“Um eleitorado instruído é um eleitorado poderoso. Uma cidadania
esclarecida é a maior defensora da liberdade.” (Kofi Annan)
Quando estão na oposição gritam por ela, exigem-na a todo o
instante, usam-na amiúde em discursos inflamados nos órgãos colegiais autárquicos
e são céleres a acusar os executivos de falta dela, como desculpa para a sua
própria inépcia.
Em campanha eleitoral transformam-na em palavra de ordem nos
comícios, garantem ser o seu guardião na prática quotidiana, inscrevem-na nos diferentes
programas partidários, exigem o seu cumprimento aos adversários políticos.
Todavia, chegam ao poder e esquecem-se rapidamente do que antes
defendiam com tanto empenho e adotam as mesmas práticas que tanto criticavam. Tudo
serve de desculpa para não cumprirem o prometido e consideram o seu
comportamento atual desculpável devido à herança que receberam (e cuja verdadeira dimensão desconheciam), ao sistema informático obsoleto, à
burocracia exagerada dos procedimentos administrativos, à falta de pessoal
especializado e, principalmente, à escassez de recursos financeiros indispensáveis
para ultrapassar os obstáculos técnicos.
Porque, afinal, se consideram melhores que os anteriores (a quem
requeriam aquilo que agora eles próprios não são capaz de cumprir), pretendem que a sua
palavra seja prova suficiente para atestar a veracidade das informações que
prestam ao público e sentem-se ofendidos quando alguém os confronta com a necessidade
de mostrarem as evidências documentais dos atos praticados.
Não respondem aos requerimentos enviados por via formal, mas
quando são questionados publicamente acerca dessa omissão e alguém ousa pedir-lhes
que demonstrem, com documentos, aquilo que afirmam, são céleres a tentar menosprezar
a atitude de quem pergunta como se as questões apresentadas fossem menores face
à enormidade de problemas concretos que há para resolver no quotidiano
institucional. É a apologia do "importa fazer, não interessa como" (ou seja, "os meios justificam os fins").
Vem esta conversa a propósito da discussão no “Grupo de Amigos da Charneca de
Caparica e Sobreda”, da rede social Facebook, sobre dois desafios concretos
por mim lá colocados.
“Aos
membros do executivo da União de Freguesias da Charneca de Caparica e
Sobreda que integram este grupo, dirijo duas perguntas: Para quando a
disponibilização online dos relatórios trimestrais apresentados na AF após o
último que se encontra publicado (2.º trimestre de 2017)? Em nome da
transparência e em cumprimento do princípio da administração aberta, é intenção
(ou não) da autarquia vir a disponibilizar (e para quando) a informação
relativa aos contratos de prestação de serviços celebrados durante o atual
mandato?”
“Aos
membros do órgão deliberativo da União de Freguesias da Charneca de
Caparica e Sobreda que integram este grupo dirijo duas perguntas: Consideram
suficiente que a AF disponibilize apenas os editais com as ordens de trabalho
das reuniões? Não acham que, a bem da transparência e do princípio da
administração aberta, seria útil que a população pudesse aceder online às atas
das sessões (ou, no mínimo, às minutas das mesmas), assim como aos documentos
apresentados em cada reunião?”
Perguntas que levaram à elaboração de uma
sondagem que, no prazo de 24h, foi uma das mais participadas:
“A bem da democracia participativa e do princípio da administração
aberta, seria útil que os fregueses pudessem aceder online às atas das sessões
(ou, no mínimo, às minutas das mesmas) assim como aos documentos apresentados
em cada Assembleia de Freguesia?”
Mesmo com uma amostra muito pequena face ao universo total de
membros (86 em 7.513, domingo às 12:30H), não deixa de ser muito significativo
o facto de as respostas obtidas serem: “muito útil” – 99%; “nada útil” – 1% e “pouco
útil” – 0%, apesar de nos comentários ter havido um "médio" e duas
pessoas que consideraram as hipóteses colocadas como sendo "não
válidas" e, por isso, comentaram mas não votaram.
Sendo a liberdade de expressão um valor que muito preso, não posso
deixar de ficar satisfeita com o debate em torno das questões da “administração
aberta” e da transparência na gestão autárquica.
Mas, por outro lado, lamento que exista ainda tanta incompreensão em
torno do conteúdo de ambos os conceitos e, sobretudo, custa-me a aceitar que
quem defende a Democracia e o Estado de Direito sinta como afronta a exigência
cidadã do cumprimento daquele que é um dever legal da administração pública do
presente: disponibilizar online, num prazo razoável, a informação sobre os procedimentos
administrativos praticados.
