O acórdão do Tribunal Constitucional “chumbou” a deliberação
da Assembleia Municipal de Barcelos para um referendo local sobre a extinção de
freguesias. Sendo certo que o “chumbo” incide sobre a forma e o conteúdo da
pergunta a submeter a referendo, é de realçar que o Acórdão acolhe a questão de
princípio defendida desde o início pelo Bloco de Esquerda.
OPINIAO | 24 JULHO, 2012 - 00:07 | POR ALBERTO MATOS
O Acórdão n.º 384/2012 do Tribunal Constitucional, de 16 de
Julho, “chumbou” a deliberação da Assembleia Municipal de Barcelos para um
referendo local sobre a extinção de freguesias. Trata-se duma peça jurídica complexa
e até contraditória que merece ser lida na globalidade.
E sendo certo que o “chumbo” incide sobre a forma e o
conteúdo da pergunta a submeter a referendo, é de realçar que o Acórdão acolhe
a questão de princípio defendida desde o início pelo Bloco de Esquerda e que
outros negaram liminarmente:
“A pergunta referendária tem por objeto a pronúncia a emitir
pela Assembleia Municipal de Barcelos sobre a agregação, fusão ou extinção de
freguesias que integram o respetivo Município. Essa pronúncia insere-se no
procedimento legislativo de reorganização administrativa do território das
freguesias (artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio), intervindo
a assembleia municipal, nesse procedimento, a título não deliberativo.
Mas o facto de este órgão autárquico não gozar, nesta
matéria, de competência deliberativa não obsta, após a mudança operada com a
revisão constitucional de 1997, a que ele possa recorrer a referendo. (…) O
artigo 3.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, é, aliás, expresso
em incluir nas matérias do referendo local as que se integrem nas competências
não exclusivas dos órgãos autárquicos.”
O Bloco de Esquerda tem sublinhado o disposto no artigo 5.º
da Carta Europeia da Autonomia Local, a que o Estado Português se vinculou: “as
autarquias locais interessadas devem ser consultadas previamente a qualquer
alteração dos limites territoriais locais, eventualmente por via de referendo,
nos casos em que a lei o permita”. E permite!
Este Acórdão tem o mérito de aclarar que o referendo nesta
matéria é conforme não apenas com a lei mas, sobretudo, com a Constituição da
República Portuguesa.
O Bloco tem defendido coerentemente a consulta às
populações, por via de referendo, sobre a criação, modificação territorial,
fusão e extinção de autarquias locais – e, em concreto, das freguesias. Logo no
debate parlamentar, antes mesmo de o Governo formalizar a sua proposta pela mão
de Miguel Relvas, o padrinho da Lei da RATA, apresentámos o Projeto de Lei n.º 163/XII para a realização obrigatória de
referendos locais nas autarquias atingidas.
Num silêncio de chumbo e com insinuações veladas sobre a sua
conformidade constitucional, todas as restantes bancadas votaram contra este
projeto. Este Acórdão retira-lhes o álibi duma pretensa inconstitucionalidade.
Foi por mera opção política que rejeitaram o referendo.
Após a publicação da Lei da RATA, os autarcas do Bloco de Esquerda têm vindo a
propor a realização de referendos locais sobre a pronúncia das Assembleias
Municipais e/ou de Freguesia quanto à extinção de freguesias. Autarcas do PSD,
do PS, do CDS e até do PCP apressaram-se a votar contra tais iniciativas,
escudando-se numa pretensa inconstitucionalidade do referendo local, por a
competência ser exclusiva da Assembleia da República. Aí têm a resposta do TC.
Até ao momento, apenas foi aprovada a convocação de
referendo na Assembleia Municipal de Barcelos. Pese embora o Acórdão reconhecer
expressamente a possibilidade de referendo local, bem como a legalidade duma
não pronúncia ou duma pronúncia desconforme com os parâmetros de agregação da Lei da RATA, o Tribunal Constitucional entendeu que:
“Ao perguntar, por via referendária, se deve ou não ficar
vinculada a promover a agregação, fusão ou extinção de freguesias, a Assembleia
Municipal de Barcelos está a pôr nas mãos dos destinatários da pergunta o
exercício ou não de um poder que legalmente lhe foi conferido. Ora, tal não é
possível, pois o exercício ou não de uma competência legalmente fixada a um
órgão administrativo (neste caso, um órgão autárquico) não pode ficar
dependente da vontade dos administrados.
Há que distinguir o exercício da competência do sentido da
decisão que resulta desse exercício. O que é referendável não é o exercício,
mas apenas o conteúdo e sentido do ato pelo qual esse exercício se efetiva.”
Esta decisão do TC é em si mesma paradoxal e reduz os
cidadãos eleitores à mera condição de “administrados” – triste reminiscência
doutrinária da escola marcelista (de Marcello Caetano) de direito
administrativo, olvidando o conceito de Administração Autónoma, baseada em
eleitores que se autoadministram.
Na verdade, a pergunta formulada pela Assembleia Municipal
de Barcelos também não é a que o Bloco gostaria de ver posta a referendo. No
entanto, o chumbo do Projeto de Lei n.º 163/XII impossibilitou a colocação da
pergunta direta ao eleitor em cada autarquia afetada.
As limitações impostas pelo Regime Jurídico do Referendo
Local e pela própria Lei da RATA à realização de referendos locais,
designadamente quanto aos prazos e ao número de perguntas a submeter a
referendo (um máximo de 3) impossibilitaram a formulação de perguntas em
concreto nos municípios com maior número de freguesias, como é o caso de
Barcelos.
Ao fechar a porta a este modelo de pergunta para o referendo
local, o Acórdão do TC tem ainda o mérito de pôr em causa a própria
constitucionalidade e a legalidade da Lei da RATA, entre outros motivas por inviabilizar o
cumprimento das obrigações do Estado Português patentes na Carta Europeia da
Autonomia Local, que prevê a realização de referendos locais.
Pese embora a nossa discordância, quanto a este ponto, da
decisão do Tribunal Constitucional, não podemos deixar de a respeitar,
retirando todas as consequências jurídicas e políticas da decisão no seu todo,
a saber:
1 – A legalidade do referendo local sobre a criação,
modificação territorial, extinção e fusão de autarquias locais.
2 – A imposição do recurso ao referendo local nesta matéria,
por força do artigo 5.º da Carta Europeia da Autonomia Local.
3 – A necessidade de reformular, nos termos do Acórdão, as
perguntas a submeter a referendo nas assembleias municipais e nas assembleias
de freguesia já agendadas e a realizar.
É preciso manter acesa a chama do referendo nas batalhas
decisivas contra a Lei da RATA, quando o crime lesa-freguesias começar a ser
consumado, a partir de Setembro/Outubro.
Fonte. ESQUERDA.NET
1 comentário:
De vez em quando o TC acerta.
Mal de nós se ficarmos ao sabor de referendos avulsos, como aquela palhaçada da interrupção da gravidez, que foi repetido até dar o que queriam alguns (os tais democratas que quando perdem montam campanhas difamatórias de revolta!).
Com os imensos defeitos que tem, pelo menos a democracia representativa sempre atenua esta tendência para o populismo, até porque a qualidadé dos nossos politicos, e do nosso povo, é muito fraca.
.
Referendar a reorganização territorial através de opções em cada município, é uma absoluta idiotice. Eu sei o que diz a Constituição, mas é boa altura ara corrigir isso.
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