Imagens recolhidas durante a concentração de dia 15-10-2012: "Cerco a S. Bento. Este não é o nosso Orçamento"
O Orçamento de Estado para 2013,
na versão entregue no dia 15 do corrente mês na Assembleia da República,
integra uma proposta que visa, expressamente, sem quaisquer condições prévias,
a passagem dos imóveis propriedade das Assembleias Distritais para a posse do
Estado sendo que essa lei servirá como "título bastante para os atos de
registo a que haja lugar" (n.º 6 do artigo 6.º do Projeto de Lei n.º
496/2012, de 10 de outubro).
Acontece, porém, que as Assembleias
Distritais (entidades previstas no n.º 2 do artigo 291.º da Constituição da
República Portuguesa) são entidades com autonomia administrativa, jurídica e
patrimonial, pelo que apenas o seu órgão deliberativo tem competências próprias
para gerir os bens que pertencem ao conjunto dos municípios do Distrito [alínea
1) do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro].
Consequentemente, enquanto aquele
artigo da Constituição não for revisto e o diploma citado revogado, não pode o
Estado apropriar-se dos bens de uma entidade que é equiparada a autarquia
local, conforme assim o determina a lei da tutela – n.º 2 do artigo 1.º da Lei
n.º 27/96, de 1 de agosto. Este artigo é, assim, inconstitucional!
Por isso arrisco afirmar que:
Aquela disposição do OE 2013 é um
CONFISCO PREDIAL, a INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UM ROUBO (mais um a juntar ao dos salários e das pensões feito em sede de IRS)... trata-se, afinal, de uma
medida que visa permitir ao Estado apoderar-se de imóveis que pertencem a outrem.
É a legalização dos assaltos com proteção legal. E abre-se um gravíssimo
precedente: a legitimação do ato de confiscar e tomar posse de bens das
autarquias e, quiçá, até dos privados (empresas ou cidadãos) sem qualquer
justificação.
Mas antes de prosseguir a análise
desta atitude prepotente e ilegal do Governo, importa ler o conteúdo da carta
conjunta (assinada pelos Secretários de Estado das Autarquias Locais e da
Administração Interna) que foi enviada a todas as Assembleias Distritais em
dezembro de 2011:
«A Constituição da República Portuguesa atribuiu aos distritos um
caráter temporário, ao prever a sua manutenção até à instituição das regiões
administrativas. Desde então cada distrito dispõe de uma assembleia
deliberativa, a Assembleia Distrital, cuja intervenção de salvaguarda e valorização
do património histórico e cultural do distrito, assumida ao longo dos anos,
dever ser reconhecida e enaltecida, sobretudo tendo em conta os escassos
recursos financeiros de que dispunham e dispõem atualmente.
Não obstante o esforço promovido pelos responsáveis e trabalhadores das
assembleias distritais, é inegável que ao longo do tempo, a realidade distrital
tem vindo a perder relevância jurídica e administrativa, lançando dúvidas sobre
a essencialidade da sua existência no atual mapa jurídico-administrativo do
país. Consequentemente, também a existência e funcionamento das Assembleias
Distritais é hoje posta em crise, sobretudo tendo em conta os imperativos
constitucionais que obrigam a uma revisão constitucional para proceder à sua
extinção.
Os desafios com os quais Portugal
hoje se depara exigem que, a par da reforma operada ao nível dos Governos
Civis, bem como da reorganização administrativa do território português que
está em curso, as Assembleias Distritais devam ser também objeto de uma
reponderação à luz do esforço das
atribuições e das competências das autarquias locais e, bem assim, do princípio
da racionalização de meios e recursos que a consolidação orçamental reclama.
A vontade política do Governo em
proceder à alteração fáctico-jurídica das Assembleias Distritais, não só do
ponto de vista estrutural mas também financeiro, vai hoje ao encontro da
vontade dos municípios, no sentido de uma eventual transferência de
competências daquelas entidades para o nível municipal ou supramunicipal,
acompanhada da liquidação do seu património e à definição do regime legal aplicável
aos seus funcionários.
Deste modo, torna-se necessário fazer um levantamento aprofundado de
todas as situações jurídicas atualmente existentes em cada Assembleia
Distrital, tendo em conta a diversidade de património e competências por elas
desenvolvidas, bem como os vínculos laborais que detêm os seus funcionários.
