Este é o título de um artigo da autoria de Paul
Claval, conceituado geógrafo francês nascido em 1932, professor emérito da
Universidade de Paris-Sorbonne, agraciado com o prémio Vautrin Lud (considerado
o prémio Nobel da geografia) em 1996, traduzido por Guilherme Ribeiro, e foi
publicado na revista brasileira de geografia económica Espaço e
Economia (ano I, número 1, 2012).
Através de uma linguagem concisa, mas rigorosa,
e recorrendo a uma profícua revisão da literatura, Paul Claval apresenta-nos o
percurso da ciência regional desde os seus primórdios até ao presente,
colocando-nos perante questões pertinentes que obrigam à necessária reflexão
acerca dos conceitos e respetiva aplicabilidade, mas, sobretudo, sobre o papel
de cada uma das disciplinas que compõem o ramo do saber objeto de estudo neste
artigo.
Entre a breve introdução e a extensa
bibliografia, o artigo encontra-se estruturado em quatro capítulos os quais se
encontram organizados por subtemas, dos quais falaremos mais adiante:
I. A origem das reflexões sobre espaço e região;
II. Uma primeira bifurcação: o surgimento da
ciência regional;
III. Uma segunda série de questionamentos;
IV. Conclusão.
Numa perspetiva histórica sumária, mas onde a
profusão de referências nos permite fazer uma pesquisa detalhada se for esse o
nosso interesse, o autor começa por nos relatar os tempos que designa dos
“primeiros saberes geográficos” (Claval, 2012, p. 2), que datam de séculos
anteriores.
Depois dessa primeira abordagem, Paul Claval
conduz-nos com mestria através de uma reflexão conceptual sobre o conceito de
espaço, indo das origens e significado da economia espacial até à geografia
económica, na procura do substrato que dê significado à ciência regional que
procura definir e enquadrar, tal como Phlipponneau fez no seu “panorama da
geografia” ao descrever aquilo que designou por “acomodação do espaço” (1964,
p. 32).
Numa breve passagem pelos urbanistas e
planeadores que antecederam o saber da geografia regional, Paul Claval passa de
imediato para o enquadramento metodológico do pensamento económico comparando as
diferentes formas como as ciências sociais olham o espaço através dos vetores
de localização das atividades produtivas, dos impactos territoriais e dos
reflexos na hierarquização e configuração das áreas urbanas (Vasconcellos,
1984).
O subcapítulo seguinte encabeça uma crítica à
“quase ausência das ciências políticas” (Claval, 2012, p. 4) e ao citar a
proposta de uma análise sociológica da ocupação do território de Max Weber,
pressupõe a necessidade de haver uma experiência em rede que consolide o
conhecimento sobre as diferentes formas de pensar e usar o espaço (Ribeiro,
2015).
E eis que chegamos ao surgimento da ciência
regional, que Paul Claval subdivide em cinco partes:
- O desenvolvimento desigual e as taxas de crescimento;
- As novas bases da economia da região;
- Uma nova geografia económica;
- O espaço das outras ciências sociais;
- Planejadores e urbanistas.
Sempre com uma preocupação retrospetiva que nos
faça perceber as razões epistemológicas que sustentam o nascimento da ciência
regional, Paul Claval descreve-nos os diferentes métodos de análise e os seus
autores para explicar, sucintamente, o fenómeno do crescimento económico na sua
relação temporal com as diferentes teorias sobre organização espacial e a
problemática do desenvolvimento regional integrado (Lopes, 1987) tendo sempre
em atenção as consequências derivadas da evolução histórica dos vários modelos
territoriais e o efeito na restruturação dos espaços ocupados (Mendez, 1997).
No capítulo terceiro, Paul Claval apresenta-nos
sete áreas que sintetizam outras tantas preocupações sobre as quais nos deixa
pistas concretas para reflexão e um vasto leque de referências bibliográficas
para que possamos colher informação complementar além daquela que nos deixa
estruturada de forma exemplar:
- Progresso dos transportes e das telecomunicações, globalização, contra-urbanismo e metropolização;
- As cadeias produtivas face à globalização;
- A passagem de uma economia dominada pela oferta a uma economia dominada pela demanda;
- A primeira fase do movimento: anos 1970 e início dos anos 1980;
- O novo regionalismo (new regionalismo);
- Desde o fim dos anos 1990: as críticas ao novo regionalismo;
- Uma dupla reflexão sobre a natureza dos territórios e sobre a natureza das informações relevantes para o domínio económico.
Percorrendo os temas acima enumerados, numa
linguagem que usa o discurso parentético para indicar a cada definição os autores
que melhor expressaram essa opinião, Paul Claval faz uma sequenciação notável
dos factos que representam a evolução do pensamento económico nas ciências sociais.
Metodologia esta que Dias & Seixas (2019) também seguem quando nos apresentam
as interdependências sistémicas da trilogia desenvolvimento regional –
políticas públicas – coesão territorial.
A importância dos meios de transportes, a
crescente mobilidade entre regiões, a revolução das telecomunicações e os
efeitos territoriais da globalização são, também, abordados neste artigo para
explicar, nomeadamente, o fenómeno que designa por metropolização sendo um
deles “a diminuição significativa do poder do Estado sobre a economia” (Claval,
2012, p. 10).
