O que fazer para evitar ser prejudicado?
Neste segundo artigo sobre o tema da avaliação do desempenho dos trabalhadores da administração pública começo por recordar um parágrafo do primeiro texto que escrevi sobre o assunto: “SIADAP 3. Incentivo à mediocridade?”:
Nos termos do n.º 4 do artigo 82.º da Lei n.º
35/2014, “todos os trabalhadores têm direito ao pleno desenvolvimento da
respetiva carreira profissional, que pode ser feito por alteração de
posicionamento remuneratório ou por promoção” que, no caso dos técnicos
superiores, se distribui por 14 escalões remuneratórios:
Fonte: Sistema
Remuneratório da Administração Pública 2023.
O posicionamento remuneratório é, obrigatoriamente, alterado
sempre que o trabalhador “tenha acumulado 10 pontos nas avaliações do
desempenho” valorado da seguinte forma: dois pontos por cada “adequado”, quatro
pontos por cada “relevante” e seis pontos por cada “excelente”. Todavia, devido
às quotas impostas pelo n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º
66-B/2007, só 25% do total de trabalhadores avaliados pode ter “desempenho
relevante” e de entre estes somente 5% poderão vir a ser reconhecidos como tendo
um “desempenho excelente”.
Por isso, as perspetivas de evolução na carreira de um jovem
recém-licenciado acabado de ser selecionado para ocupar um lugar de técnico
superior, não são nada animadoras. Mesmo que volte ao sistema de ensino para
vir a usufruir da benesse dada a quem detenha o grau académico de doutor (Decreto-Lei
n.º 51/2022), a eventual subida remuneratória a obter por essa via
dificilmente impedirá que chegue à idade da reforma antes de atingir, sequer, o
meio da tabela (posição 7).
Esta constatação, e a desmotivação que ela acarreta, encontra um
campo fértil entre aqueles que, desprovidos de princípios éticos, não hesitam
em procurar esquemas para superar os entraves legais à progressão na carreira,
como sejam:
- A manipulação da avaliação do desempenho (através, nomeadamente, do empolamento da classificação de competências por este parâmetro permitir uma maior discricionariedade);
- A nomeação para cargos dirigentes em regime de substituição que se
eternizam muito além dos 90 dias a que se refere o n.º 3 do
artigo 27.º da Lei n.º 2/2004, e sem que tenha sido aberto concurso para provimento do lugar.
E nos serviços da administração pública em que os responsáveis máximos
praticam um estilo de liderança coercitiva, as situações atrás descritas são o
instrumento ideal para “terem na mão” um “exército subserviente” que obedece às
suas ordens sem contestar:
- De técnicos, porque querem continuar a ter “desempenho relevante” (quiçá, “desempenho excelente”) para encurtar o período de progressão na carreira;
- De dirigentes, por recearem perder o estatuto e voltar à posição
remuneratória anterior, com um rombo significativo no salário (por exemplo: um
técnico superior na posição 5 e nível remuneratório 28, aufere 1.945,49€ de
vencimento mensal ilíquido, mas se for nomeado para diretor de departamento –
cargo de direção intermédia de 1.º grau, a sua remuneração passa para
3.083,64€, valor ao
qual se acrescentam 321,25€/mês para despesas de representação).
Analisemos, agora, dois casos concretos (verídicos):
Um técnico superior (identificado pela letra J),
considerado um funcionário exemplar por colegas e dirigentes superou, com
distinção, todos os objetivos contratualizados nos últimos três biénios
consecutivos. Estranhamente, o avaliador considera que ao nível das
competências é apenas mediano embora nunca tenha justificado o porquê de tal
entendimento. Mesmo assim, dada a ponderação entre resultados (60%) e
competências (40%), o trabalhador consegue sempre um “desempenho relevante”.
Todavia, o CCA tem-lhe sistematicamente baixado a avaliação para “desempenho
adequado” (com a conivência do avaliador), alegando que a sua classificação não
cabe na quota dos 25% legalmente permitidos. Por isso, tem de aguardar dez anos
para mudar de posição remuneratória.
