quarta-feira, 15 de abril de 2015

Vale do Tejo: uma associação de municípios criada para ser extinta.

Fotografia DAQUI.

Publicada a Lei n.º 36/2014, de 26 de junho, com o novo regime jurídico das Assembleias Distritais, em 25 de julho de 2014 o Jornal Torrejano informava os seus leitores daquele que parecia ser o destino certo da Universalidade da Assembleia Distrital de Santarém: a passagem para uma associação de municípios a criar com o fim específico de receber esse património, em particular a Colónia Balnear da Nazaré fechada desde 2009 e em avançado estado de degradação como, em 17-07-2014, o jornal Região de Leiria referia.
Quanto à Colónia Balnear convém referir que a sua recuperação sempre fora um objetivo a cumprir, como o jornal Tinta Fresca de 08-09-2011 já noticiava mas a incapacidade logística e financeira da Assembleia Distrital, entre muitos outros problemas de índole jurídico administrativa, nunca tal permitira, apesar da vontade expressa dos seus membros.
Reunida a Assembleia Distrital para dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 36/2014, o jornal O Mirante noticiava, em 05-09-2014, que «a Assembleia Distrital de Santarém aprovou passar o seu património para a futura Associação de Municípios do Vale do Tejo, que está em fase de constituição. Foi deliberada a passagem de um activo financeiro de 721.000 euros (330.000 depositados em bancos e 391.000 em créditos de quotas e serviços devidos pelos municípios) e dois edifícios que pertencem à Assembleia Distrital, o da Colónia Balnear, na Nazaré, e o do Arquivo Distrital, em Santarém. Intenção é avançar com o projecto de recuperação da Colónia Balnear através de uma candidatura a fundos comunitários, uma vez que os activos que recebe são suficientes para garantir a contrapartida nacional de um investimento que rondará os dois milhões de euros.»

Sobre o assunto alertei então (em artigo no meu blogue Infinito’s de 04-09-2014) que «ao contrário do que parece, esta deliberação poderá não ser válida já que o diploma citado apenas prevê essa possibilidade para as AD que tenham “serviços abertos ao público” e o caso da Colónia Balnear da Nazaré (o imóvel em torno do qual se agregam as vontades dos autarcas por ser um bem muito apetecível pelas suas potencialidades de localização na encosta sobranceira ao mar) não cabe na definição taxativa do n.º 3 do artigo 2.º da citada lei pois encontra-se encerrada há cerca de seis anos. Outra questão que mostra a ligeireza com que o assunto está a ser tratado, prende-se com o facto de a ADS estar a transferir património para uma associação ainda sem existência legal pois, segundo conseguimos apurar, a maioria dos seus membros ainda não deliberou a sua criação, conforme assim o determina o n.º 1 do artigo 108.º da Lei n.º 75/2013, de 12 se setembro. E sem essa aprovação formal não é possível cumprir um requisito indispensável à validação da transferência da Universalidade: a aceitação pelo órgão deliberativo da associação de municípios – b) do n.º 5 da Lei n.º 36/2014.»


