Excerto da Planta
de implantação urbanística da Quinta do Guarda-Mor (Sobreda). Um
projeto da ARQUIQUAL.
No último
artigo sobre a temática das “Violações
do PDM em Almada, no capítulo “Almada:
um território 20% ocupado com AUGI” comecei por escrever que «E
chegamos, assim, às designadas “áreas urbanas de génese ilegal” (AUGI), um tema
sobre o qual importa que nos debrucemos seriamente.»
E é isso a
que nos propomos com o artigo presente.
Comecemos,
então, pela consulta ao relatório de 2015: REVISÃO
DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL DE ALMADA. Quadro Prévio ao Ordenamento
(pp. 152-153) e fixemos a seguinte informação:
a) Em 1996 havia em Almada 20% do
território (1.398ha) que a CMA considerou como estando ocupado por AUGI;
b) Duas décadas mais tarde, em
2015, apenas 28% das AUGI identificadas tinham sido reconvertidas. Das
restantes 72%, havia 66% em processo de reconversão e 6% sobre as quais nada se
diz.
Quanto a
números exatos (quantas AUGI existem em concreto, onde se localizam com
precisão, qual a fase do processo de legalização em que cada uma se encontra e
quais os principais entraves à respetiva reconversão) estranhamente nada se
diz.
Os processos
de reconversão urbanística são muito complexos (basta consultar o
índice do respetivo plano de pormenor ou a check-list
dos documentos que o devem acompanhar – neste caso o da Quinta do Guarda-Mor, na Sobreda[i])
para ficarmos com a ideia dos inúmeros passos necessários executar até chegar à
aprovação do regulamento,
da planta
de condicionantes e da planta
de implantação, depois dos acertos
fundiários (reconfiguração dos lotes), das demolições,
das cedências
para espaços públicos e/ou construção de equipamentos comunitários,
etc. etc.
E se formos
ler a “Conferência
de serviços” (da responsabilidade da CCDR-LVT), constatamos que a
burocracia tem um peso bastante significativo em termos processuais o que
complexifica ainda mais todo o processo e fá-lo prolongar-se no tempo até à
obtenção de todos os pareceres necessários.
Interessante
de acompanhar para se perceber a dinâmica destas estruturas, é a página de uma
outra AUGI na
rede social Facebook (a Quinta da Rosa) onde podemos acompanhar as
diligências feitas para reconversão daquele espaço.
Mesmo que
esse seja o prazo médio a nível nacional, vinte anos é um período demasiado
longo para se proceder à legalização destes espaços até porque, a fazer fé na informação
veiculada na imprensa pela autarquia, em maio de 2017 existiam ainda 40% de AUGI que teriam de aguardar mais
uns bons anos até à resolução da sua situação.
Uma
informação que é contraditória com a posição da câmara em abril de 2011 e que nos leva a colocar a seguinte questão: saberá o executivo qual é mesmo a situação
das AUGI no concelho de Almada?
«Dois terços (66 por cento) das áreas urbanas
de génese ilegal (AUGI) do concelho de Almada foram já reconvertidas, garantiu
ontem à agência Lusa Amélia Pardal, vereadora para o Planeamento do Território.
“A maioria” das restantes, acrescentou ainda, tem os processos de revitalização
“em curso”. No concelho de Almada, as AUGI ocupam 352 hectares de terreno e
envolvem cerca de 40 mil habitantes ou proprietários.
Amélia Pardal reconheceu que estas são “áreas
de complexa resolução”, mas lembrou que as dificuldades resultam, em numerosos
casos, do facto de estarem em causa “construções ilegais de muitas décadas”.
Para a sua reconversão é necessário ultrapassar “as dificuldades de
entendimento que por vezes surgem entre coproprietários”, explicou a autarca. O
facto de muitas AUGI se encontrarem em áreas com restrições urbanísticas
(Reserva Agrícola Nacional ou Reserva Ecológica Nacional, por exemplo), lembrou
Amélia Pardal, é outro dos grandes obstáculos deste processo.
Neste momento, garantiu, “tudo aquilo que é
possível resolver entre as associações e a câmara está em fase de resolução e o
objetivo é que os restantes casos se encerrem o mais rapidamente possível”. O realojamento
não é no entanto uma opção em cima da mesa.» Portal
Arquiteturas (28-04-2011).
Mais uma vez
a ausência de números absolutos vem complicar a leitura da informação disponível
pois impede-nos de perceber a realidade na medida em que, ao desconhecermos
qual é o universo abrangido, não podemos inferir quais são, efetivamente, as
situações existentes.
Mas a
contradição entre números não se fica pelo acima exposto. E, mais uma vez, a figura
central é a vereadora Amélia Pardal.