Em contrapartida, o mesmo avaliador considera que um outro técnico
superior (identificado com a letra E), membro do seu gabinete de apoio
pessoal, tem um “desempenho relevante” merecedor de se manter na quota dos 25%,
apesar de na organização ser público e notório o seu fraco desempenho (inseguro
no que se refere à assunção de responsabilidades, com conhecimentos
insuficientes na sua área de atuação e sérias dificuldades na resolução de
problemas mais complexos, precisa de orientações regulares e da ajuda constante
dos colegas para cumprir as tarefas que lhe cabem). Contudo, a obediência e
fidelidade demonstradas ao chefe são suficientes para lhe garantir a
sobreavaliação de competências que permitem a validação pelo CCA da
classificação proposta e, ao contrário do colega, passar para a posição
remuneratório seguinte em apenas seis anos.
Uma avaliação mais completa exigiria que fossem esclarecidas
algumas questões prévias que, lamentavelmente, não conseguimos apurar dado o
sigilo do processo (uma exigência que, na nossa opinião, colide com o princípio
da transparência a que a administração pública deve obedecer na sua atuação
diária):
- Os objetivos foram todos estabelecidos de forma equilibrada e realista, estão enquadrados no plano de atividades do serviço, são subsumíveis nos objetivos dos dirigentes e da organização, estão adaptados a cada posto de trabalho e são exequíveis, reformuláveis e mensuráveis?
- Os indicadores de medida, em todos os casos, são igualmente rigorosos, estão expressos de forma clara e têm em conta os três aspetos essenciais da sua constituição: temporalidade, qualidade e eficiência?
- As competências negociadas com cada trabalhador foram escolhidas de entre as que integram o perfil do seu posto de trabalho específico, atendem às qualificações funcionais da respetiva carreira e, sobretudo, foram definidas atendendo ao cumprimento dos objetivos acordados?
Estas questão são importantes porque até o parâmetro objetivos
pode ser desvirtuado ao adaptar a sua formulação (definição de metas e de indicadores
de medida) de modo a favorecer (ou prejudicar) aquele(a) que o terá de cumprir
ferindo,
assim, o imperativo constitucional da igualdade de tratamento entre todos os
avaliados.
A avaliação de competências destina-se a apurar os conhecimentos,
capacidades técnicas e comportamentos do trabalhador necessários para o
exercício da função que lhe cabe na organização, em particular no que se refere
ao cumprimento dos objetivos acordados para o biénio em apreço, mas é evidente
que no serviço onde “J” e “E” trabalham isso pouco importa, uma vez que o
dirigente máximo controla previamente as avaliações e “exige” a todos os avaliadores
que procedam aos “ajustamentos necessários”.
Naquela organização, onde a maioria dos dirigentes (avaliadores)
ocupa o lugar de “forma precária” é bom lembrar, e cuja formação em matéria de
avaliação de desempenho é fraca ou inexistente, a demonstração de competências
de certos técnicos é, assim, uma farsa “adaptada” às conveniências do dirigente
máximo e aos fins que pretende atingir: premiar os mais fiéis.
Apesar de contrariado pelo caos vivido na organização (onde são
raros os trabalhadores que aguentam lá permanecer mais de um ano e onde só os
seus “indefetíveis seguidores” se sentem recompensados), este dirigente
julga-se um administrador exímio e com dotes excecionais ao nível da gestão dos
recursos humanos. A insatisfação que leva aos constantes pedidos de mobilidade
são sempre culpa dos trabalhadores (que não sabem o que que querem) e nunca da
direção (que faz o seu melhor).
Esta incapacidade de perceber a realidade, a que se tem juntado a
“proteção política da tutela”, escudada atrás do pressuposto de que a avaliação
de competências assenta em meros juízos de valor não sindicáveis (por caberem na
conveniente e bem-vinda “discricionariedade imprópria e na margem de livre
apreciação” do avaliador), tem vindo a criar uma crescente sensação de
impunidade neste responsável que pretende transformar a pressão sobre os
avaliadores como sendo um “ato de justiça” aceitável perante a “insensatez da
lei” que, com as quotas, impede que os trabalhadores progridam nas suas
carreiras como merecem.
