sexta-feira, 30 de outubro de 2020

ESPAÇO E TERRITÓRIO: AS BIFURCAÇÕES DA CIÊNCIA REGIONAL

 

Este é o título de um artigo da autoria de Paul Claval, conceituado geógrafo francês nascido em 1932, professor emérito da Universidade de Paris-Sorbonne, agraciado com o prémio Vautrin Lud (considerado o prémio Nobel da geografia) em 1996, traduzido por Guilherme Ribeiro, e foi publicado na revista brasileira de geografia económica Espaço e Economia (ano I, número 1, 2012).


Através de uma linguagem concisa, mas rigorosa, e recorrendo a uma profícua revisão da literatura, Paul Claval apresenta-nos o percurso da ciência regional desde os seus primórdios até ao presente, colocando-nos perante questões pertinentes que obrigam à necessária reflexão acerca dos conceitos e respetiva aplicabilidade, mas, sobretudo, sobre o papel de cada uma das disciplinas que compõem o ramo do saber objeto de estudo neste artigo.

Entre a breve introdução e a extensa bibliografia, o artigo encontra-se estruturado em quatro capítulos os quais se encontram organizados por subtemas, dos quais falaremos mais adiante:

      I.     A origem das reflexões sobre espaço e região;

    II.     Uma primeira bifurcação: o surgimento da ciência regional;

   III.     Uma segunda série de questionamentos;

  IV.     Conclusão.

Numa perspetiva histórica sumária, mas onde a profusão de referências nos permite fazer uma pesquisa detalhada se for esse o nosso interesse, o autor começa por nos relatar os tempos que designa dos “primeiros saberes geográficos” (Claval, 2012, p. 2), que datam de séculos anteriores.

Depois dessa primeira abordagem, Paul Claval conduz-nos com mestria através de uma reflexão conceptual sobre o conceito de espaço, indo das origens e significado da economia espacial até à geografia económica, na procura do substrato que dê significado à ciência regional que procura definir e enquadrar, tal como Phlipponneau fez no seu “panorama da geografia” ao descrever aquilo que designou por “acomodação do espaço” (1964, p. 32).

Numa breve passagem pelos urbanistas e planeadores que antecederam o saber da geografia regional, Paul Claval passa de imediato para o enquadramento metodológico do pensamento económico comparando as diferentes formas como as ciências sociais olham o espaço através dos vetores de localização das atividades produtivas, dos impactos territoriais e dos reflexos na hierarquização e configuração das áreas urbanas (Vasconcellos, 1984).

O subcapítulo seguinte encabeça uma crítica à “quase ausência das ciências políticas” (Claval, 2012, p. 4) e ao citar a proposta de uma análise sociológica da ocupação do território de Max Weber, pressupõe a necessidade de haver uma experiência em rede que consolide o conhecimento sobre as diferentes formas de pensar e usar o espaço (Ribeiro, 2015).

E eis que chegamos ao surgimento da ciência regional, que Paul Claval subdivide em cinco partes:

  1. O desenvolvimento desigual e as taxas de crescimento;
  2. As novas bases da economia da região;
  3. Uma nova geografia económica;
  4. O espaço das outras ciências sociais;
  5. Planejadores e urbanistas.

Sempre com uma preocupação retrospetiva que nos faça perceber as razões epistemológicas que sustentam o nascimento da ciência regional, Paul Claval descreve-nos os diferentes métodos de análise e os seus autores para explicar, sucintamente, o fenómeno do crescimento económico na sua relação temporal com as diferentes teorias sobre organização espacial e a problemática do desenvolvimento regional integrado (Lopes, 1987) tendo sempre em atenção as consequências derivadas da evolução histórica dos vários modelos territoriais e o efeito na restruturação dos espaços ocupados (Mendez, 1997).

No capítulo terceiro, Paul Claval apresenta-nos sete áreas que sintetizam outras tantas preocupações sobre as quais nos deixa pistas concretas para reflexão e um vasto leque de referências bibliográficas para que possamos colher informação complementar além daquela que nos deixa estruturada de forma exemplar:

  1. Progresso dos transportes e das telecomunicações, globalização, contra-urbanismo e metropolização;
  2. As cadeias produtivas face à globalização;
  3. A passagem de uma economia dominada pela oferta a uma economia dominada pela demanda;
  4. A primeira fase do movimento: anos 1970 e início dos anos 1980;
  5. O novo regionalismo (new regionalismo);
  6. Desde o fim dos anos 1990: as críticas ao novo regionalismo;
  7. Uma dupla reflexão sobre a natureza dos territórios e sobre a natureza das informações relevantes para o domínio económico.

Percorrendo os temas acima enumerados, numa linguagem que usa o discurso parentético para indicar a cada definição os autores que melhor expressaram essa opinião, Paul Claval faz uma sequenciação notável dos factos que representam a evolução do pensamento económico nas ciências sociais. Metodologia esta que Dias & Seixas (2019) também seguem quando nos apresentam as interdependências sistémicas da trilogia desenvolvimento regional – políticas públicas – coesão territorial.

A importância dos meios de transportes, a crescente mobilidade entre regiões, a revolução das telecomunicações e os efeitos territoriais da globalização são, também, abordados neste artigo para explicar, nomeadamente, o fenómeno que designa por metropolização sendo um deles “a diminuição significativa do poder do Estado sobre a economia” (Claval, 2012, p. 10).

