A novela das Assembleias
Distritais, no caso de Beja e de Lisboa, continua a arrastar-se num impasse que
apenas está a prejudicar os trabalhadores e a deixar sem destino definido o
património cultural. Tudo porque à frente de quaisquer interesses que visem a
defesa de uns e de outro, estão objetivos políticos e partidários pouco
transparentes a que se juntam a incompetência do Governo para resolver a
situação (como
já aqui demonstrámos) e a incoerência das autarquias envolvidas (como
adiante pretendemos evidenciar).
O exemplo que iremos analisar é o
de Lisboa onde o enredo é kafkiano e bastante mais complexo do que em Beja. As raízes
do problema remontam há três décadas atrás com a preparação do esquema
(1980 – 1991) que levaria ao confisco
(1991 – 2011) do valioso património predial da Assembleia Distrital
(quintas seculares, lotes de terreno para construção, bairros sociais,
edifícios de serviços no centro da capital) que desde sempre despertou a cobiça
do Governo o qual soube aproveitar muito bem o desinteresse das autarquias onde
esses bens se localizam (Amadora, Lisboa, Loures e Odivelas) apesar de, perante
as consequências
(2011 – 2013) da gestão danosa que levou à degradação desses bens (vários
estão mesmo em ruínas) alguns responsáveis autárquicos tenham começado,
finalmente, a mostrar preocupação com a situação e, por isso, a Assembleia
Distrital deliberou, em 11-02-2011,
que fosse realizado o estudo
pormenorizado e o inventário detalhado
desses imóveis o qual foi concluído dois anos depois e consta do Capítulo II do
Relatório e Contas de 2013, aprovado
por maioria, sem votos contra, na reunião
de 04-06-2014.
Ponto Um
Embora a Lei
n.º 36/2014 só viesse a ser publicada em 26 de junho, atendendo a que o
Parlamento já havia aprovado o texto final da proposta do Governo, colocada
perante os cenários
possíveis para definição da sua Universalidade Jurídica e depois de
devidamente informada das consequências
de cada uma das opções na reunião
realizada em 04-06-2014, a Assembleia Distrital de Lisboa escolheu avançar
com a hipótese que considerava a integração de todo o património predial
inventariado.
A decisão acima identificada foi
assumida pelos representantes dos municípios de Alenquer, Arruda dos Vinhos,
Azambuja, Cadaval, Loures, Lourinhã, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sobral de Monte
Agraço e Torres Vedras.
Ponto dois
Para dar cumprimento àquela
intenção, a Assembleia Distrital aguardou pela publicação do Despacho referido
no n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 36/2014, de 26 de junho. E só depois de terminado
o prazo legalmente estabelecido para o efeito, verificado que tal ato não fora
publicado, é que a ADL emitiu um comunicado
de imprensa e os serviços avançaram, então, com a definição da sua Universalidade
Jurídica, a qual só viria a ser aprovada na reunião
efetuada em 12-09-2014 assim como a proposta
para a sua transferência.
Nesta reunião estavam presentes
os municípios de Alenquer, Amadora, Arruda dos Vinhos, Cadaval, Cascais,
Lisboa, Loures, Lourinhã, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sintra, Sobral de Monte
Agraço e Vila Franca de Xira, cujos representantes votaram
maioritariamente a favor (26) e apenas 3 se abstiveram. Não houve votos
contra.
Ponto três
Depois de desenvolvidas as
diligências necessárias ao esclarecimento das dúvidas surgidas em 12-09-2014,
nomeadamente sobre a posição do Município de Lisboa para quem fora deliberado
transferir a Universalidade (com as exceções do património localizado nos
concelhos da Amadora, Loures, Odivelas e Vila Franca de Xira), e que se
mantiveram em 17-10-2014
levando à suspensão dos trabalhos, tendo os representantes do Município da
capital garantido que a Câmara de Lisboa ia aceitar a Universalidade, a
proposta definitiva sobre a
transferência foi finalmente aprovada em 24-10-2014 com 29 votos a favor
(dos representantes dos municípios de Alenquer, Amadora, Arruda dos Vinhos,
Cascais, Lisboa, Loures, Lourinhã, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sintra, Sobral de
Monte Agraço e Vila Franca de Xira) e uma abstenção (do município do Cadaval).
