A
propósito da discussão de ontem na Assembleia Municipal de Almada sobre a
questão da atribuição de casas sociais pelo município, e que motivou uma troca
de argumentos entre a bancada da CDU e a vereadora Teodolinda Silveira não
posso deixar de manifestar a minha total
indignação pelo comportamento (que classifico de hipócrita, mesquinho e,
sobretudo, aldrabão – sim, porque as acusações que tentam difundir como verdade
são apresentadas de forma tão confusa e inconsistente que depressa são tidas
como mentiras) da força política que durante mais de quarenta anos esteve à
frente dos destinos desta autarquia e, no presente, quando fica evidente o
mau serviço prestado às populações reagem como se nada tivessem a ver com a
situação (sentindo-se muito ofendidos pela denúncia pública dos atos ilícitos
praticados), mas quando lhes convém gostam de colher os louros pelo trabalho
que dizem ter realizado mesmo que a forma como o faziam fosse avessa ao
cumprimento da lei.
Durante a discussão da atividade municipal, às perguntas
do Presidente da Junta da União das Freguesias da Charneca de Caparica e
Sobreda:
«… Há uns dias, na
primeira comissão fui confrontado com a inexistência de um regulamento para a
entrega de habitação social em Almada. Este é um caso que consideramos grave.
Muito grave! E gostaria de fazer aqui duas perguntas e também era bom que se
esclarecesse os almadenses: em virtude de não existir regulamento municipal
para entrega de habitação quais foram os critérios que presidiram nos últimos
anos à entrega dessa habitação? Depois, se está feito um levantamento dos
beneficiários (quem são os beneficiários dessa habitação), todos, se quem
habita nas casas se são os verdadeiros beneficiários ou se são familiares ou
terceiros que lá estão. E era também importante esclarecer-se qual foi o estado
do património de habitação social deixado pelo anterior executivo.»
A vereadora Teodolinda Silveira esclareceu:
«Respondendo
diretamente às questões que foram colocadas. Não existe regulamento. Pensamos
ainda durante o mês de dezembro desencadear o processo, que tem uma moldura
legal própria, para a execução e concretização de um regulamento de atribuição
de habitação…
Não
havendo regulamento não havia critérios. Isto é aquilo que posso falar da minha
experiência, e tendo em conta as poucas casas que existiam para atribuir aquilo
que seguimos foram os dois critérios que a lei tem: casos de violência doméstica
que são prioritários e portadores de deficiência. E, infelizmente, nem a todos
os casos que estão dentro desta primeira premissa podemos responder.
Claro
que entendemos que deve haver um regulamento, que ele tem que ser aplicado
quando existir e quando houver qualquer atribuição de casa mas, neste momento,
também não temos muitos problemas com isso porque as casas para atribuir são
completamente exíguas.
Relativamente
ao estado dos bairros municipais, como eu já disse aqui mais do que uma vez, só
teremos essa noção exata quando terminar o levantamento que começou em outubro
e cujo relatório estará pronto durante o mês de dezembro. Nessa altura, e tendo
em conta que foram as vertentes que foram solicitadas nesse levantamento (a
questão do edificado, as obras necessárias, a questão do ajuste do fogo ao
agregado que lá está – que nuns casos é a mais noutros é a menos o número de
pessoas que habitam no respetivo fogo) e também a respetiva à titularidade
(temos já alguma informação que vamos acompanhando, e temos já informação de
que efetivamente temos muitas casas indevidamente ocupadas.
Indevidamente
não direi que fosse por ocupação, temos algumas mas não são tantas assim, a
questão que se coloca mais é passarem de mão em mão e não sabermos em que
condições (se foi porque a deixa ao foi, ao pai, ao tio, ao amigo) ou se por
detrás… conhecemos casos um pouco mais complicados que já não são de “vou-me
embora e deixo-te a casa” mas existe aqui uma economia paralela, digamos assim,
na gestão das habitações mas todo esse levantamento está a ser feito e,
portanto, logo que ele esteja pronto daremos conta.»
Antes
de continuar é, todavia, necessário que vos deixe a transcrição do sumário do Acórdão
do Tribunal Central Administrativo Sul que em 09-02-2012 condenou a
Câmara Municipal de Almada por, entre outros aspetos, ter subido cerca de
3.000% (sim, leram bem: 3.000%) a renda de uma habitação num dos bairros
sociais de que é proprietária:
«I – Com a entrada em vigor do DL
n.º 797/76, de 6 de novembro, passou a competir aos serviços municipais
de habitação do respetivo município a distribuição dos fogos respeitantes às
casas económicas, às casas para famílias pobres, às casas de renda económica e
às casas de renda limitada.
II – A atribuição de tais fogos
não é aleatória ou sujeita à total discricionariedade da entidade competente
para tal, razão pela qual a lei previu que a atribuição de habitações sociais
fosse efetuada mediante concurso.
