«Somos estudantes e não ficaremos em silêncio. Há muitos
colegas que pensam como nós: a Universidade seria melhor sem praxe. Há muitas
formas de integração. Gostamos de ser estudantes, dos espaços de convívio, da
aprendizagem coletiva. Gostamos de festas. Nada disso é a praxe. A Universidade
que queremos não se rege pela hierarquia cega, pela constante humilhação, pelas
práticas e os cânticos machistas, racistas, xenófobos ou homofóbicos como é tão
recorrente na maioria das praxes. A tradição académica que reivindicamos é a da
liberdade, a do pensamento crítico, a dos movimentos de estudantes que, noutras
épocas, substituíram a praxe por coisas mais úteis e muito mais interessantes.
Nos últimos dias, a opinião pública tem-se debruçado sobre
os acontecimentos do Meco, sobre os seis jovens que morreram enquanto estavam
num fim-de-semana de praxe. A praxe tem sido amplamente debatida na comunicação
social. Mas não é a primeira vez que acontecem tragédias no âmbito de
actividades praxistas.
Nada disto é novo para qualquer estudante universitário.
Mesmo quem se recusa a pactuar com estas práticas, é obrigado a assistir a elas
diariamente, especialmente em Setembro, sem ter para si qualquer outra
alternativa de integração. Os estudantes de primeiro ano, com placas no pescoço
que os intitula de “bestas”, mascarados como os praxistas desejam e a fazer o
que os praxistas desejam, percorrem as universidades, percorrem as salas de
aula, percorrem o espaço comum.
A praxe não é integração, mesmo que nela haja atividades que
integrem A praxe é um conjunto de princípios que estão plasmados nos seus
códigos: a obediência cega, sem questionar, a humilhação, a falta de
humanidade, o conformismo. Esta tragédia foi a “gota de água”. Percebemos que é
preciso combater estas práticas, quando há tantas formas de integração que não
passam por praxe. Somos um conjunto de estudantes universitários. Falamos por
nós, mas sabemos que muitos colegas se remetem ao silêncio por medo, por serem
coagidos ou por falta de informação. É também para quebrar esse silêncio que
aqui estamos. E para apoiar todos os nossos colegas que queiram denunciar
práticas de abuso. Iremos até às últimas consequências.»
MANIFESTO ANTI-PRAXE (2003) Contra o cinzentismo da praxe
«Porque vemos na praxe uma prática que atenta contra os mais
elementares direitos humanos, nomeadamente a liberdade, a igualdade, a
integridade física e psicológica e a livre expressão da individualidade, ao
mesmo tempo que exalta os valores mais reaccionários da nossa sociedade.
Porque não vemos qualquer motivo para a existência de
hierarquias entre estudantes, tendo em conta que todos/as devem ser tratados/as
por igual nas relações interpessoais.
Porque acreditamos que a tradição nunca poderá ser um
entrave à mudança e, muito menos, poderá alguma vez legitimar um comportamento
inaceitável em qualquer sociedade.
Porque não aceitamos o poder auto-instituído e nada
democrático dos organismos da praxe, que se constituem em estruturas paralelas
com regras próprias.
Defendemos que a recepção aos/às novos alunos/as, sempre que
se justifique a sua existência, se deve basear em relações de igualdade. Nesta
iniciativa, os/as estudantes olhar-se-ão nos olhos e tratar-se-ão por
"tu", construindo um conjunto de redes de solidariedade e de
camaradagem não exclusivas. Todos/as se divertirão por igual, deixando a
diversão de uns de ser a humilhação de outros/as. Desta forma, incentivar-se-á
o verdadeiro altruísmo que consiste em ajudar os/as outros/as sem exigir
qualquer contrapartida.
Defendemos igualmente que a faculdade deve ser uma
instituição aberta ao mundo que a rodeia, transformando-o e sendo por ele
transformada. Uma instituição que deve proporcionar a livre intervenção e
fomentar a criatividade, não impondo códigos de conduta nem promovendo a
segregação. Mas este ideal nunca será concretizável enquanto o espírito da
praxe reinar na faculdade.
Exigimos ainda que as instituições de Ensino Superior tomem
sobre si a responsabilidade de prestar todas as informações e aconselhamento
necessários aos/às estudantes, quebrando assim com o princípio paternalista do
"apadrinhamento" que compromete e fragiliza a autonomia dos
recém-chegados.
Exercemos desta forma o nosso direito à indignação. Como
parte da sociedade civil pensamos que o que se passa no interior das faculdades
diz respeito a todos/as. Logo, jamais poderemos fechar os olhos à triste
realidade das "tradições académicas". E juntamos a nossa voz à voz de
todos e todas que lutam diariamente contra o cinzentismo da praxe e se batem
por uma faculdade crítica, aberta e democrática!
Subscritores:
Ana Drago, Socióloga
António Reis, Prof. Universitário
Baptista Bastos, Escritor
Carlos Tê, Compositor
Catarina Portas, Jornalista
E. Prado Coelho, Prof. Universitário
Garcia Pereira, Advogado
João Aguardela, Músico (ex-Sitiados)
João Cutileiro, Escultor
João Teixeira Lopes, Sociólogo
José Mário Branco, Músico
José Pedro Gomes, Actor
José Saramago, Escritor
Lídia Franco, Actriz
Manuel Cruz, Músico (ex-Ornatos Violeta)
Manuel Graça Dias, Arquitecto
Maria José Morgado, Magistrada
Mário Mata, Músico
Miguel Guedes, Músico
Pacman, Músico (Da Weasel)
Pedro Abrunhosa, Músico
Raúl Solnado, Actor
Rita Ferro, Escritora
Rosa Mota, ex-Atleta
Rui Júnior, Músico (TocáRufar)
Saldanha Sanches, Prof. Universitário
Sérgio Godinho, Músico
Sobrinho Simões, Prof. Universitário
Vitorino, Músico»
2 comentários:
mas como é que o Eduardo Prado Coelho assina isto se já morreu?
Caro anónimo.
Só deu por esse? Então e o Saramago? também já faleceu... parece-me que está um pouco desatento.
Um pouco é favor pois nem reparou que o texto subscrito por essas e outras figuras públicas é de 2003, tal como é indicado no respetivo título.
E, que que saiba, nessa altura estavam ambos vivos.
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