Pela leitura isolada deste penúltimo capítulo ficaríamos com a convicção de que, apesar do pendor geográfico das análises territoriais, seria a economia a sustentar a ciência regional. Contudo, uma leitura mais atenta torna evidente o cuidado que o autor teve em demonstrar o caráter polissémico desta disciplina ao longo do tempo, sobretudo ao reconhecer os contributos da antropologia, da sociologia, da história, da geografia, da gestão e até da ciência política.

Quando se refere ao espaço como estando “pontuado por lugares onde a memória se acumula, onde conhecimentos são criados e se perpetuam” (Claval, 2012, p. 12), o autor está a reconhecer a relevância da Etnologia (embora nunca o admita) como elemento estruturante da ciência regional, visão com a qual estamos inteiramente de acordo pois, em nossa opinião, esta será uma disciplina essencial para compreender as transformações culturais da sociedade e dos seus impactos territoriais.

Esta subtil dimensão cultural (que Paul Claval neste artigo parece recusar nomear como tal) vem, no entanto, conferir à abordagem economicista da ciência regional uma perspetiva integradora, mais humana e próxima da realidade, permitindo-nos descobrir o caráter identitário de cada região e assim compreender melhor os elementos que o compõem para poder conceber, valorizar e concretizar políticas públicas com efetiva eficácia ao nível coesão territorial (Santinha, 2014).

Contudo, sabendo nós da importância que Paul Claval dá a esta temática (como o evidencia a sua emblemática obra A geografia cultural, 1995 – livro a que, infelizmente, não tivemos oportunidade de aceder) não temos quaisquer dúvidas de que o cariz interdisciplinar que o autor atribui à geografia regional inclui, necessariamente, a cultura como um pilar fundamental na análise dos territórios.

Como conclusão, Paul Claval aponta-nos a dificuldade da sociedade em “pensar o espaço” como um sistema dinâmico alertando para a necessidade de não se negligenciar a multiplicidade de aspetos que o compõem. Para o efeito é importante que a “produção geográfica” e a “ciência económica” deixem de percorrer caminhos separados e trabalhem em conjunto para resolver os cada vez mais complexos problemas do presente (Pontes & Salvador, 2013).


Diz-nos ainda Paul Claval, a terminar o seu artigo, que a evolução na compreensão do espaço tem sido notória e que resultou da capacidade multidisciplinar inclusiva que nos permite apreender “o espaço a partir de um corpo de hipóteses concernentes à sua organização” (Claval, 2012, p. 15) mostrando-nos a importância da interconexão entre território e sustentabilidade (Capello & Nijkamp, 2013).

Ensinamentos que, aplicados ao caso português, levam-nos até às palavras de Reis (2018, p. 261-263), quando se refere às condições que fazem de Portugal uma periferia: a existência de “desequilíbrios e descoincidências persistentes entre a economia e a sociedade e em formas de dependência que vão evidenciando fragilidades diversas” e que nos servem para “relembrar que as economias laboram em contextos institucionais, históricos, geográficos, culturais, sociais e políticos precisos e que não se pode reduzir o que é económico a um qualquer mecanismo descarnado, sob pena de ficarmos sem perceber o eu é a economia.”

Este artigo, apesar da profusão de detalhes (nomeadamente bibliográficos), encontra-se redigido de forma simples e clara. Estas caraterísticas, aliadas ao rigor cronológico da informação prestada e à abrangência de prismas de análise do objeto de estudo transforma-o numa lição fundamental para a compreensão da ciência regional.

 


Referências bibliográficas:

 

Capello, R. & Nijkamp, P. (2013). Revisitar teorias de desenvolvimento regional. In, Costa, J. S. & Nijkamp, P. (Coord.), Compêndio de economia regional (Reimp.). I, pp. 287-317.

Dias, R. C. & Seixas, P. C. (2019). Territorialização de políticas públicas, processo ou abordagem? Revista Portuguesa de Estudos Regionais, 55, 47-60. Disponível em:

http://www.apdr.pt/siteRPER/numeros/RPER55/55.3.pdf

Lopes, A. S. (1987). Desenvolvimento regional. Problemáticas, teorias, modelos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkien.

Mendez, Ricardo (1997). Geografia económica: a lógica espacial do capitalismo global. Barcelona: Ariel.

Phlipponneau, M. (1964). Geografia e acção. Introdução à geografia aplicada. Lisboa: Edição Cosmos.

Pontes, J. P. & Salvador, R. (2013). A nova geografia económica. In, Costa, J. S. & Nijkamp, P. (Coord.), Compêndio de economia regional (Reimp.). I, pp. 269-286.

Reis, J. (2018). A economia portuguesa. Formas de economia política numa periferia persistente (1960-2017). Coimbra: Almedica.

Ribeiro, L. C. Q. (ed.) (2015). Metrópoles: território, coesão social e governança democrática. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles – Instituo Nacional de Ciência e Tecnologia.

Santinha, G. (2014). O princípio de coesão territorial enquanto novo paradigma de desenvolvimento na formulação de políticas públicas: (re)construindo ideias dominantes. EURE, 40 (119), pp. 75-97. Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/eure/v40n119/art04.pdf

Vasconcellos, A. V. (1984). Economia urbana. Lisboa: Rés.



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