sábado, 24 de novembro de 2018

A paisagem (pouco) protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica.

Extrato da Carta da REN (desenho 2) que integra o Plano Diretor Municipal de Almada

«Ao que parece, as áreas protegidas são, na realidade, pouco protegidas. Um novo estudo concluiu que um terço das áreas protegidas na Terra estão a ser devastadas por várias atividades humanas.»
(Susana Laires, 21 de maio de 2018, TWC Portugal)

Com o texto de hoje pretendo apenas deixar algumas pistas para reflexão sobre a forma como, em Almada, se tem vindo a proteger (ou não) a paisagem natural do nosso concelho, partindo do exemplo da Arriba Fóssil da Costa de Caparica que, além de integrar a área da Reserva Ecológica Nacional (REN) tem um Plano de Ordenamento próprio.
Estará este território devidamente protegido ou, pelo contrário, faz parte do terço das áreas que estão a ser devastadas pela ação humana?

Se apesar do estatuto de proteção a devastação existe, o que tem falhado e de quem é a responsabilidade?


Centremo-nos numa área específica, o Carrascalinho, onde se encontra localizada uma área urbana de génese ilegal (AUGI) identificada pela autarquia: o Bairro do Foni (L530/87):
«Aglomerado de pequena dimensão, de génese ilegal implantado junto ao limite da Arriba Fóssil, em espaço de vocação turística e espaço cultural/natural conforme consta na Planta de Ordenamento do PDM de Almada. É caracterizado por uma malha ortogonal limitada a Poente pela Arriba o que origina diversas situações de impasses na sua direção. A implantação do edificado, embora pouco densa, acompanha o traçado dos arruamentos em terra batida.
Não tem espaços públicos definidos. Estes tipos de espaços são constituídos pelos arruamentos em terra batida e outros espaços residuais entre as propriedades privadas. Não existem passeios ou mobiliário urbano e a iluminação pública é muito pontual.
O edificado existente é constituído na sua totalidade por habitações unifamiliares isoladas que variam entre 1 e 2 pisos. Não existe nenhum edifício com valor arquitetónico de realce embora o estado de conservação geral seja razoável e/ou bom
Verifica-se que a evolução do parque habitacional tem sido quase inexistente. Os lotes de terreno ainda por construir comprovam isso mesmo. Em termos habitacionais os edifícios correspondem, na sua grande maioria, a segunda habitação.»
Era assim em março de 2007, conforme ficha n.º 2 do POPPAFCC, e assim continua em 2018 pois a Câmara Municipal apesar de ter delimitado o bairro como sendo uma AUGI, criando expetativas de regularização aos proprietários locais, acabou por nunca chegar a entendimento com a Administração e o impasse mantém-se até ao presente.
Começamos por colocar a questão: o Bairro do Foni podia ser considerado uma AUGI após a publicação do respetivo regime jurídico? Atentos à definição do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro:
«Consideram-se AUGI os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objeto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, e que, nos respetivos planos territoriais, estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º»
E ao disposto no n.º 2 do artigo 5.º do mesmo diploma:
«As áreas abrangidas por reserva ou servidão podem ser desafetadas até ao estrito limite do necessário à viabilização da operação de reconversão, desde que não seja posto em causa o conteúdo essencial ou o fim da reserva ou da servidão, nem envolva perigo para a segurança ou para a saúde das pessoas e bens.»

A resposta à nossa pergunta não é fácil, mas quer-nos parecer que só pode mesmo ser: NÃO! E porquê? Primeiro: o PDM de Almada (1997) não considerava aquela área como espaço urbano ou urbanizável. Segundo: os terrenos encontravam-se em área da REN. Terceiro: apesar de ter considerado o Bairro do Foni como AUGI, a CMA nunca terá proposto que o respetivo perímetro fosse desafetado daquela servidão pública e mais tarde o POPPAFCC (2007) manteve as restrições ao uso do solo naquele local.



Uma situação diferente será a da Quinta dos Medos (imagem acima) que embora de construção recente (1992), possui um “jardim pós-moderno onde às preocupações de carácter naturalista e de base ecológica se junta um tema - A segunda Natureza de Cícero, em que se aborda o tema da biodiversidade criada pelo Homem. Os caminhos curvilíneos, de carácter orgânico, são cortados por eixos axiais estruturantes do projeto, onde o peso da forma suplanta o da função.”
«“Uma preexistência num terreno inserido em REN é frequentemente mais valorizada pelo mercado imobiliário, por se inserir em zona onde, no presente, essa construção é impossível de se realizar, sendo, em consequência , um imóvel mais valorizado pelo mercado e não desvalorizado” – refere Rui Moreira de Resende à Vida Económica» em 06-04-2018.
Júlia Reis (Geógrafa) e Maria Teresa Correia (Juíza) em outubro de 2007, durante o VI Congresso de Geografia Portuguesa, numa intervenção conjuntam intitulada “Lei das AUGI no quadro das alterações ao regime jurídico de gestão territorial” afirmaram:
«A transformação do solo não planeada e, na maior parte das vezes, completamente divorciada das estratégias de desenvolvimento municipal, e das regras legais e regulamentares aplicáveis, originou estruturas urbanas com as mais diversas patologias, tais como: ocupação de solos impróprios para construção, delapidando recursos e destruindo equilíbrios ecológicos; ausência de infraestruturas básicas ou incipientes cujo alastramento da construção no território as torna inviáveis ou extremamente onerosas; falta de espaços para equipamentos coletivos e zonas verdes; incorreta implantação das construções numa notória má organização do tecido urbano e dos espaços públicos, ausência de hierarquia viária aumentando pontos de conflito; ausência de diversidade funcional que suporte a permanência da população e responda às necessidades básicas diárias e ainda ausência de relações de vizinhança com a envolvente próxima. (…)
O clandestino espera que o tempo jogue a seu favor, isto é, que a periferia deixe de ser tão periférica e que as ações estatais e, em particular, as municipais, sejam, desencadeadas visando a consolidação e recuperação do loteamento, e, por conseguinte, a melhoria das suas condições de habitação num interesse egoísta e especulativo do indivíduo com absoluto desprezo pelo interesse social, numa perspetiva do máximo benefício da sua parcela, isoladamente, sem ponderar os aspetos mais gerais dos seus atos, com prejuízos e conflitos para a área do interesse coletivo.»
Em Almada, a postura do município sempre foi a do “facto consumado”. Com uma fiscalização incipiente e uns serviços de urbanismo tolerantes por deliberada opção política, assim se foi permitindo a proliferação de urbanizações clandestinas e a delapidação do património natural.

CONTINUA

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