Numa notícia
de 10-12-2009 do jornal Público
intitulada «Moradores
da Quinta de S. Gabriel acusam Câmara de Almada de ignorar problemas de
saneamento e lixo» ficamos a saber que «A Quinta de S. Gabriel faz parte, de acordo com números da Câmara de
Almada, dos 950 hectares de AUGI no concelho, resultantes de um processo de
construção ilegal que começou nos anos 60, com a instalação da ponte 25 de
Abril e de grandes indústrias na cidade. Contactada pela agência Lusa, a
vereadora para o Planeamento e Administração do Território, Amélia Pardal, explicou
que “o objetivo da autarquia é que nos próximos quatro anos se resolva a
situação da maior parte das AUGI que estão por resolver, 70 áreas, equivalentes
a 137 hectares”.»
Resumindo:
Se em 2011 a
então vereadora do urbanismo afirmava ufana que, em Almada, 66% das AUGI já
tinham sido reconvertidas, como se explica que quatro anos mais tarde (em
2015) o relatório de revisão do PDM considere que são apenas 28%? E a
mesma responsável venha depois dizer, em
2017, que esse valor é de 60%?
Em
1996 as AUGI ocupavam 1.398ha do território
municipal, em
2009 esse número já diminuíra para 950ha (na versão da CMA) ou mesmo
para 137ha (na opinião da vereadora do pelouro). Mas em 2011 Amélia
Pardal corrige o valor e já afirma que são 352ha.
Em que é que ficamos? Quantas AUGI existem,
no total, em Almada? Qual é a área que efetivamente ocupam? Quantas foram
reconvertidas e quantas aguardam reconversão? Com três versões diferentes, saberia
Amélia Pardal alguma coisa do que estava a falar? Tratava-se de pura
ignorância, ou de uma tentativa deliberada em mascarar a verdade? O que se pretendia
esconder por detrás da incorreção dos números tornados públicos?
Ao contrário
do relatório
de 2015 já referido (que identifica as situações por área, mas não
as quantifica), encontrámos informação quantitativa noutros documentos e
estudos diversos, nomeadamente nas Atas
do Workshop 1 RECONVERSÃO DE TERRITÓRIOS DE GÉNESE ILEGAL realizado em 2009 e onde a CM de Almada
esteve presente.
[i]
«A Quinta do
Guarda-Mor situada na antiga freguesia da Sobreda (atualmente União das
Freguesias Charneca da Caparica e Sobreda), insere-se numa área delimitada pela
antiga E.N. 10 – 1 e a via rápida para a Costa da Caparica. A sua ocupação
relativamente recente ficou a dever-se essencialmente a loteamentos de origem
ilegal, na década de setenta.
Desde os anos oitenta que os proprietários
têm vindo a tentar a reconversão urbanística, mas só com a publicação da Lei
das AUGI, Lei 91/95, de 2 de setembro e posteriores alterações, se conseguiram
reunir as condições necessárias para o processo poder avançar.
O Plano de Pormenor de Reconversão da Quinta
do Guarda-Mor teve o seu início em 1998 com a celebração de um contrato de
urbanização entre a Câmara Municipal de Almada e a Administração Conjunta da
AUGI da Quinta do Guarda-Mor onde se estabeleceram os princípios gerais da
Reconversão Urbanística.
Paralelamente decorreu um estudo de
enquadramento que antecedeu o plano e que tentou delinear e organizar a
estrutura viária, dotando-a de uma rede hierarquizada com eixos fundamentais
propostos no PDM, que vão apoiar a estrutura da malha urbana a implantar.
A reconversão Urbanística da AUGI da Quinta
do Guarda-Mor tem sido objeto de diversas propostas de soluções, objeto de
reformulação quer pelas questões relacionadas com a REN, quer pelo
comprometimento das soluções devido às construções ilegais.» Informação
retirada do portal da CMA em 27-11-2018.
«Do ponto de vista da dimensão
espacial do fenómeno, em Almada as áreas urbanas de génese ilegal ocupam cerca
de 17% da área do território, mas têm uma influência direta em cerca de 40% da
área do território.» (Carlos
Pinto, arquiteto, chefe da Divisão de Gestão e Administração Urbanística 3,
à época; p. 28).
No entanto,
a Informação
da Evolução dos Processos de reconversão Urbanística ao Abrigo da Lei n.º 91/95
em 10-04-2017, enviada pela CMA à Assembleia Municipal
em resposta a um deputado do PS, apenas identifica 81 “áreas de reconversão urbanística
no período de 2009 a 2017”:
E pouco mais
de dois meses depois, em
30-06-2017 a Assembleia Municipal de Almada aprova
uma moção/deliberação em que a bancada da CDU se propõe saudar o trabalho
desenvolvido pela autarquia e pelas comissões e associações de proprietários.
E apresenta
os seguintes números: área total de reconversão estimada – 950ha, correspondente
a 16.800 lotes; alvarás emitidos – 186, abrangendo 432,2ha; áreas por converter
– 137ha correspondentes a 2.328 parcelas. Concluindo que: “assim, considerando as áreas urbanas de génese ilegal onde houve a
divisão ilegal do solo, com um total de 10.377 parcelas, excluindo os núcleos
de lotes destacados, 8.049 estão abrangidas por alvarás de loteamento e
reconvertidas correspondendo a 77% do território já convertido no Concelho,
permanecendo 2.328 parcelas por reconverter.»
