Falar sobre as Assembleias
Distritais, órgãos deliberativos da administração autárquica de âmbito supramunicipal,
é tarefa ingrata, sobretudo porque a maioria dos seus membros (os autarcas do
Distrito) já pouca, ou nenhuma, importância lhes dão.
Mas, agora que o Governo se
prepara para, em sede de Orçamento de Estado para 2013, confiscar,
literalmente, os bens prediais destas entidades (que, é bom dizer, são
equiparadas a autarquias locais para efeitos da lei da tutela e têm personalidade
jurídica própria e autonomia administrativa, patrimonial e financeira, logo, o Governo
não pode fazer com elas o que fez com os Governos Civis, que eram meros “apêndices
desconcentrados” do Ministério da Administração Interna), é urgente que se fale
sobre as Assembleias Distritais.
Todavia, é imperativo que, ao
falar sobre as Assembleias Distritais não mascaremos a triste realidade
nacional em que se encontram a maioria destes organismos, como se em Portugal todos
eles funcionassem na perfeição apenas porque o artigo 291.º da Constituição lhes
certifica a existência formal, quando sabemos que a verdade é, precisamente, o
inverso. É necessário, sobretudo, que não julguemos o que se passa no país tendo
como bitola o exemplo de Beja, Lisboa ou Setúbal, as únicas estruturas que
mantêm serviços com atividade regular. E, mesmo aqui, cada caso é uma situação
diferente que deve ser tratada com cuidados específicos sob pena de se
cometerem graves erros de análise e se acabar por defender um imobilismo
indesejado ou se apontar para soluções cegas que, em vez de resolver irão
agravar ainda mais os problemas atuais de cada uma das Assembleias Distritais,
com os consequentes prejuízos sobre os seus trabalhadores (que são, aliás, os
únicos que sofrem no dia a dia os reflexos negativos da instabilidade política e
financeira em que estas estruturas se mantêm há décadas).
Isto é, há que lutar contra
aquela medida ilegal (o n.º 6 do artigo 6.º do OE2013) mas tendo sempre em
atenção que é vital resolver o impasse em que se encontram as Assembleias
Distritais, em particular após a implementação do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de
janeiro, que as deixou numa espécie de “limbo orgânico institucional”, desprovidas
das atribuições relevantes que haviam tido no passado e restando-lhes meras competências
residuais, quando comparadas com a importância crescente dada às associações de
municípios. Sem um verdadeiro órgão executivo, com um orçamento exclusivamente dependente
das contribuições das câmaras municipais, impedidas de contrair empréstimos e
de aceder a fundos comunitários, foram perdendo o interesse para os autarcas
que acabaram por as votar ao mais completo esquecimento.
Por isso, ao falar das
Assembleias Distritais é bom que o façamos numa abordagem com total
transparência e sem cadilhos políticos ou sectarismos partidários para que se
perceba o que é que está na génese do problema (ou dos problemas) que cada uma
enfrenta a nível nacional. E não podemos confundir o meritório desempenho de um
Serviço (seja o Museu Rainha D. Leonor em Beja, os Serviços de Cultura em
Lisboa ou o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, por
exemplo) com o funcionamento dos respetivos órgãos políticos (Assembleia
Distrital) e muito menos é desejável que se tente passar a imagem de que aquela
realidade (Beja, Lisboa ou Setúbal) é demonstrativa do que se passa no resto do
país, onde o desinteresse da maioria dos autarcas (salvo raras e honrosas
exceções) é extremamente confrangedor e só tem paralelo no ostracismo a que os
sucessivos Governos têm votado estas estruturas de génese autárquica. Porque não
podemos esquecer que, do total das 18 Assembleias Distritais que deveriam
existir no país, 56% já nem sequer têm quaisquer serviços ou pessoal (Aveiro,
Braga, Bragança, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre e Viana do
Castelo) e o órgão deliberativo não reúne, na sua maioria, há mais de vinte
anos, evidenciando, de forma notória e sem margem para quaisquer dúvidas, qual
é o real interesse dos autarcas por estes organismos de âmbito supra municipal.
E quanto às restantes oito
Assembleias Distritais que ainda subsistem (Beja, Castelo Branco, Lisboa,
Porto, Santarém, Setúbal, Vila Real e Viseu), é bom que se tenha a noção de que
apresentam realidades muito diversas e que urge identificar com clareza e objetividade
na medida em que apenas três delas reúnem regularmente, apesar das sérias
dificuldades em fazê-lo (Beja, Lisboa e Setúbal), havendo outras que já não conseguem
quórum mínimo há mais de doze anos consecutivos (Vila Real e Viseu) num claro desrespeito
pela lei.
É pois fundamental fazer um
retrato fiel das condições de funcionamento de cada um destes órgãos, pois que
de entre eles apenas três (Beja, Lisboa e Setúbal) mantêm serviços em atividade
( dois museus e uma biblioteca pública) tendo, no global, cerca de trinta
trabalhadores, a maioria técnicos superiores. As Colónias Balneares de Castelo
Branco (na Areia Branca, concelho da Lourinhã) e de Santarém (na Nazaré) foram
recentemente desativadas. O Porto, Vila Real e Viseu, há quase duas décadas que
deixaram de ter serviços embora mantenham, ainda hoje, tal como Castelo Branco
e Santarém, algum pessoal (três assistentes operacionais e quatro assistentes
administrativas no seu conjunto) afeto ao órgão autárquico.