Ponto quatro
De seguida, para dar cumprimento
ao estabelecido na alínea b) do n.º 5 do artigo 3.º da Lei n.º 36/2014, deu-se
início ao processo de aceitação do património pelos órgãos deliberativos
autárquicos:
Assembleia
Municipal de Loures, em 27-11-2014;
Assembleia
Municipal de Odivelas, em 20-11-2014;
Assembleia
Municipal de Vila Franca de Xira, em 26-11-2014.
A Assembleia Municipal da Amadora,
apesar
da concordância da Câmara, não chegou a pronunciar-se sobre a matéria (por
motivos que desconhecemos), tal como a Assembleia Municipal de Lisboa que, por
omissão de pronúncia, levou a que se entrasse no processo de determinação
subsidiária da Entidade Recetora.
Ponto cinco
No que se refere ao Município de
Lisboa, apenas em 15-01-2015 (um mês depois de findo o prazo para a Assembleia
Distrital ter entregado o processo ao Governo) é que acabou por comunicar que,
afinal, rejeitava
a Universalidade e ainda assim fê-lo utilizando
argumentos não verdadeiros.
O comportamento ilícito da
autarquia de Lisboa, no que se refere à recusa em pagar as contribuições a que
estava obrigada (artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro – uma obrigação
que a Lei n.º 36/2014, de 26 de junho, veio mandar regularizar), levando a Assembleia
Distrital de Lisboa à falência deliberada, ao encerramento compulsivo dos
Serviços de Cultura e à existência de salários em atraso há vários meses
consecutivos, encontra-se detalhado ao pormenor no documento Assembleia
Distrital versus Câmara Municipal de Lisboa: Factos & Contradições,
o qual também descreve a atuação de má-fé do município no âmbito do processo de
transferência da Universalidade Jurídica e que impediu fosse possível encontrar
uma solução alternativa para a sua destinação levando à determinação
subsidiária da Entidade Recetora.
Ponto seis
No âmbito do processo subsidiário
previsto no artigo 5.º da Lei n.º 36/2014, o
Governo contactou a Área Metropolitana de Lisboa que veio a deliberar, no
passado dia 19-03-2015, não
aceitar a Universalidade da Assembleia Distrital de Lisboa em termos que mereceram
alguns esclarecimentos
da Assembleia Distrital.
A deliberação foi tida por
unanimidade com 15 votos a favor dos municípios de Alcochete, Almada, Barreiro,
Lisboa, Loures, Mafra, Moita, Odivelas, Oeiras, Palmela, Seixal, Sesimbra,
Setúbal, Sintra e Vila Franca de Xira.
Ponto sete
Comunicada ao Governo a rejeição
expressa acima referida, este irá agora notificar a Assembleia Municipal de
Lisboa para que este órgão se pronuncie sobre a Universalidade da Assembleia
Distrital.
Ora acontece que, tendo presente
qual foi o comportamento
dos dois membros deste órgão na Assembleia Distrital (a presidente da AML,
Arq.ª Helena Roseta, e do presidente da Junta de Freguesia do Beato, Eng.º Hugo
Pereira) – e que se pode constatar lendo as respetivas atas das sessões de 12-09-2014
e de 17
e 24-10-2014 –, a sucessiva rejeição das recomendações sobre a situação da
Assembleia Distrital (em 26-11-2013,
17-06-2014
e 16-09-2014)
e, por fim, aquela que acabou sendo a posição oficial da Câmara Municipal,
muito dificilmente este órgão colegial autárquico irá aceitar a Universalidade
da ADL porque, por mais elementos que possamos apresentar e que demonstrem, de
forma clara e objetiva as mentiras
que fundamentam a alegada “falta de interesse na transferência dos equipamentos
culturais da Assembleia Distrital para o Município de Lisboa”, ao que tudo
indica, a subserviente bancada do PS nunca ousará contrariar aquela que tem
sido a vontade de António Costa de aniquilar esta entidade e de remeter para a
Administração Central a responsabilidade, nomeadamente, pelo pagamento das
dívidas aos trabalhadores (sete meses de salários em atraso e o subsídio de
férias).
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Alegadamente a posição da Câmara
de Lisboa e, também, a da Área Metropolitana estará relacionada com o facto de
considerarem que a Universalidade da Assembleia Distrital, nesta data, já não é
aquela que constava da proposta
aprovada em 24-10-2014.
Isto porque o Governo,
entretanto, publicara em 26-11-2014 o Despacho
a que se referia o n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 36/2014 apropriando-se de
todo o património predial que a Assembleia Distrital integrara na sua
Universalidade, protelando o imbróglio jurídico existente desde 1991. Isto
porque, nos termos do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo, aquele
ato é nulo dado ter sido publicado quatro meses depois do prazo legalmente
definido para o efeito.
