quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

SIADAP3 – INCENTIVO À MEDIOCRIDADE?

 

Alguns conselhos aos(às) avaliados(as) para defesa dos seus direitos!


 Estamos na quinzena da autoavaliação do biénio 2021-2022 e aproxima-se a contratação de objetivos e competências para o biénio 2023-2024, altura ideal para prestar alguns esclarecimentos sobre este sistema de avaliação, criado com o objetivo de promover o mérito, mas que tem vindo a ser usado como instrumento de incentivo à mediocridade.

A imagem que ilustra este artigo contém a mensagem central deste texto: que o SIADAP, na forma como tem vindo a ser implementado, é um sistema pouco transparente. E a multiplicidade de erros que são conhecidos (tal qual as gotas de chuva na vidraça) embatem na intolerável passividade dos decisores políticos.

Nos termos do n.º 4 do artigo 82.º da Lei n.º 35/2014, “todos os trabalhadores têm direito ao pleno desenvolvimento da respetiva carreira profissional, que pode ser feito por alteração de posicionamento remuneratório ou por promoção”.

O desempenho é avaliado de dois em dois anos e resulta da média aritmética da classificação obtida em dois parâmetros (objetivos e competências):

A avaliação final resulta da média ponderada entre objetivos – 60% e competências – 40% e é expressa em três níveis de classificação:


O posicionamento remuneratório é, obrigatoriamente, alterado sempre que o trabalhador “tenha acumulado 10 pontos nas avaliações do desempenho”, mas também pode ocorrer por opção gestionária após obtenção de uma menção de “excelente”, duas menções consecutivas de “relevante” ou três menções consecutivas de “adequado”, o que faz diminuir aquela década para períodos substancialmente mais curtos: de 2, 4 ou 6 anos.


Todavia, devido às quotas impostas pelo n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 66-B/2007, só 25% do total de trabalhadores avaliados pode ter “desempenho relevante” e de entre estes somente 5% poderão vir a ser reconhecidos como “excelentes”, o que significa que 75% de trabalhadores terão de aguardar uma década para subir uma simples posição remuneratória. 

O investigador do Instituto Politécnico de Coimbra, Miguel Lira, numa conferência realizada em 2014 apresentou a comunicação “Fatores que conduzem à insatisfação e à perceção de imprecisão e injustiça do SIADAP: uma abordagem qualitativa” onde expõe inúmeros testemunhos que mostram a triste realidade deste sistema de avaliação. Destacamos três deles:

  • “o SIADAP não reflete o real desempenho dos colaboradores. Serve para promover favoritismo e não tem qualquer ligação com o mérito.”
  • “com o número reduzido de quotas, verifica-se muitas vezes que as classificações máximas são para “amigos e protegidos” e funcionários com um desempenho excelente só porque não se encontram nesse grupo não são reconhecidos.”
  • “não é tanto o facto de neste momento as classificações máximas não se fazerem sentir em termos práticos – promoções ou gratificações – que nos desmotivam, mas sim o ‘reconhecimento por amizade’ em vez do ‘reconhecimento por competência’. Isso sim é muito desmotivante.”

A conclusão a que Miguel Lira chegou em 2014 é, infelizmente, a que encontramos hoje em dia (2023), atrevo-me a dizer, em todos os serviços da administração pública (central e local), salvo raríssimas exceções:

“A partir dos dados coligidos, concluímos que os fatores assinalados passam pela perceção da existência de favoritismos; pela imposição de quotas para as melhores classificações; a sua atual falta de efeitos práticos; e procedimentos realizados fora dos prazos legalmente estabelecidos.

Em suma, os fatores supramencionados levam os avaliados a considerarem o processo de avaliação injusto, impreciso e insatisfatório, não servindo os seus objetivos enquanto instrumento de administração dos recursos humanos públicos. A razão é simples: é notório que estes fatores, isoladamente ou em conjunto, terão efeitos contraproducentes e nocivos ao nível da motivação, da satisfação e da perceção de justiça e precisão do SIADAP. (…) Assim, a insatisfação e a perceção de injustiça e de imprecisão para com o SIADAP podem resultar no seu insucesso, refletindo-se – eventualmente – numa diminuição do desempenho profissional e numa diminuição da motivação.”

 

Da minha vasta experiência como funcionária pública (já lá vão quase quatro décadas, duas delas como avaliadora) este triste retrato, entre outras falhas, centra-se no parâmetro competências e na forma irresponsável como a maioria dos dirigentes as analisa, e deve-se, sobretudo, ao facto de não haver uniformização de critérios para avaliação dos respetivos descritores comportamentais de modo a diminuir o grau de discricionariedade e evitar as injustiças que resultam dos erros mais comuns cometidos pelos avaliadores:

  • Efeito de leniência e/ou severidade – propensão do avaliador para atribuir a classificação mais elevada ou a mais baixa, independentemente do desempenho efetivo do avaliado;
  • Efeito de halo e/ou Horn – quando o avaliador opta por classificar todos os fatores a ter em consideração com base na impressão que a classificação num deles lhe causou, seja pela positiva ou pela negativa, respetivamente;
  • Efeito de tendência central – recusa do avaliador em destrinçar desempenhos extemos (positivos ou negativos) classificando o avaliado, sistematicamente, como mediano;
  • Efeito de similitude – atribuição da melhor classificação aos avaliados por afinidades que nada têm a ver com o desempenho profissional.

