segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Sobre as Assembleias Distritais...


Falar sobre as Assembleias Distritais, órgãos deliberativos da administração autárquica de âmbito supramunicipal, é tarefa ingrata, sobretudo porque a maioria dos seus membros (os autarcas do Distrito) já pouca, ou nenhuma, importância lhes dão.

Mas, agora que o Governo se prepara para, em sede de Orçamento de Estado para 2013, confiscar, literalmente, os bens prediais destas entidades (que, é bom dizer, são equiparadas a autarquias locais para efeitos da lei da tutela e têm personalidade jurídica própria e autonomia administrativa, patrimonial e financeira, logo, o Governo não pode fazer com elas o que fez com os Governos Civis, que eram meros “apêndices desconcentrados” do Ministério da Administração Interna), é urgente que se fale sobre as Assembleias Distritais.

Todavia, é imperativo que, ao falar sobre as Assembleias Distritais não mascaremos a triste realidade nacional em que se encontram a maioria destes organismos, como se em Portugal todos eles funcionassem na perfeição apenas porque o artigo 291.º da Constituição lhes certifica a existência formal, quando sabemos que a verdade é, precisamente, o inverso. É necessário, sobretudo, que não julguemos o que se passa no país tendo como bitola o exemplo de Beja, Lisboa ou Setúbal, as únicas estruturas que mantêm serviços com atividade regular. E, mesmo aqui, cada caso é uma situação diferente que deve ser tratada com cuidados específicos sob pena de se cometerem graves erros de análise e se acabar por defender um imobilismo indesejado ou se apontar para soluções cegas que, em vez de resolver irão agravar ainda mais os problemas atuais de cada uma das Assembleias Distritais, com os consequentes prejuízos sobre os seus trabalhadores (que são, aliás, os únicos que sofrem no dia a dia os reflexos negativos da instabilidade política e financeira em que estas estruturas se mantêm há décadas).

Isto é, há que lutar contra aquela medida ilegal (o n.º 6 do artigo 6.º do OE2013) mas tendo sempre em atenção que é vital resolver o impasse em que se encontram as Assembleias Distritais, em particular após a implementação do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, que as deixou numa espécie de “limbo orgânico institucional”, desprovidas das atribuições relevantes que haviam tido no passado e restando-lhes meras competências residuais, quando comparadas com a importância crescente dada às associações de municípios. Sem um verdadeiro órgão executivo, com um orçamento exclusivamente dependente das contribuições das câmaras municipais, impedidas de contrair empréstimos e de aceder a fundos comunitários, foram perdendo o interesse para os autarcas que acabaram por as votar ao mais completo esquecimento.

Por isso, ao falar das Assembleias Distritais é bom que o façamos numa abordagem com total transparência e sem cadilhos políticos ou sectarismos partidários para que se perceba o que é que está na génese do problema (ou dos problemas) que cada uma enfrenta a nível nacional. E não podemos confundir o meritório desempenho de um Serviço (seja o Museu Rainha D. Leonor em Beja, os Serviços de Cultura em Lisboa ou o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, por exemplo) com o funcionamento dos respetivos órgãos políticos (Assembleia Distrital) e muito menos é desejável que se tente passar a imagem de que aquela realidade (Beja, Lisboa ou Setúbal) é demonstrativa do que se passa no resto do país, onde o desinteresse da maioria dos autarcas (salvo raras e honrosas exceções) é extremamente confrangedor e só tem paralelo no ostracismo a que os sucessivos Governos têm votado estas estruturas de génese autárquica. Porque não podemos esquecer que, do total das 18 Assembleias Distritais que deveriam existir no país, 56% já nem sequer têm quaisquer serviços ou pessoal (Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre e Viana do Castelo) e o órgão deliberativo não reúne, na sua maioria, há mais de vinte anos, evidenciando, de forma notória e sem margem para quaisquer dúvidas, qual é o real interesse dos autarcas por estes organismos de âmbito supra municipal.

E quanto às restantes oito Assembleias Distritais que ainda subsistem (Beja, Castelo Branco, Lisboa, Porto, Santarém, Setúbal, Vila Real e Viseu), é bom que se tenha a noção de que apresentam realidades muito diversas e que urge identificar com clareza e objetividade na medida em que apenas três delas reúnem regularmente, apesar das sérias dificuldades em fazê-lo (Beja, Lisboa e Setúbal), havendo outras que já não conseguem quórum mínimo há mais de doze anos consecutivos (Vila Real e Viseu) num claro desrespeito pela lei.

É pois fundamental fazer um retrato fiel das condições de funcionamento de cada um destes órgãos, pois que de entre eles apenas três (Beja, Lisboa e Setúbal) mantêm serviços em atividade ( dois museus e uma biblioteca pública) tendo, no global, cerca de trinta trabalhadores, a maioria técnicos superiores. As Colónias Balneares de Castelo Branco (na Areia Branca, concelho da Lourinhã) e de Santarém (na Nazaré) foram recentemente desativadas. O Porto, Vila Real e Viseu, há quase duas décadas que deixaram de ter serviços embora mantenham, ainda hoje, tal como Castelo Branco e Santarém, algum pessoal (três assistentes operacionais e quatro assistentes administrativas no seu conjunto) afeto ao órgão autárquico.