Contudo, depois do Tribunal
Central Administrativo Sul em 15-01-2015, numa interpretação bastante polémica
por estar completamente desfasada da realidade e validar uma ocorrência
inconstitucional – a existência de salários em atraso por tempo indeterminado (como
se demonstra no artigo “desajustes
de um acórdão”), ter concluído que as Assembleias Distritais perderam
personalidade jurídica ativa a partir do dia 01-07-2014 (data da entrada em
vigor da Lei n.º 36/2014) e, portanto, já não podem reclamar os seus direitos em
juízo, a impugnação do despacho do Governo de 26-11-2014 foi recusada.
Para obstar à impossibilidade da
Assembleia Distrital ser parte em juízo e poder defender os seus direitos no
Tribunal (que é como quem diz, os direitos dos municípios que pertencem ao
distrito e que têm nos seus concelhos o património predial em causa: Amadora, Lisboa,
Loures e Odivelas), acabei fazendo denúncia ao
Ministério Público em 16-02-2015 contra este que apelidei de “golpe de
mestre” (que visa impedir a reposição da justiça face ao confisco de 1991) e
que a PGR
entretanto já enviou para o DIAP de Lisboa.
Se a intenção dos autarcas era
chegar a este ponto e entregar tudo de “mão beijada” (património predial, Serviços
de Cultura – Arquivo Distrital, Biblioteca, Museu Etnográfico, Núcleo de
Investigação, Setor Editorial e pessoal) ao Estado, por que razões:
Aprovaram na Assembleia Distrital,
1. Em 11-02-2011,
que fosse realizado o estudo completo e a inventariação detalhada do património predial registado em nome da Assembleia Distrital de Lisboa?
2. Em 08-05-2013,
os documentos
provisionais e de prestação
de contas que na sua essência estavam centrados na realização daquele
objetivo (estudo e inventariação do património predial)?
3. Em 04-06-2014,
o Relatório
e Contas de 2013 mas, sobretudo, por que escolheram o cenário
que contemplava o património predial como parte integrante da
Universalidade Jurídica da entidade?
4. Em 24-10-2014,
a proposta definitiva de transferência da sua Universalidade para o Município
de Lisboa com as exceções nela considerada?
E aprovaram nos seus Municípios,
5. Assembleia
Municipal de Loures, em 27-11-2014, aceitar a Quinta
dos Travassos e a Castanheira do Burriquinho?
6. Assembleia
Municipal de Odivelas, em 20-11-2014, aceitar os muitos
prédios rústicos, incluindo quintas seculares, além de alguns urbanos e
outros destinados a usos diversos?
7. Assembleia
Municipal de Vila Franca de Xira, em 26-11-2014, aceitar o espólio
do Museu Etnográfico?
Se, afinal, património predial e
Serviços de Cultura (Arquivo Distrital, Biblioteca, Museu Etnográfico, Núcleo
de Investigação, Setor Editorial e pessoal) eram para ser tratados desta forma displicente,
8. Por que não foi logo assumido em sede própria (a
Assembleia Distrital) outro cenário e outro destino para a Universalidade e se
deixou arrastar o problema para este impasse de contradições que só
tem vindo a prejudicar os trabalhadores?
Mas a principal pergunta que se
impõe é:
9. O que leva os(s) autarcas a terem posições tão
divergentes consoante o lugar que ocupam? Isto é, o que justifica que na
Assembleia Distrital assumam uma posição, nos órgãos municipais (câmara e
assembleia) outra e no Conselho Metropolitano ainda outra?
CONCLUSÃO:
Esta incoerência dos(as) autarcas,
a juntar à incompetência
do Governo prenuncia nos tempos mais próximos um futuro negro para a
Assembleia Distrital de Lisboa e arrasta prejuízos acrescidos para quem ainda
aqui exerce funções, como é o meu caso, que continuo à espera que me paguem os
sete meses de salário e o subsídio de férias de 2014 (cinco deles há mais de um
ano) e a partir deste mês volto a estar sem vencimento por tempo indeterminado,
além de que, por incúria de alguns políticos, é mais do que certo que o valioso
património cultural desta entidade irá ficar ao abandono tal qual assim esteve
a degradar-se (nalguns casos até à ruína completa) o património predial da ADL
enquanto esteve a ser gerido pela Administração Central a quem os municípios
resolveram, agora, entregar tudo por se recusarem a assumir as suas
responsabilidades.
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