Sem:

  • Definição prévia de uma metodologia que permita homogeneizar a avaliação das competências na mesma organização (isto é, garantir que competências idênticas são avaliadas de forma igual e que os trabalhadores não ficam sujeitos ao livre arbítrio e/ou aos estados de humor de cada avaliador);
  • Utilização de técnicas fiáveis de monitorização (oficial e regular) dos comportamentos afetos a cada competência;
  • Partilha entre avaliadores e avaliados dos instrumentos de avaliação de competências utilizados;
  • Adoção de procedimentos que garantam, de forma transparente, o direito dos avaliados a terem conhecimento prévio de todos os critérios a que estiveram sujeitos (e não apenas no final do ciclo avaliativo, no momento da avaliação final).

Não é de estranhar que nas entidades onde isso acontece (e que são muitas, infelizmente) os dirigentes prefiram interpretar o n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 359/2013 de forma restritiva (numa visão jurídica limitada sem ponderar os múltiplos aspetos extra literais que ali estão em jogo, nomeadamente ao nível da psicossociologia comportamental) e considerem que os comportamentos associados a cada competência se referem, apenas, “ao padrão médio exigível de desempenho”. E, por isso, mas sobretudo porque lhes convém, consideram que a avaliação das competências cabe na “discricionariedade imprópria e na margem de livre apreciação” do avaliador.

Justificando-se com o facto de nem a lei, a jurisprudência ou a doutrina indicarem quais são, afinal, os padrões de mediocridade e/ou de excelência a observar em cada descritor comportamental, a maioria dos avaliadores atribuem essa responsabilidade a si próprios porque avaliar competências com base em meros “juízos de valor” lhes confere um poder imenso sobre os avaliados até porque sabem que, a não ser que se baseiem em pressupostos notoriamente errados, as suas opções “não são sindicáveis” e nem os tribunais viabilizam quaisquer denúncias nessa área deixando assim a porta aberta para serem cometidas múltiplas injustiças dificilmente contraditadas.

Todavia, apesar de amiúde esses dirigentes argumentarem que o caráter subjetivo da avaliação de competências resulta do entendimento, “que tem vindo a ser perfilhado, pacificamente, aceite pela doutrina e consolidado pela jurisprudência”, de que esse parâmetro cabe na alegada “discricionariedade imprópria e na margem de livre apreciação” do avaliador, como se fosse impossível aplicar critérios de redução da subjetividade, essa não é a opinião dos especialistas na área da psicossociologia, de entre os quais destacamos:

  • António Caetano, José Gonçalves das Neves e José Maria Carvalho Ferreira (2020) – Psicossociologia das Organizações;
  • Margarida Segurado (2017) – Entrevista de Avaliação de Competências;
  • Pedro Camara (2015) – Manual de Gestão e Avaliação de Desempenho;
  • Núcleo de Psicologia da DCAP (2006) – Avaliação e Desenvolvimento de Competências na Administração Pública.

Por outro lado, se considerarmos outras falhas no processo de avaliação como sejam:

  • Contratualizar objetivos e competências sistematicamente em desrespeito pelos prazos estabelecidos na lei para o efeito;
  • Validar classificações (de competências) em violação do princípio da transparência, uma vez que naquelas condições os avaliados nunca têm conhecimento (antes, durante ou depois de cada ciclo avaliativo) de quais são/foram, afinal, os critérios utilizados para avaliar os descritores comportamentais que têm/tiveram de demonstrar;
  • Dispensar, apesar de a lei o exigir, seja efetuada a adequada monitorização do desempenho (formal e com a participação de avaliador e avaliado) o que pode inviabilizar a recolha de evidências probatórias;
  • Considerar admissível que os avaliadores façam meras apreciações genéricas de competências (tendo por referência a descrição introdutória da competência) e não lhes seja exigida a apresentação de provas concretas (factuais) que sustentem a avaliação de cada um dos descritores comportamentais;
  • Continuar a utilizar, em sede de reclamação, o impedimento das quotas como justificação para manter o “Adequado”, apesar de, nessa situação, o “Relevante” não ser contabilizável, e com esse efeito restritivo impedir que seja reconhecido o “mérito real do avaliado” esvaziando “o direito deste em obter uma verdadeira reavaliação do seu desempenho nos termos e com o alcance que derivam dos artigos 8º e seguintes da Lei n.º 10/2004, de 22.03, e 3º e seguintes do Decreto Regulamentar 19-A/2004, de 14 de maio.” (Acórdão n.º 00784/10.8BECBR do TAF de Coimbra, de 31-01-2020).

