Sejamos honestos, porra! (desculpem lá o desabafo e o palavrão).
Mas cada vez estou mais farta desta comunicação social que insiste
em retratar os professores como se fosse a única classe vítima das injustiças
no que se refere à progressão nas suas carreiras.
Depois da divulgação pública do estudo “Estado da Educação 2021”,
do Conselho Nacional de Educação, tem feito manchetes nos vários jornais o
título:
“Professores
têm de trabalhar em média até aos 62 para alcançarem topo da carreira”
Um escândalo: os professores “precisam,
em média, de 39 anos de serviço e 62 anos de idade para ascender ao
último escalão remuneratório"!
Pergunto eu: e a situação dos arquitetos, engenheiros, geógrafos, economistas, juristas, sociólogos, assistentes sociais, arquivistas, bibliotecários, psicólogos, etc.
etc. etc. incluídos na carreira geral de técnico superior da administração pública (para
falar apenas em trabalhadores a quem se exige o mesmo nível de qualificação de
base – licenciatura)? Alguém sabe como ocorre a respetiva progressão na carreira? (a propósito, vejam o texto que aqui publiquei ontem).
Se um jovem de 25 anos ingressar hoje (27 de janeiro de 2023) na
carreira de técnico superior, não bastam 39 anos de serviço para chegar ao topo:
a subir, obrigatoriamente, apenas de dez em dez anos, precisaria de 60 anos de
trabalho para chegar a meio da tabela remuneratória (7.ª posição), agora façam
as contas para imaginar de quantos mais anos de labuta precisaria para atingir
a 14.ª posição. Ou seja, mesmo que se mantenha em funções até aos 70 anos
(idade limite para permanecer na função pública) perspetiva-se que atinja a
idade da reforma antes de chegar à 6.ª posição.
Pois é, mas disto ninguém fala!
Imaginemos um outro caso: o de um trabalhador hoje com 63 anos e 36
de carreira. Antes da implementação do SIADAP progrediu na carreira em 1993,
1997 e 2000, devido à atribuição de duas menções de mérito excecional e através
de concurso público. Depois do SIADAP obteve uma avaliação com pontuação máxima
(2009) tendo-lhe sido reconhecido a excelência do desempenho. Depois dessa
data, apesar de ter obtido “desempenho relevante” em dois biénios nunca mais
conseguiu ultrapassar a fasquia dos 25% para caber na quota respetiva e baixou
sempre para “desempenho adequado” tendo de esperar 10 anos para subir uma
posição remuneratória. Chega a 2023 na 11.ª posição, mas por aí ficará até à idade
da reforma em 2025. Mesmo com um percurso de relevo, com vários períodos de
progressão de duração substancialmente inferior ao comum, para chegar à 14.ª posição
teria de trabalhar mais vinte anos.
Sabendo, por experiência própria, destas situações, já não suporto
ler (ouvir) a invasão noticiosa sobre o facto de os professores terem “de trabalhar em média até aos 62 para
alcançarem topo da carreira” … nesse aspeto há na função pública quem
esteja muito pior, apesar de, pelos vistos, esta ser matéria sem interesse
jornalístico e, lamentavelmente, tão pouco político ou sindical, uma vez que
este regime de avaliação do desempenho existe há quase duas décadas e não se
prevê venha a sofrer quaisquer alterações em breve (o assunto tem estado
arredado das reivindicações públicas que partidos e sindicatos têm feito).
E, já agora, uma última palavrinha, só para esclarecer umas coisas
que não costumam ser ditas… sobre a contagem do tempo de serviço…
Convém, antes de mais, esclarecer que se trata de um apuramento
exclusivamente para efeitos de progressão na carreira e não interfere na
contagem do tempo para a reforma.
Os professores sentem-se espoliados e há por aí comentários sobre
o tempo que o Governo lhes rouba (e não paga) e o tempo que cede a outros que recebem
mesmo não trabalhando.
Confesso que este tipo de argumentos me ofende.
Porque, por entre a justa luta dos professores por condições
dignas de trabalho e pelo merecido respeito pela importante função que desempenham
(e que eu compreendo e apoio), esta radicalização de posições baseadas em
pressupostos errados, retira muita da credibilidade à sua defesa.
É que, mesmo com todo o tempo de serviço colocado na contagem para a progressão na carreira, os técnicos superiores precisam, em regra, de mais de uma centena de anos de trabalho para atingirem a última posição remuneratória (o que torna essa meta inatingível) … aos professores, mesmo com esse tempo de serviço sonegado e que não é contado, conseguem chegar lá ainda em tempo de vida útil, mesmo que na véspera da reforma.
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