Começamos por constatar o facto
de a maioria das Assembleias Distritais não ter deliberado sobre o destino da
sua Universalidade.
Depois, de entre as poucas que
cumpriram essa obrigação, algumas viram essa hipótese gorada devido à omissão
de pronúncia de aceitação atempada por parte da Entidade Recetora (Beja e
Lisboa).
Das Assembleias Distritais que comunicaram
a sua decisão dentro do prazo estabelecido:
1) Há as que optaram por soluções de duvidoso
enquadramento no texto da lei pois não possuindo nenhum serviço aberto ao
público há mais de seis anos ainda assim criaram uma associação de municípios
de fins específicos só prevista para aquelas situações (Santarém).
2) As que avançaram na integração plena antes de cumpridos
todos os requisitos formais transferindo património, Serviços e pessoal para a
nova Entidade Recetora vários meses antes de publicado o despacho que dava
eficácia externa à decisão (Setúbal).
3) E as que resolveram esperar pelo indispensável aval
do Governo para procederem à concretização da deliberação (Porto).
No que se refere ao património
predial das Assembleias Distritais que ficaria de fora da definição das suas
Universalidades por alegadamente ter sido transferido para o Estado em 1991 e desde
então vinha sendo gerido pela Administração Central, o Governo esqueceu-se de cumprir
o prazo por si estabelecido e apenas faz publicar o respetivo despacho quatro
meses depois de findo o prazo citado no n.º 2 do artigo 8.º da Lei 26/2014, o
que torna o ato nulo nos termos do artigo 133.º do Código do Procedimento
Administrativo.
Entrados na primeira fase do
processo de determinação subsidiária da Entidade Recetora, a maioria das entidades
supramunicipais contactadas pelo Governo deliberou aceitar as Universalidades
das Assembleias Distritais da sua zona. Hoje (dia 23-03-2015) sabe-se que
apenas em dois casos houve recusa expressa, protelando por mais uns meses a angústia
quanto ao futuro dos trabalhadores (catorze no seu total) e o impasse sobre o
destino do valioso património predial mas, sobretudo, cultural que está aqui em
causa (Museus e Bibliotecas) e que parece não interessar aos autarcas:
1) Em Beja, onde apesar do Conselho Executivo da
Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo ter deliberado aceitar a
Universalidade da ADB, a Assembleia Intermunicipal reprovou o Plano e Orçamento
que formalizava essa aceitação.
2) Em Lisboa, onde por proposta do Secretariado o
Conselho Metropolitano deliberou rejeitar a Universalidade da ADL.
Mas a novela das Assembleias
Distritais não se fica por aqui.
Nesta data, que nos tenhamos
apercebido, foram já publicados os despachos de transferência das
Universalidades das Assembleias Distritais de Évora e Setúbal (no dia 25 de fevereiro)
e de Braga, Bragança, Castelo Branco, Leiria, Porto e Viseu (9 de março).
Estranhamente, trata-se de um
texto de poucas palavras, generalista, que apenas identifica a lei, a
Assembleia Distrital e a Entidade Recetora da respetiva Universalidade sem enunciar
num único tópico quais são, nomeadamente, os bens imóveis cujo registo predial
carece de ser atualizado, condição imprescindível para qualquer conservador efetuar
a correspondente alteração sem que subsistam dúvidas na identificação dos bens
em causa.
É notória a pressa deste Governo
em despachar este assunto. Por isso fazem da legislação “letra morta”, perdoam as
muitas irregularidades processuais cometidas pelas autarquias (aliás, quando o próprio
Governo não cumpre as regras que moral têm, de facto, para exigir aos outros seja
o que for?) e até desculpam faltas de documentos (nomeadamente certidões
comprovativas da titularidade do património). O que interessa é arrumar (aparentemente)
a questão quanto antes (custe o que custar) e quem vier a seguir que resolva a
trapalhada.
Parece-nos contudo que esta “deficiente”
redação é intencional, à semelhança do texto da legislação. Porquê?
Simples: tal como acreditamos que
a Lei 36/2014 terá sido assim preparada para impedir que as Assembleias
Distritais pudessem interpor processos em Tribunal reclamando por justiça (como
aconteceu com a de Lisboa que viu o Tribunal recusar-lhe a aceitação da
impugnação do Despacho do Governo publicado quatro meses depois do prazo e a
Câmara de Lisboa absolvida do pagamento das quotas que se recusa a pagar desde
janeiro de 2012, com base no argumento de que perdera capacidade judicial ativa
cabendo essa diligência à futura Entidade Recetora), quer-nos parecer que também
estes últimos despachos (de transferência das Universalidades) são propositadamente
vagos e não identificam um único bem para que os processos na posse do Governo
e que apresentam falhas possam ser, entretanto, completados mesmo que isso
signifique a possibilidade de serem cometidas graves infrações.
Por isso é caso para dizer: CHEGA
DE INCOMPETÊNCIA, ACABOU A MINHA PACIÊNCIA!
Lamentável é que a maioria dos
autarcas que compõem as Assembleias Distritais, em particular os de Beja e de Lisboa,
prefiram enredar-se em questiúnculas político partidárias e não se importem de continuar
a prejudicar os trabalhadores.
Sobre o caso da Assembleia
Distrital de Lisboa toda a informação encontra-se disponível AQUI.
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