Ter presente este triste retrato nacional não impede, contudo, que pugnemos pelo tratamento digno que as Assembleias Distritais merecem (enquanto instituições da nossa Administração Pública Local, constitucionalmente previstas). E muito menos fragiliza a continuação da nossa luta pelo respeito e dignificação dos trabalhadores que desempenham funções nos Serviços (sejam de simples gestão corrente ou especializados) a elas adstritos.

Daí que se considere que a norma contida no n.º 6 do artigo 6.º da proposta do OE2013 seja um ato abusivo e de má fé do Governo contra as Assembleias Distritais por representar um desrespeito pela Constituição e pelo Estado de direito democrático na medida em que confisca os bens prediais de uma entidade com autonomia administrativa, jurídica e patrimonial, equiparada a autarquia local para efeitos da tutela, sem qualquer justificação legal, e esquece que essa medida isolada irá agravar ainda mais a instabilidade destes órgãos autárquicos pois retira-lhes, de forma ilícita, um meio de financiamento próprio (nalguns casos o único, como acontece no Porto) e até lhes pode aumentar os encargos de funcionamento (passariam a pagar renda ao Estado por ocupação das instalações agora suas?).

Pese embora este ataque ao poder local (na medida em que confiscar os bens às Assembleias Distritais é retirá-los aos seus legítimos proprietários, que são o conjunto das autarquias do Distrito), que deve ser combatido com veemência, não se pode denunciar este ato abusivo apresentando como argumento de suporte uma mentira: a importância das Assembleias Distritais no atual contexto nacional. Porque esse comportamento, além de evidenciar um desconhecimento atroz da realidade demonstra uma total falta de solidariedade com os trabalhadores que, nas Assembleias Distritais cujos autarcas não cumprem as suas obrigações financeiras, vivem situações de grande instabilidade e até de salários em atraso. Da mesma forma que não se pode utilizar esta atitude ilegal do Governo contra as Assembleias Distritais (e que, volto a repetir, deve ser combatida veementemente) para desresponsabilizar os autarcas dos compromissos que se têm escusado a cumprir.

Sendo certo que apenas a revisão da Constituição pode acabar com as Assembleias Distritais, também é certo que estas estruturas não interessam mais aos seus membros e únicos políticos que por elas são responsáveis: os autarcas. Senão vejamos: do total de 834 que delas fazem parte (entre presidentes de Câmara, de Assembleias Municipais e de Juntas de Freguesia) cerca de 83% desinteressaram-se pelo funcionamento do respetivo órgão distrital.

Sim, 83%:
53% – 441 refere-se ao número total de autarcas das Assembleias Distritais que se encontram “desativadas”, isto é, sem serviços nem pessoal por os seus membros terem considerado que já não faziam sentido mesmo que nalguns casos o órgão deliberativo até funcione (57 de Aveiro; 42 de Braga; 36 de Bragança; 51 de Coimbra; 42 de Évora; 48 de Faro; 42 da Guarda; 48 de Leiria; 45 de Portalegre e 30 de Viana do Castelo);
14% – 114 corresponde ao número total dos autarcas das Assembleias Distritais de Vila Real e de Viseu, que não tendo serviços dispõem de pessoal administrativo afeto ao órgão distrital o qual, contudo, já não reúne há vários mandatos consecutivos, mesmo que alguns deles sejam presença assídua em cada convocatória;
16% – 131 são o somatório dos autarcas que, em média, nas restantes Assembleias Distritais (Beja, Castelo Branco, Lisboa, Porto, Santarém e Setúbal) faltam sistematicamente às reuniões do órgão deliberativo.

Mas não confundamos o atrás descrito com o reconhecimento do mérito do trabalho desenvolvido pelas equipas que no Museu Rainha D. Leonor (Beja), nos Serviços de Cultura (Lisboa) e no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal exercem as suas funções com empenho e dedicação. São elas que acabam por “obrigar” o órgão deliberativo a funcionar para dar cumprimento às exigências legais em termos de aprovação dos seus documentos previsionais e de prestação de contas. E são estes Serviços (património predial e cultural, bens móveis e ativos humanos) que importa preservar garantindo a continuidade dos projetos desenvolvidos.

Omitir o que se passa a nível nacional com as Assembleias Distritais ou fingir que estas estruturas (o órgão político e não os Serviços na sua dependência) têm uma importância que ninguém lhes quer reconhecer (veja-se, por exemplo, a posição de silêncio absoluto da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da Associação Nacional de Freguesias sobre esta matéria) não ajuda à resolução do problema, muito pelo contrário.

1 comentário:

Anónimo disse...

errado, Tosca. O OE é uma lei de valor reforçado e sobrepõe-se às leis que regulam as AD

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