Acontece, porém, que o travão das quotas à progressão nas
carreiras, apesar de ser um aspeto (entre outros) que necessita ser revisto na
legislação atual, não justifica a inépcia dos avaliadores em matéria de
avaliação de competências nem determina este tipo de comportamentos que, como
no caso em apreço, condicionam as propostas a apresentar ao Concelho
Coordenador da Avaliação, de modo a que apenas caibam nas quotas os
trabalhadores que o dirigente máximo considera merecedores de serem avaliados
com “desempenho relevante” em cada biénio – uma clara violação do princípio
constitucional da imparcialidade. consubstanciado nas atitudes parciais atrás
descritas.
E se alguém ousar solicitar a intervenção da Comissão Paritária, cujo
parecer apesar de não ser vinculativo fornece uma ótima base argumentativa a
quem homologa, a pretendida revisão da classificação tem indeferimento quase garantido:
- Por os representantes da Administração serem sempre escolhidos de entre aqueles que estão em regime de substituição e, por esse motivo, não se atrevem a contrariar as “instruções recebidas de cima” – mesmo que os vogais eleitos pelos trabalhadores tenham posição contrária, aquele que coordena os trabalhos da CP (e que é, obrigatoriamente, um dos membros indicados pela direção, no caso os tais “dirigentes precários”) tem voto de qualidade e, por essa via, “resolve” o problema;
- Ou, no limite, porque o papel da CP é desconsiderado e ninguém se quer dar ao trabalho de analisar a situação em profundidade, estudar as provas existentes, ou coligir novas, e ouvir os interessados. E assim emitem-se pareceres inócuos concluindo não haver fundamentos para propor alteração das avaliações validadas pelo CCA.
Reclamar da homologação, por melhor que se justifique a
discordância e por mais elementos informativos que se juntem ao processo, é uma
tarefa inglória pois o dirigente máximo do serviço nunca irá admitir que errou.
E se o trabalhador avançar para um recurso hierárquico tutelar, é quase certo
que não irá obter provimento, uma vez que este tipo de dirigentes, apesar de ocuparem
cargos técnicos sujeitos a concurso público, por “coincidência” (ou talvez não)
têm também a confiança política do partido que está no Governo, o que significa
que, no final, a conclusão refletirá esse “interesse comum” em detrimento dos
direitos do trabalhador.
Resta a impugnação judicial. Mas essa opção, além de morosa (todos
sabemos como a nossa justiça é lenta), trás mais aborrecimentos do que vitórias
e obriga a gastar tempo e dinheiro (em advogado e custas judiciais). Por outro
lado, pode transformar o quotidiano do trabalhador num confronto hostil
permanente que ninguém deseja.
Este retrato negro do que se passa com a avaliação do desempenho
em vários setores da nossa administração pública (central e local) é apenas um
alerta e não pretende, de modo algum, demonstrar que a resignação é o caminho.
Muito pelo contrário. O nosso objetivo é descrever o problema e apresentar
soluções para evitar que estas situações se repitam.
Por isso, à pergunta: o que
fazer? Propomos:
Em primeiro lugar – CONHEÇA A LEGISLAÇÃO.
Para ter a noção exata de quais são os seus direitos e deveres, precisa conhecer
as etapas do ciclo avaliativo.
Em segundo lugar – ESTEJA ATENTO(A) AOS
PRAZOS para realização das reuniões:
- De definição dos objetivos (no início do biénio);
- De comunicação da avaliação (após terminado o biénio).
Em terceiro lugar – MONITORIZE O SEU
DESEMPENHO. Recolha evidências (provas documentais e/ou testemunhos) do seu
trabalho diário, anote no calendário ocorrências que considere importantes para
memória futura.
Em quarto lugar – NÃO SE RESIGNE NUNCA.
Se considera que está a ser injustamente avaliado, não tenha receio em dizê-lo,
apresente os factos que recolheu na sua monitorização e, sobretudo ao nível das
competências, não aceite argumentos genéricos e solicite que o(a) avaliador(a)
fundamente, de forma precisa e clara, cada um dos comportamentos associados.
Em quinto lugar – PROCURE AJUDA. Fale
com colegas, partilhe experiências, recolha informação, peça o apoio da
comissão de trabalhadores ou do sindicato se considerar necessário.
Hoje ficamo-nos por aqui.
Mais pormenores num próximo artigo.
A
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