III – Os concursos para atribuição
do direito à propriedade ou ao arrendamento dos fogos referidos no n.º 2 do
artigo 3.º do DL
n.º 797/76, de 6 de novembro, e na demais legislação relativa a
habitação social que remeta a atribuição de fogos para os serviços municipais
de habitação, passou a obedecer ao Regulamento aprovado pelo Decreto
Regulamentar n.º 50/77, de 11/8.
IV – Nos termos do citado
regulamento, a habitação a atribuir a cada agregado familiar tem de ser a
adequada à satisfação das suas necessidades, considerando-se como tal a
habitação cujo tipo, em relação à composição daquele agregado, se situe entre o
máximo e o mínimo previstos no quadro constante do n.º 3 do seu artigo 3.º, de
modo a impedir que se verifiquem situações de sobreocupação ou subocupação.
V – De acordo com o referido
quadro, essa adequação tem como parâmetro a composição do agregado familiar do
concorrente [nº de pessoas do agregado], em função da qual se prevê a tipologia
de habitação, entre um mínimo e um máximo, que melhor satisfaça as necessidades
do agregado familiar.
VI – A questão de saber o que se
deve entender por tipologia de habitação consta do diploma que, à data [e ainda
atualmente] regulamentava a execução de novas edificações ou de quaisquer obras
de construção civil, a reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou
demolição das edificações e obras existentes, e bem assim os trabalhos que
impliquem alteração da topografia local, dentro do perímetro urbano e das zonas
rurais de proteção fixadas para as sedes de concelho e para as demais
localidades sujeitas por lei a plano de urbanização e expansão, isto é, o
Regulamento Geral das Edificações Urbanas [RGEU], aprovado Decreto-Lei
n.º 38.382, de 7 de agosto de 1951.
VII – A tipologia das habitações
consta do artigo 66.º do RGEU, cujo n.º 1 contempla um quadro que prevê o nº de
compartimentos e o tipo de fogo que lhe está associado e a área mínima de cada
fogo, excluindo vestíbulos, instalações sanitárias, arrumos e outros compartimentos
de função similar.
VIII – O quadro constante do n.º 3
do artigo 3.º do DR n.º 50/77 prevê
que para um agregado composto por duas pessoas, como é o caso da autora, seja
adequado um tipo de habitação que pode variar entre um T 1/2 e um T 2/4
[tipologia T1, duas pessoas, a tipologia T2, quatro pessoas]
IX – Face à ausência de
contestação por parte do município de Almada, ficou assente o facto alegado
pela autora, ou seja, que a habitação atribuída à sua falecida mãe, e cujo
arrendamento lhe foi transmitido, é composta por quatro compartimentos: quarto
de casal, quarto duplo, sala e cozinha, com uma área bruta de 66,47 m2 e útil
de 56,67 m2 [cfr. ponto v. da matéria de facto assente].
X – Sendo essa a composição da
habitação, a mesma não pode deixar de se considerar um T2, de acordo com a
definição prevista no quadro constante do n.º 1 do artigo 66.º do RGEU, ainda
que a área da mesma corresponda à área mínima dum T3 com cinco compartimentos.
XI – Consequentemente, a tipologia
da habitação onde a autora reside ainda se mostra adequada ao número de pessoas
que compõem o seu agregado familiar, ou seja, duas pessoas [cfr. artigo 3.º, n.º
3 do DR n.º 50/77, de 11/8].
XII – Mostrando-se a mesma
adequada, face aos normativos citados, não pode falar-se em subocupação do fogo
e, como tal, também não podia o município réu, enquanto entidade locadora,
determinar a transferência da autora [arrendatária] e do respetivo agregado
familiar para outra habitação de tipologia considerada [mais] adequada dentro
da mesma localidade, nem tão pouco impor, face ao incumprimento pelo
arrendatário dessa determinação, o pagamento por inteiro do respetivo preço
técnico [cfr. artigo 10.º, n.ºs 2 e 3 do DL n.º 166/93, de 7/5].»
Voltando
à sessão de ontem, ainda bem que existem as gravações para memória futura, pois
entre outros episódios semelhantes que já ocorreram neste plenário durante este
mandato (protagonizados igualmente pela bancada da CDU), assistimos a um triste
espetáculo de João Geraldes
(mais um de entre os muitos que nos tem vindo a proporcionar desde que a CDU
perdeu as eleições autárquicas em outubro de 2017):
«…
não se avança com o processo da habitação, da atribuição de casas, porque não
há regulamento? Foi o que a senhora vereadora disse! Não há regulamento e
atribui as responsabilidades todas ao anterior executivo … no mandato anterior
foram atribuídas pela câmara municipal à volta de duzentas e cinquenta casas a
famílias necessitadas.
Não
houve regulamento! Mas foram atribuídas. Eu acho que um ano e um mês depois de
terem tomado posse, é no mínimo deselegante que continuem a insistir que não
havia critérios. Porque, obviamente, havia critérios.
O
facto de não haver regulamento não quer dizer que não havia critérios. Eu acho
que é um bocado exagerado dar a entender que antes era o caos e agora connosco
é o paraíso.»