Ter presente este triste retrato
nacional não impede, contudo, que pugnemos pelo tratamento digno que as
Assembleias Distritais merecem (enquanto instituições da nossa Administração
Pública Local, constitucionalmente previstas). E muito menos fragiliza a
continuação da nossa luta pelo respeito e dignificação dos trabalhadores que
desempenham funções nos Serviços (sejam de simples gestão corrente ou
especializados) a elas adstritos.
Daí que se considere que a norma
contida no n.º 6 do artigo 6.º da proposta do OE2013 seja um ato abusivo e de
má fé do Governo contra as Assembleias Distritais por representar um
desrespeito pela Constituição e pelo Estado de direito democrático na medida em
que confisca os bens prediais de uma entidade com autonomia administrativa,
jurídica e patrimonial, equiparada a autarquia local para efeitos da tutela,
sem qualquer justificação legal, e esquece que essa medida isolada irá agravar
ainda mais a instabilidade destes órgãos autárquicos pois retira-lhes, de forma
ilícita, um meio de financiamento próprio (nalguns casos o único, como acontece
no Porto) e até lhes pode aumentar os encargos de funcionamento (passariam a
pagar renda ao Estado por ocupação das instalações agora suas?).
Pese embora este ataque ao poder
local (na medida em que confiscar os bens às Assembleias Distritais é
retirá-los aos seus legítimos proprietários, que são o conjunto das autarquias
do Distrito), que deve ser combatido com veemência, não se pode denunciar este
ato abusivo apresentando como argumento de suporte uma mentira: a importância
das Assembleias Distritais no atual contexto nacional. Porque esse
comportamento, além de evidenciar um desconhecimento atroz da realidade demonstra
uma total falta de solidariedade com os trabalhadores que, nas Assembleias Distritais
cujos autarcas não cumprem as suas obrigações financeiras, vivem situações de
grande instabilidade e até de salários em atraso. Da mesma forma que não se
pode utilizar esta atitude ilegal do Governo contra as Assembleias Distritais (e
que, volto a repetir, deve ser combatida veementemente) para desresponsabilizar
os autarcas dos compromissos que se têm escusado a cumprir.
Sendo certo que apenas a revisão
da Constituição pode acabar com as Assembleias Distritais, também é certo que
estas estruturas não interessam mais aos seus membros e únicos políticos que
por elas são responsáveis: os autarcas. Senão vejamos: do total de 834 que
delas fazem parte (entre presidentes de Câmara, de Assembleias Municipais e de
Juntas de Freguesia) cerca de 83% desinteressaram-se pelo funcionamento do
respetivo órgão distrital.
Sim, 83%:
53% – 441 refere-se ao número total
de autarcas das Assembleias Distritais que se encontram “desativadas”, isto é, sem
serviços nem pessoal por os seus membros terem considerado que já não faziam
sentido mesmo que nalguns casos o órgão deliberativo até funcione (57 de
Aveiro; 42 de Braga; 36 de Bragança; 51 de Coimbra; 42 de Évora; 48 de Faro; 42
da Guarda; 48 de Leiria; 45 de Portalegre e 30 de Viana do Castelo);
14% – 114 corresponde ao número
total dos autarcas das Assembleias Distritais de Vila Real e de Viseu, que não
tendo serviços dispõem de pessoal administrativo afeto ao órgão distrital o
qual, contudo, já não reúne há vários mandatos consecutivos, mesmo que alguns
deles sejam presença assídua em cada convocatória;
16% – 131 são o somatório dos
autarcas que, em média, nas restantes Assembleias Distritais (Beja, Castelo
Branco, Lisboa, Porto, Santarém e Setúbal) faltam sistematicamente às reuniões
do órgão deliberativo.
Mas não confundamos o atrás
descrito com o reconhecimento do mérito do trabalho desenvolvido pelas equipas
que no Museu Rainha D. Leonor (Beja), nos Serviços de Cultura (Lisboa) e no
Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal exercem as suas
funções com empenho e dedicação. São elas que acabam por “obrigar” o órgão
deliberativo a funcionar para dar cumprimento às exigências legais em termos de
aprovação dos seus documentos previsionais e de prestação de contas. E são
estes Serviços (património predial e cultural, bens móveis e ativos humanos) que
importa preservar garantindo a continuidade dos projetos desenvolvidos.
Omitir o que se passa a nível nacional
com as Assembleias Distritais ou fingir que estas estruturas (o órgão político
e não os Serviços na sua dependência) têm uma importância que ninguém lhes quer
reconhecer (veja-se, por exemplo, a posição de silêncio absoluto da Associação
Nacional de Municípios Portugueses e da Associação Nacional de Freguesias sobre
esta matéria) não ajuda à resolução do problema, muito pelo contrário.
1 comentário:
errado, Tosca. O OE é uma lei de valor reforçado e sobrepõe-se às leis que regulam as AD
Enviar um comentário