E, pior ainda (porque me choca e até indigna), é
verificar a relutância que certos políticos e simpatizantes partidários, outrora
acérrimos defensores da “administração aberta” quando era a CDU que estava no poder
e a acusavam (e muito bem), tal como eu própria o fiz por diversas vezes neste
mesmo espaço, de ser contra a transparência, têm agora em esclarecer de forma
clara e objetiva as dúvidas colocadas pelos munícipes, recusando-se mesmo a
fazê-lo de forma ostensiva recorrendo a argumentos populistas e desprovidos de
lógica (isto para não os classificar de falaciosos pois o termo tem uma
conotação demasiado negativa e poderia ferir suscetibilidades).
Como exemplo de desculpas incoerentes temos os casos relacionados
com os contratos de prestação e serviços em regime de tarefa ou avença, que
além de serem de registo obrigatório na plataforma da contratação pública devem
ser publicitados na página web dos serviços (nos termos da LADA,
do CCP
e da LGTFP):
Na Charneca de Caparica e Sobreda – afirmam ter cumprido todas as
regras legais, mas recusam-se a disponibilizar online a informação sobre os
contratos celebrados por ajuste direto simplificado até 5.000€ (os quais, por
opção discricionária da entidade adjudicante legalmente permitida, podem não
ser visíveis na consulta pública efetuada através da Base.gov). Argumentam que:
o site da junta está obsoleto e os documentos estão acessíveis nas instalações
da autarquia. Todavia, a página web é atualizada com regularidade e publicita
outros documentos da atividade autárquica permitindo mesmo o respetivo
download. Se nada têm a esconder, porque não respondem de forma clara e
objetiva às perguntas que sobre esta matéria lhes são colocadas? Porque
preferem alimentar as dúvidas e deixar na incerteza quem as formula? O que os
impede de publicar aquela documentação em concreto se já não existe qualquer
problema na divulgação de outro tipo de documentos (como editais, por exemplo)?
Ainda em relação àquela freguesia, temos a questão da publicitação
dos relatórios trimestrais sobre a atividade da Junta. Se publicaram os
anteriores (até ao 2.º trimestre de 2017), e depois desse último já outros foram
apresentados na Assembleia de Freguesia, não se percebe que sejam razões de
alegado obsoletismo do site que impeçam a sua divulgação regular.
Na Câmara Municipal de Almada – apesar de terem colocado uma ligação
direta à Base.gov onde alegadamente se encontram registados, e com acesso
público, todos os contratos de prestação de serviços celebrados por ajuste
direto pelo município (incluindo os ajustes diretos simplificados de valor inferior
a 5.000€), não se compreende a dificuldade em apresentar a lista dos avençados
e tarefeiros cumprindo o que a lei estabelece.
Até porque a renitência em disponibilizar esta informação de forma
cronológica e ordenada (e não através de uma ligação que remete para uma “conta
corrente” que contém milhares de registos), deixa a pairar a acusação de que
além dos contratos a que se acede através da pesquisa pública poderão existir muitos
outros que se desconhecem por apenas serem acessíveis através do acesso reservado
(ou seja, que são invisíveis ao público em geral).
“À mulher de César não basta ser
honesta, deve parecer honesta”.
A informação só será útil se for transformada em conhecimento. Aí
reside (no conhecimento) o verdadeiro poder. E é esse poder que incomoda quem
julga que por estar em lugar executivo tem a veleidade de pensar que a sua
palavra tem um valor intrínseco superior à dos restantes membros da comunidade derivado
do cargo que ocupa.
Na Administração Pública, atentos aos princípios legais e éticos a
que devem obedecer todos os agentes que nela exercem funções, não basta dizer
que se cumpre a lei… é imperativo mostrar evidências de que assim se fez. Caso
contrário é permitir que a dúvida legítima se instale e a desconfiança cresça.
Assim como menosprezar o interesse de algumas pessoas pelo cumprimento
das regras procedimentais dando a entender que são preocupações menores (mesquinhices
burocráticas inócuas) face aos múltiplos problemas concretos que há para
resolver e que a população tem de enfrentar no quotidiano, é uma tremenda falta
de sensibilidade para as questões que podem estar na origem do flagelo da
corrupção.
As juventudes partidárias parecem agora muito preocupadas com a
problemática da corrupção (veja-se o artigo
do DN de 12-08-2018), no entanto atingida a maturidade partidária e,
sobretudo, quando sentados na cadeira do poder, facilmente esquecem estas preocupações
e num instante tratam de encontram mecanismos para evitar a transparência (tornando-a
inacessível por demasiado morosa, complexa e onerosa) ou desculpas para
justificar a não aplicação dos princípios da “administração aberta” remetendo
para as calendas o seu cumprimento.
Sem comentários:
Enviar um comentário