Tal processo deverá ser iniciado por quem melhor conhece a realidade
distrital, de modo a permitir uma identificação concreta dos serviços
desenvolvidos, do acervo patrimonial em causa e dos trabalhadores afetos às respetivas
Assembleias Distritais.
Ora, apenas com a união de
esforços e a congregação de vontades poderá ser posta em prática esta intenção
do Governo que se julga ir também ao encontro das intenções dos próprios
trabalhadores das Assembleias Distritais que, por diversas vezes, já
manifestaram a sua preocupação perante a escassez de recursos financeiros
materializada na recusa da contribuição financeira legalmente devida por parte
dos municípios.
Estamos seguros que as Assembleias Distritais e os respetivos
municípios integrantes, conjuntamente com os Secretários Distritais,
contribuirão para dar o devido desenvolvimento ou inexistência de situações
jurídicas que devam ser salvaguardadas num eventual processo de extinção, e
propondo soluções e alternativas de competências e de pessoal, por forma a
concretizar o esvaziamento de conteúdo destas entidades.
Do Governo, sabe V. Exª, conta sempre com toda a colaboração e
disponibilidade.
Com os melhores cumprimentos.»
Pelos vistos nestes dez meses que
medeiam entre o envio daquela missiva e o presente, o Governo preferiu optar por
uma solução mais radical: em vez de transferir as competências das Assembleias
Distritais para as autarquias, ou para as associações de municípios, resolveu
deixar tudo na mesma a esse nível mas ficar-lhes, de imediato, com o património
obrigando-as, assim, a cometer “suicídio institucional” contribuindo,
deliberadamente (e com dolo), para agravar, e não para resolver, o problema da
instabilidade vivida nestas instituições, cujas consequências recaem, em
exclusivo, sobre os trabalhadores.
Tal como aconteceu em 1991 a
quando da implementação do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, com a
"atribulada" e pouco transparente transferência do vastíssimo
património da Assembleia Distrital de Lisboa para o Governo Civil de Lisboa
(bens móveis, imóveis e ativos financeiros) - e que duas décadas passadas se
encontra ao abandono (quintas seculares, terrenos agrícolas, bairros sociais,
etc.), parece-nos que também agora a única preocupação do Governo é, apenas,
com a posse do património predial destas entidades, esquecendo o seu imenso e valioso
património cultural (a título de exemplo: Biblioteca e Arquivo Distrital, em
Lisboa; Museu Rainha D. Leonor, em Beja; Museu de Arqueologia e Etnografia, em
Setúbal; Museu Etnográfico de Vila Franca de Xira, pertença da AD de Lisboa, e
Convento do Vairão, Vila do Conde, da AD do Porto), além de, mais uma vez, e
apesar do que os Secretários de Estado diziam na sua missiva, se esquecerem do
pessoal que exerce funções nestas estruturas e que merece ser tratado com todo
o respeito e dignidade.
Tendo presente os acontecimentos
ocorridos na sequência da entrada em vigor do atual regime jurídico das
Assembleias Distritais, em que os trabalhadores da AD de Lisboa estiveram
quatro meses consecutivos sem receber vencimento, mercê da precipitada
transferência de património para a Administração Central sem que tivessem sido
acauteladas as diversas questões relativas aos Serviços e Pessoal, e temendo
que possa acontecer o mesmo em 2013 a todos os que, ainda hoje, exercem funções
nestas entidades (Beja, Castelo Branco, Lisboa, Porto, Santarém, Setúbal, Vila
Real e Viseu), a “Comissão Nacional de Trabalhadores das Assembleias Distritais”
já pediu audiências a todos os grupos parlamentares para que possam expor as suas
preocupações e ser esclarecidos quanto ao destino que o Governo pretende dar às
Assembleias Distritais (incluindo os seus Serviços, Pessoal e Património
Cultural e não somente os seus bens prediais).
No atual panorama da nossa Administração
Local, os trabalhadores estão cientes de que estas estruturas já não fazem
sentido. Mas exigem que a solução encontrada seja coerente, consistente e que, sobretudo,
respeite a lei e a justiça, coisa que, de todo, está a ser cumprida.
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