Sou funcionária pública desde 1987 e
até 2015 trabalhei num organismo de âmbito supramunicipal, onde fui dirigente
durante dez anos, pelo que a gestão autárquica é um tema que me seduz. Talvez
por isso me sinta tão chocada com os contornos daquele que é conhecido como “Russiagate”.
Não só pelo escândalo que a situação em si representa, mas, sobretudo, pelas
declarações de Fernando Medina desculpabilizando os serviços e remetendo as
responsabilidades das infrações cometidas para a herança recebida do Governo
Civil e para a “inércia da burocracia” que, ao “operar sobre um procedimento
rotineiro”, causou “um problema sério” ao município, explicações que considero vergonhosas
por contrariarem todos os princípios da boa administração e promoverem o culto da incompetência
acéfala.
E depois de saber quais foram as
conclusões da auditoria sumária realizada pela autarquia, ainda mais indignada
fiquei com aquela postura do presidente da câmara por, na minha opinião,
configurar uma apologia da irresponsabilidade: desde 2011 que o envio de dados
pessoais dos manifestantes a terceiros era uma prática corrente dos serviços, apesar
da inexistência de cobertura legal para o efeito (a lei de 1974 a isso não
obriga) e do incumprimento do despacho do presidente da câmara de 2013 (uma
espécie de “nado morto”), com a agravante de ser um procedimento que se manteve
inalterado após a entrada em vigor do RGPD em 2018.
Por outro lado, ao constatar que a
assunção de quase uma década de contínuos atos ilícitos se resume à exoneração do
encarregado de proteção de dados, como se esta figura centralizasse em si o
ónus cumulativo dos erros cometidos desde 2011, faz-me crer que esta decisão
não passa de uma trôpega tentativa de apresentar à comunicação social um “noivo
de conveniência” para que se não diga que, mais uma vez, a culpa vai morrer
solteira. E como “dama de companhia” acrescenta-se a inexplicável extinção do
gabinete de apoio à presidência.
Todavia, porque anos sucessivos de
incumprimento só podem ser o resultado da incompetência técnica de quem
executava e da gestão negligente de quem dirigia, aquelas diligências mais parecem
uma manobra para desviar a atenção do cerne do problema: a desorganização dos
serviços, a inabilidade da direção da unidade orgânica diretamente envolvida, o
laxismo do sistema de controlo interno do município e um Plano de Prevenção dos
Riscos de Gestão inoperante. Ou seja, apresentar a tradição como justificação e
arranjar um “bode expiatório” só torna o caso ainda mais suspeito.
A terminar, escolho duas entre as
muitas perguntas que se podiam colocar:
Qual é, afinal, o papel da “EPIRGPD –
Equipa de Projeto para a Implementação do RGPD no Município de Lisboa”, nomeada
em 2018 para, nomeadamente: acompanhar as ações de adequação de procedimentos,
avaliação da respetiva conformidade, inventariação das debilidades detetadas e
apresentação de propostas de ajuste e apoio à revisão das políticas atuais de
privacidade e de armazenamento de dados?
Como foi possível aquelas
irregularidades nunca terem sido detetadas durante a fase de diagnóstico (a
cargo da LCG-Consultoria, SA) uma vez que foram realizadas dezenas de reuniões
com as diversas unidades orgânicas e com a EPIRGPD para levantamento e mapeamento
das atividades de tratamento e apresentados mais de duas dezenas de PIA (Análises
de Impacto na Privacidade)?
1 comentário:
nice post
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