Extrato da Carta
da REN (desenho 2) que integra o Plano Diretor Municipal de Almada
«Ao que parece, as áreas
protegidas são, na realidade, pouco protegidas. Um novo estudo concluiu que um
terço das áreas protegidas na Terra estão a ser devastadas por várias
atividades humanas.»
(Susana
Laires, 21 de maio de 2018, TWC Portugal)
Com o texto de hoje pretendo apenas deixar algumas pistas para
reflexão sobre a forma como, em Almada, se tem vindo a proteger (ou não) a
paisagem natural do nosso concelho, partindo do exemplo da Arriba Fóssil da Costa de
Caparica que, além de integrar a área da Reserva
Ecológica Nacional (REN) tem um Plano
de Ordenamento próprio.
Estará este território devidamente protegido ou, pelo contrário, faz
parte do terço das áreas que estão a ser devastadas pela ação humana?
Se apesar do
estatuto de proteção a devastação existe, o que tem falhado e de quem é a
responsabilidade?
Centremo-nos numa área específica, o Carrascalinho, onde se
encontra localizada uma área urbana de génese ilegal (AUGI) identificada pela
autarquia: o Bairro do Foni (L530/87):
«Aglomerado
de pequena dimensão, de génese ilegal implantado junto ao limite da Arriba
Fóssil, em espaço de vocação turística e espaço cultural/natural conforme
consta na Planta de Ordenamento do PDM de Almada. É caracterizado por uma malha
ortogonal limitada a Poente pela Arriba o que origina diversas situações de impasses
na sua direção. A implantação do edificado, embora pouco densa, acompanha o
traçado dos arruamentos em terra batida.
Não tem
espaços públicos definidos. Estes tipos de espaços são constituídos pelos
arruamentos em terra batida e outros espaços residuais entre as propriedades
privadas. Não existem passeios ou mobiliário urbano e a iluminação pública é
muito pontual.
O edificado
existente é constituído na sua totalidade por habitações unifamiliares isoladas
que variam entre 1 e 2 pisos. Não existe nenhum edifício com valor arquitetónico
de realce embora o estado de conservação geral seja razoável e/ou bom
Verifica-se
que a evolução do parque habitacional tem sido quase inexistente. Os lotes de
terreno ainda por construir comprovam isso mesmo. Em termos habitacionais os
edifícios correspondem, na sua grande maioria, a segunda habitação.»
Era assim em março de 2007, conforme ficha
n.º 2 do POPPAFCC, e assim continua em 2018 pois a Câmara Municipal apesar
de ter delimitado o bairro como sendo uma AUGI, criando expetativas de regularização
aos proprietários locais, acabou por nunca chegar a entendimento com a
Administração e o impasse mantém-se até ao presente.
Começamos por colocar a questão: o Bairro do Foni podia ser considerado
uma AUGI após a publicação do respetivo regime jurídico? Atentos à definição do
n.º 2 do artigo 1.º da Lei
n.º 91/95, de 2 de setembro:
«Consideram-se
AUGI os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença
de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objeto de operações
físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor
do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, e que, nos respetivos planos
territoriais, estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável, sem
prejuízo do disposto no artigo 5.º»
E ao disposto no n.º 2 do artigo 5.º do mesmo diploma:
«As áreas abrangidas por reserva ou servidão podem ser desafetadas
até ao estrito limite do necessário à viabilização da operação de reconversão,
desde que não seja posto em causa o conteúdo essencial ou o fim da reserva ou
da servidão, nem envolva perigo para a segurança ou para a saúde das pessoas e
bens.»
A resposta à nossa pergunta não é fácil, mas quer-nos parecer que só
pode mesmo ser: NÃO! E porquê? Primeiro: o PDM de Almada (1997) não considerava
aquela área como espaço urbano ou urbanizável. Segundo: os terrenos encontravam-se
em área da REN. Terceiro: apesar de ter considerado o Bairro do Foni como AUGI,
a CMA nunca terá proposto que o respetivo perímetro fosse desafetado daquela
servidão pública e mais tarde o POPPAFCC (2007) manteve as restrições ao uso do
solo naquele local.
Uma situação diferente será a da Quinta
dos Medos (imagem acima) que embora de construção recente (1992), possui um “jardim pós-moderno
onde às preocupações de carácter naturalista e de base ecológica se junta um
tema - A segunda Natureza de Cícero, em que se aborda o tema da biodiversidade
criada pelo Homem. Os caminhos curvilíneos, de carácter orgânico, são cortados
por eixos axiais estruturantes do projeto, onde o peso da forma suplanta o da
função.”
«“Uma preexistência num terreno inserido em REN é frequentemente
mais valorizada pelo mercado imobiliário, por se inserir em zona onde, no
presente, essa construção é impossível de se realizar, sendo, em consequência ,
um imóvel mais valorizado pelo mercado e não desvalorizado” – refere Rui
Moreira de Resende à Vida
Económica» em 06-04-2018.
Júlia Reis (Geógrafa) e Maria Teresa Correia (Juíza) em outubro de
2007, durante o VI Congresso de Geografia Portuguesa, numa intervenção
conjuntam intitulada “Lei
das AUGI no quadro das alterações ao regime jurídico de gestão territorial”
afirmaram:
«A
transformação do solo não planeada e, na maior parte das vezes, completamente
divorciada das estratégias de desenvolvimento municipal, e das regras legais e
regulamentares aplicáveis, originou estruturas urbanas com as mais diversas
patologias, tais como: ocupação de solos impróprios para construção,
delapidando recursos e destruindo equilíbrios ecológicos; ausência de infraestruturas
básicas ou incipientes cujo alastramento da construção no território as torna
inviáveis ou extremamente onerosas; falta de espaços para equipamentos coletivos
e zonas verdes; incorreta implantação das construções numa notória má
organização do tecido urbano e dos espaços públicos, ausência de hierarquia
viária aumentando pontos de conflito; ausência de diversidade funcional que
suporte a permanência da população e responda às necessidades básicas diárias e
ainda ausência de relações de vizinhança com a envolvente próxima. (…)
O clandestino
espera que o tempo jogue a seu favor, isto é, que a periferia deixe de ser tão
periférica e que as ações estatais e, em particular, as municipais, sejam,
desencadeadas visando a consolidação e recuperação do loteamento, e, por
conseguinte, a melhoria das suas condições de habitação num interesse egoísta e
especulativo do indivíduo com absoluto desprezo pelo interesse social, numa perspetiva
do máximo benefício da sua parcela, isoladamente, sem ponderar os aspetos mais
gerais dos seus atos, com prejuízos e conflitos para a área do interesse coletivo.»
Em Almada, a postura do município sempre foi a do “facto consumado”.
Com uma fiscalização incipiente e uns serviços de urbanismo tolerantes por
deliberada opção política, assim se foi permitindo a proliferação de urbanizações
clandestinas e a delapidação do património natural.
CONTINUA
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