Não é de admirar que os trabalhadores, na generalidade, se sintam bastante desmotivados (humilhados e até frustrados). Insatisfação a que apenas escapam os poucos beneficiados que “caíram nas graças dos respetivos dirigentes” (os tais que obtêm sempre boas classificações mesmo quando o seu desempenho é medíocre).

Mas se, individualmente, como avaliados, não podemos mudar o sistema (legislação e mentalidades), podemos (devemos) estar atentos e defender os nossos direitos de forma veemente. Para ajudar nessa tarefa, deixo alguns conselhos.

Aquando da contratualização de competências para o próximo biénio (2023-2024), estejam atentos a um aspeto importante que não deve ser descurado: “cada comportamento deve esgotar-se na competência a que corresponde e não deve estar associado a mais do que uma competência para evitar ambiguidades”, como nos diz a psicóloga Margarida Segurado.

Para entenderem melhor a situação, vejamos um conjunto de cinco competências (da carreira de técnico superior) que, habitualmente, aparecem conjugadas:


Quando comparamos estas cinco competências, verificamos que “não são mutuamente exclusivas” porque há três que incluem comportamentos semelhantes entre si (Entrevista de avaliação de competências – Metodologia CIG, 2017, pp. 55 e 57), o que denota, no mínimo, que houve falta de cuidado na respetiva atribuição.

Ou seja, qualquer apreciação destas três competências, e a respetiva classificação final como “mediana” ou “em grau elevado”, não pode ficar prejudicada pelo facto de haver sobreposição de descritores, isto é:

  • Se o avaliador considera que o trabalhador é ativo e dinâmico em grau elevado (com base em evidências concretas e não em meros juízos de valor) quando analisa a competência “INICIATIVA E AUTONOMIA”, não pode depois achar que ele é apenas mediano no que se refere ao “papel ativo e cooperante” quando aprecia o “TRABALHO DE EQUIPA E COOPERAÇÃO”;
  • Se o trabalhador no desempenho das suas funções demonstra, em grau elevado, que “propõe soluções” e “pondera alternativas” quando se aprecia a competência “ANÁLISE DA INFORMAÇÃO E SENTIDO CRÍTICO”, é inadmissível que os mesmos descritores venham a ser classificados somente como medianos aquando da avaliação da “INICIATIVA E AUTONOMIA”;
  • Se a proatividade e o dinamismo, assim como a apresentação de propostas e a ponderação e alternativas, já foram avaliados nas competências “TRABALHO DE EQUIPA E COOPERAÇÃO” e “ANÁLISE DA INFORMAÇÃO E SENTIDO CRÍTICO”, respetivamente, não pode o avaliador reduzir apenas a dois os comportamentos a demonstrar quando for apreciar a “INICIATIVA E AUTONOMIA” alegando que os outros dois já foram avaliados.

Por isso, estejam atentos a este tipo de ambiguidades na avaliação de competências, porque quando as mesmas são valoradas tendo por única fundamentação “juízos de valor”, alegadamente “não sindicáveis”, só dessa forma (esclarecida e interventiva) se consegue contrariar o poder discricionário desmesurado do avaliador que o desresponsabiliza pelas injustiças cometidas (mesmo quando evidentes). Por outro lado, calar é auto consentir na limitação dos próprios direitos de defesa e pactuar com uma situação que se pode mesmo classificar como inconstitucional por violação, entre outros, do princípio da igualdade de oportunidades (a ter uma avaliação justa).

Outro erro evidente, e já aqui referido, é permitir que as competências sejam apreciadas somente pela sua descrição genérica com base na intuição individual do avaliador numa interpretação casuística, pessoal e arbitrária, das ações e atitudes pessoais a ter em consideração. Apesar do perigo de essas avaliações serem injustas por, entre outros motivos, poderem variar em função do momento, do estado de espírito ou de simpatias pessoais, relegando o mérito e profissionalismo do trabalhador para um plano secundário, a maioria dos avaliadores raramente justifica a avaliação de competências por descritor comportamental, como deve ser.

Sugerimos, então, que apresente ao seu avaliador uma proposta de grelha de classificação de competências solicitando que a mesma seja fundamentada com factos recolhidos da monitorização que, nos termos da lei, deve ser regularmente efetuada. Deixo o exemplo para uma competência, mas que pode ser replicado para todas as outras.

E para obstar ao facto de o avaliador poder vir a “esquecer-se” de fazer o acompanhamento e monitorização do seu avaliado, nunca se esqueçam vocês de a fazer, coligindo o maior número possível de evidências do sobre o vosso desempenho. Será bastante útil, caso decidam reclamar da nota que vos for atribuída.


 

E se considerarem que a classificação que vos foi atribuída não é justa, nunca se acomodem. Sobretudo, se tiveram um desempenho “relevante” (com provas dadas) não se resignem à inclusão no rol dos “adequados” apenas porque, alegadamente, não couberam na quota dos 25%.

 RECLAMEM! É um direito que vos assiste.


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