Na
ânsia de criticar o atual executivo e defender o anterior, para tentar desviar
as atenções da inépcia e irresponsabilidade da CDU na gestão do parque
habitacional do município mas, sobretudo, para desvalorizar a inexistência de
regulamento (uma imposição legal) e a atitude casuística e parcial como agiam
na atribuição de casas às famílias carenciadas do concelho, João Geraldes
resolveu adulterar as palavras da vereadora Teodolinda Silveira e, mesmo
sabendo que a gravação em vídeo da sessão
o iria desmentir facilmente, ainda assim não se coibiu de sustentar as
acusações que fez baseado em premissas que sabia erradas. Fê-lo, ao que tudo
indica, deliberadamente e com dolo (intenção de caluniar), pelo que na minha
opinião, trata-se de uma evidente falta de ética política inqualificável.
«Senhor
deputado. Eu acho que não ouviu nada do que eu disse. Ou, então, ouviu e cortou
algumas coisas pelo meio. Mas eu lembro-lhe o que é que eu disse, respondendo
ao senhor deputado que me fez três perguntas concretas: se havia regulamento,
quais eram os critérios e qual era o estado dos bairros sociais. Foram estas as
três perguntas.
E
eu respondi: não há regulamento. E não menti. Estamos a pensar que ainda
durante o mês de dezembro o teremos. É um processo que é demorado…
E
a seguir disse assim: nas poucas casas que havia não tivemos muitos problemas
de critérios. Foi aquilo que eu respondi. Não tivemos. Porquê? Eram tão poucas
que nos bastou os dois critérios que a lei prevê (violência doméstica e
portadores de deficiência) para as poucas casas serem atribuídas.
Durante
o mandato anterior atribuíram 250, mas eu não tenho para atribuir. Eu nunca
disse que não atribuíram. Agora para atribuir é preciso ter. Eu não disse nada
daquilo que o senhor deputado João Geraldes disse.
Disse
que não há regulamento? Não há! Vamos fazê-lo, vamos dar início ao processo? Vamos!
Que atribuímos as poucas casas que tínhamos aos casos gritantes e que não
precisamos de critérios pois são tão poucos que basta os que estão na lei. Portanto,
eu não disse nada daquilo que o senhor disse. Agora que não atribui casas
porque não tinha critérios? Mas onde é que eu disse isso? Tomara eu ter casas.
Porque os critérios eu arranjava-os pode ter a certeza.
O
problema da habitação é um problema grave… Efetivamente não temos casas. Vamos
agora fazer o levantamento, saber as titularidades indevidas, com as obras que
vamos fazer tentar recuperar algumas casas. Agora isto não se faz. Eu acho
interessante que me digam, um ano…Um ano? E num ano faz-se aquilo que vocês não
fizeram durante não sei quanto tempo? ...
Eu
tenho é que constatar que tenho o parque habitacional como tenho. Não tenho
culpa. Com casas com as obras identificadas, mas muitas outras nem
identificadas sequer, mas não feitas, com canalizações completamente
degradadas… Reportar o que é a realidade…»
Uma
autarquia que se pretendia gerida por autarcas modelo de
“capacidade de trabalho, honestidade e competência”, com dirigentes
extraordinários e funcionários exemplares, mas que durante quatro décadas se
mostrou incapaz de elaborar um regulamento de atribuição de habitação social é
muito estranho e só nos faz pensar que assim era por opção deliberada dos
sucessivos executivos. E, mais uma vez, com a conivência passiva (ou, pelo
menos, pouco atuante, dos partidos da oposição).
E
era assim porquê? É óbvio que a CDU nunca irá ser verdadeira na resposta que
possa dar a esta questão, por isso nem vale a pena insistir.
Embora
a ausência do regulamento municipal não obstasse (muito pelo contrário) ao
cumprimento dos procedimentos legalmente definidos para cedência de casas de
habitação social nos municípios (que deve ser efetuada por concurso, nos termos
do Decreto
Regulamentar n.º 50/77, de 11 de agosto) a sua inexistência torna
todo o processo muito menos transparente e abre a porta à discricionariedade
arbitrária da Administração e à prática de injustiças pois existem critérios
específicos que podem ser aplicados localmente e que por não constarem da
legislação acabam por ser desconhecidos do público em geral dando azo a que o
tráfico de influências (favorecimentos) seja uma realidade.
As
polémicas em torno da atuação da Câmara Municipal de Almada nesta matéria não
são de hoje. E apesar da amnésia generalizada que a bancada da CDU sofre, a
leitura atenta daquela condenação
em Tribunal cujo sumário transcrevemos no início mostra bem a
insensibilidade com que as questões da habitação social eram tratadas no nosso
concelho.
Outros
artigos sobre a questão dos bairros sociais da CM de Almada,
10-01-2008:
Os
bairros camarários da CMA, outra vez.
17-10-2007:
Coerência
política?