Pela leitura isolada deste penúltimo capítulo
ficaríamos com a convicção de que, apesar do pendor geográfico das análises
territoriais, seria a economia a sustentar a ciência regional. Contudo, uma
leitura mais atenta torna evidente o cuidado que o autor teve em demonstrar o caráter
polissémico desta disciplina ao longo do tempo, sobretudo ao reconhecer os
contributos da antropologia, da sociologia, da história, da geografia, da
gestão e até da ciência política.
Quando se refere ao espaço como estando
“pontuado por lugares onde a memória se acumula, onde conhecimentos são criados
e se perpetuam” (Claval, 2012, p. 12), o autor está a reconhecer a relevância da
Etnologia (embora nunca o admita) como elemento estruturante da ciência
regional, visão com a qual estamos inteiramente de acordo pois, em nossa
opinião, esta será uma disciplina essencial para compreender as transformações culturais
da sociedade e dos seus impactos territoriais.
Esta subtil dimensão cultural (que Paul Claval neste
artigo parece recusar nomear como tal) vem, no entanto, conferir à abordagem
economicista da ciência regional uma perspetiva integradora, mais humana e
próxima da realidade, permitindo-nos descobrir o caráter identitário de cada
região e assim compreender melhor os elementos que o compõem para poder conceber,
valorizar e concretizar políticas públicas com efetiva eficácia ao nível coesão
territorial (Santinha, 2014).
Contudo, sabendo nós da importância que Paul
Claval dá a esta temática (como o evidencia a sua emblemática obra A
geografia cultural, 1995 – livro a que, infelizmente, não tivemos
oportunidade de aceder) não temos quaisquer dúvidas de que o cariz
interdisciplinar que o autor atribui à geografia regional inclui,
necessariamente, a cultura como um pilar fundamental na análise dos
territórios.
Como conclusão, Paul Claval aponta-nos a
dificuldade da sociedade em “pensar o espaço” como um sistema dinâmico
alertando para a necessidade de não se negligenciar a multiplicidade de aspetos
que o compõem. Para o efeito é importante que a “produção geográfica” e a
“ciência económica” deixem de percorrer caminhos separados e trabalhem em
conjunto para resolver os cada vez mais complexos problemas do presente (Pontes
& Salvador, 2013).
Diz-nos ainda Paul Claval, a terminar o seu
artigo, que a evolução na compreensão do espaço tem sido notória e que resultou
da capacidade multidisciplinar inclusiva que nos permite apreender “o espaço a
partir de um corpo de hipóteses concernentes à sua organização” (Claval, 2012,
p. 15) mostrando-nos a importância da interconexão entre território e
sustentabilidade (Capello & Nijkamp, 2013).
Ensinamentos que, aplicados ao caso português,
levam-nos até às palavras de Reis (2018, p. 261-263), quando se refere às
condições que fazem de Portugal uma periferia: a existência de “desequilíbrios
e descoincidências persistentes entre a economia e a sociedade e em formas de
dependência que vão evidenciando fragilidades diversas” e que nos servem para
“relembrar que as economias laboram em contextos institucionais, históricos,
geográficos, culturais, sociais e políticos precisos e que não se pode reduzir
o que é económico a um qualquer mecanismo descarnado, sob pena de ficarmos sem
perceber o eu é a economia.”
Este artigo, apesar da profusão de detalhes
(nomeadamente bibliográficos), encontra-se redigido de forma simples e clara.
Estas caraterísticas, aliadas ao rigor cronológico da informação prestada e à
abrangência de prismas de análise do objeto de estudo transforma-o numa lição
fundamental para a compreensão da ciência regional.
Referências bibliográficas:
Capello,
R. & Nijkamp, P. (2013). Revisitar teorias de desenvolvimento regional. In,
Costa, J. S. & Nijkamp, P. (Coord.), Compêndio de economia regional (Reimp.).
I, pp. 287-317.
Dias,
R. C. & Seixas, P. C. (2019). Territorialização de políticas públicas,
processo ou abordagem? Revista Portuguesa
de Estudos Regionais, 55, 47-60. Disponível em:
http://www.apdr.pt/siteRPER/numeros/RPER55/55.3.pdf
Lopes, A. S. (1987). Desenvolvimento regional. Problemáticas,
teorias, modelos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkien.
Mendez, Ricardo (1997). Geografia económica: a lógica espacial do
capitalismo global. Barcelona: Ariel.
Phlipponneau, M. (1964). Geografia e acção. Introdução à geografia
aplicada. Lisboa: Edição Cosmos.
Pontes, J. P. & Salvador,
R. (2013). A nova geografia económica. In, Costa, J. S. & Nijkamp, P.
(Coord.), Compêndio de economia regional (Reimp.). I, pp. 269-286.
Reis, J. (2018). A
economia portuguesa. Formas de economia política numa periferia persistente
(1960-2017). Coimbra: Almedica.
Ribeiro, L. C. Q. (ed.)
(2015). Metrópoles: território, coesão
social e governança democrática. Rio de Janeiro: Observatório das
Metrópoles – Instituo Nacional de Ciência e Tecnologia.
Santinha, G. (2014). O princípio
de coesão territorial enquanto novo paradigma de desenvolvimento na formulação
de políticas públicas: (re)construindo ideias dominantes. EURE, 40 (119), pp. 75-97. Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/eure/v40n119/art04.pdf
Vasconcellos, A. V. (1984). Economia urbana. Lisboa: Rés.
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