Atentos à informação
contraditória por nós já aqui elencada neste artigo, a que os números
apresentados na citada moção vêm trazer confusão acrescida por nada explicarem,
se isto é o resultado do “exaustivo
trabalho desenvolvido pelas equipas técnicas municipais, que nos permite hoje uma
caraterização detalhada e clara da situação das AUGI no concelho” (como a
CDU refere no ponto dois da parte deliberativa da saudação em apreço) só
podemos chegar à conclusão de que andam a brincar com os munícipes e devem
pensar que somos todos um bando de ignorantes.
Lamentavelmente
as reações da oposição foram pouco reativas, demonstrando que esta temática não
era assunto que dominassem. Mesmo assim, ao contrário do BE que se colocou ao
lado da CDU embora não tenha explicado porquê, os eleitos das outras forças políticas
(PS, PSD e CDS) ousaram votar contra.
Bancada do
PS: «A CDU acha que a Câmara está de
parabéns, que a CDU está de parabéns. Nós não achamos que a CDU e a Câmara
estejam de parabéns com o trabalho desenvolvido no que diz respeito às Áreas
Urbanas de Génese Ilegal. A Lei das AUGI existe desde 1995, tem vinte e dois
anos e ao longo destes vinte e dois anos a Câmara Municipal conseguiu a proeza
de ainda ter por regularizar cento e trinta e sete hectares correspondendo a um
terço da área das AUGI. Achamos que por mais boa vontade que tenhamos não
podemos considerar de sucesso este caso, portanto é um caso de insucesso, de
demora, de frustração e votaremos contra esta Moção.»
Bancada do
PSD: «A CDU também acha que correu tudo
bem nas AUGI, vai fazer aqui um Relatório que pensa responder àquilo que nós
todos já temos feito ao longo do Mandato, que foi quantas AUGI é que havia em
2013, quantas AUGI é que existem em 2017? Nós não sabemos apesar de já termos perguntado
várias vezes quantos processos é que foram resolvidos, aquilo que vemos ao ler
esta saudação, ao suposto êxito do trabalho da CDU, é que um terço das AUGI no
Concelho de Almada, ao fim de trinta anos ainda não estão resolvidas. Não estão
resolvidas. Podem dizer que há muitas dificuldades, nem sempre tem sido
possível encontrar as soluções com os moradores, tudo muito bem. Mas ter a
coragem de apresentar supostamente factos do sucesso de um processo que dura há
trinta anos e que neste Mandato apesar dos nossos esforços para saber o que se
passou ainda não sabemos de forma concreta, eu diria que é bom se calhar para
as hostes da CDU dizer “vejam lá até nisto fomos espetaculares”, mas os
resultados e as queixas que ouvimos dos moradores dessas AUGI desmentem categoricamente
esta suposta saudação e este suposto êxito.»
Afinal em que é que ficamos? Os números
são contraditórios e dificilmente se consegue perceber qual é a realidade. Com
os dados públicos disponíveis é impossível responder às múltiplas dúvidas enunciadas
ao longo deste texto.
Apenas duas
certezas:
Em Almada proliferam os espaços urbanos
de génese ilegal (loteamentos e construções clandestinas)!
É urgente a elaboração de um
estudo sobre as AUGI no concelho de Almada que defina conceitos, agregue
informação, apresente custos e faça o ponto da situação atual.
Mas, em
Almada, a incompetência dos serviços municipais nos anteriores mandatos não se
resumia à falta de cuidado na divulgação pública dos dados sobre a situação das
AUGI. Ao que a notícia abaixo faz supor é muito mais grave e tinha consequências
em termos orçamentais, com prejuízo para o erário público:
Em 19-09-2003
um jornal diário noticiava que «A
Câmara de Almada pagou indevidamente cerca de 400 mil euros à Associação de Proprietários
e Moradores das Quintinhas Pinheirinho, na Charneca da Caparica. (…) As
Quintinhas Pinheirinho são uma Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI), em cujas
obras de saneamento a Câmara de Almada comparticipou com cerca de 30 por cento
do valor total. Na base desta discrepância de verbas está a listagem de
proprietários em que a Câmara se baseou para determinar o respetivo pagamento.
De acordo com um inquérito levado a cabo pela Inspeção Geral da Administração
do Território (IGAT), "a elaboração dessa listagem evidencia alguma falta
de rigor, tendo consequências na comparticipação da Câmara".»
Quantas mais
situações destas ocorreram? Qual o impacto a nível orçamental deste tipo de
irregularidades? Quanto dinheiro a autarquia já investiu (e em quê – infraestruturas
e/ou equipamentos) na reconversão de áreas de génese ilegal?
CONTINUA
1 comentário:
Os anos passam e nada muda. Obrigado por esta informação.
A communicaçao com Augi Quinta da Rosa e muita complicada..eles nem sequer respondem.
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