Em 6 de novembro de 2014 o jornal O Ribatejo noticiava que «Dezanove câmaras municipais do distrito [Abrantes, Alcanena, Almeirim, Alpiarça, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Coruche, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Golegã, Mação, Ourém, Rio maior, Salvaterra de magos, Santarém, Sardoal, Tomar e Torres Novas] assinaram esta semana a escritura de constituição da Associação de Municípios do Vale do Tejo (AMVT), no edifício do Arquivo Distrital, em Santarém. Esta associação tem como fim específico a gestão do património que era pertença da Assembleia Distrital de Santarém e prevê a realização da obra de recuperação e requalificação de Colónia Balnear da Nazaré, de forma a poder ser novamente colocada ao serviço das populações de cada um destes concelhos.» As Câmaras de Constância e Vila Nova da Barquinha, inicialmente indicadas como membros constitutivos alegaram não ter tido tempo para tratar de todas as questões administrativas e resolveram não integrar a Associação.
Acontece porém que, terminado o prazo para remeter a documentação necessária à validação da deliberação acima referida (18 de dezembro de 2014: contados os 120 dias nos termos do artigo 72.º do CPA), a Assembleia Distrital não conseguiu enviar ao Governo a ata de aceitação da Universalidade por parte da Assembleia Intermunicipal da Associação, conforme assim o determina a alínea b) do n.º 5 do artigo 3.º da lei n.º 36/2014, pois a reunião respetiva apenas viria a ser convocada para o dia 16 de fevereiro de 2015.
Estes dois factos – possível invalidade da deliberação da ADS por incumprimento do requisito de constituição e não entrega atempada da documentação necessária – terá levado o Governo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 36/2014, a notificar a Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo para que esta se pronunciasse sobre a Universalidade da Assembleia Distrital. Sabemos que fez parte da ordem de trabalhos da reunião extraordinária do passado dia 10 do corrente mês de abril do Conselho Intermunicipal da CIMLT a proposta de aceitação da Universalidade da Assembleia Distrital de Santarém. Desconhecemos nesta data, todavia, qual foi o resultado da votação.
Há aqui uma questão sobre a qual devemso refletir e que no distrito de Beja já criou um impasse que está, agora, nas “mãos” do Governo resolver: qual é, afinal, a deliberação a considerar para validar esta transferência? A do Conselho Intermunicipal (órgão executivo da CIM) ou é necessário levar a proposta à Assembleia Intermunicipal (órgão deliberativo da CIM)?

É que, mais uma vez, a redação da Lei n.º 36/2014 presta-se a este tipo de confusões, mostrando bem a ignorância e incompetência de quem a redigiu e aprovou como já aqui também referi: na 1.ª fase do processo (os 120 dias de que as AD dispunham) a competência para aprovar a deliberação era do órgão deliberativo da entidade, fazendo depender a sua aceitação dos respetivos órgãos deliberativos das entidades recetoras no caso de serem uma área metropolitana (o conselho metropolitano), um município (a assembleia municipal) ou uma associação de municípios (a assembleia intermunicipal). De fora desta lógica parecem ter ficado as comunidades intermunicipais presume-se que pela aparente confusão entre as designações dos seus órgãos colegiais: o conselho (executivo) e a assembleia intermunicipal (deliberativo) talvez por nas áreas metropolitanas o conselho ser, precisamente, o órgão deliberativo da entidade cabendo ao secretariado as funções executivas.


Diz o n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 36/2014 que «o membro do Governo responsável pela área da administração local notifica o presidente do conselho da respetiva entidade intermunicipal para que esta se pronuncie no prazo de 60 dias sobre a transferência da universalidade.»
Ora, no caso de Lisboa, apesar de ter sido notificado o Secretariado Metropolitano (órgão executivo) foi necessário que o Conselho Metropolitano (órgão deliberativo) se pronunciasse sobre a matéria para que a deliberação da Área Metropolitana de rejeição da Universalidade da Assembleia Distrital respetiva fosse válida, parece-me óbvio que no caso das Comunidades Intermunicipais apesar de a lei referir que quem é notificado é o “presidente do conselho” isso não significa que a competência para deliberar sobre a aceitação (ou rejeição) da Universalidade seja do órgão a que preside mas ela terá de ser apresentada sob proposta à Assembleia Intermunicipal para decisão definitiva. Ou seja, o caso da Assembleia Distrital de Santarém carece, ainda, de ir à reunião da Assembleia Intermunicipal.
Finalmente uma última questão:
Se a Universalidade da Assembleia Distrital de Santarém vai ser transferida para a Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo como os últimos desenvolvimentos parecem indicar, vamos ter uma Associação de Municípios condenada à extinção ainda antes sequer de ter conseguido exercer quaisquer atividades.
A Associação de Municípios do Vale do Tejo, constituída formalmente em 03-11-2014 com pompa e circunstância, deixa de ter objeto pois a gestão e exploração do Arquivo Distrital de Santarém e da Colónia Balnear da Nazaré (n.º 2 do artigo 4.º dos respetivos estatutos) vão ser integrados noutra entidade. E uma associação sem objeto deixa de ter razão de existir.

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails