Eu sei que vou voltar a ser vilipendiada,
insultada até à náusea!
Mas esses ataques pessoais soezes
de que tenho vindo a ser alvo por parte de alguns militantes da CDU nos últimos
dois meses (de ameaças físicas públicas ao envio de mensagens particulares
ordinárias), quiçá com o objetivo de me amedrontar e calar, têm precisamente o
efeito contrário: dão-me cada vez mais vontade de, publicamente, expressar a
minha opinião sobre as matérias que escolho (e não aquelas que eles preferiam) mais
não seja para lhes provar que a Democracia e a Liberdade de expressão não são
para seu uso exclusivo e o Estado de direito em que vivemos não lhes confere o
poder que teriam num regime totalitário (felizmente).
Por isso, é sem receio do
chorrilho de comentários indecentes (porque mal-educados) que aí possam vir,
que vou abordar um tema sensível:
INCOMPATIBILIDADES no
exercício simultâneo de funções como trabalhador do município e eleito na
Assembleia Municipal do mesmo concelho – caso do deputado municipal da CDU João
Geraldes.
São deveres gerais dos
trabalhadores em funções públicas, entre outros elencados no artigo 73.º da Lei
n.º 35/2014, de 20 de junho: a isenção; a imparcialidade; o zelo; a obediência;
a lealdade e a correção.
O Estatuto dos Eleitos Locais
(Lei n.º 29/87, de 30 de junho) nada refere e o artigo 7.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto) apenas considera que o exercício de cargo dirigente
num município é incompatível com a ocupação de um lugar como autarca nos órgãos
autárquicos do mesmo concelho (executivo e deliberativo).
Embora legalmente possível, será eticamente
aceitável que um técnico superior do mapa de pessoal do município seja, em
simultâneo, membro da respetiva Assembleia Municipal eleito nas listas de uma
força política da oposição?
A Comissão de Coordenação Regional de Lisboa e Vale do Tejo, no
seu Parecer n.º 39/2010, «não obstante o
disposto no artigo 7.º da LEOAL, pensamos que tais cargos não deverão ser
acumulados já que, em tese, essa acumulação poderá gerar situações, não de
incompatibilidade, mas de sucessivos impedimentos, conforme se infere do artigo
44.º do CPA.»
No caso da Assembleia
Municipal de Almada essa situação não parece, todavia, incomodar o deputado
municipal João Geraldes nem a força política que representa (a CDU) ainda que,
como se verificou na última reunião daquele órgão deliberativo (realizada no dia 23 de
novembro de 2017), depois do diálogo travado entre aquele
autarca e a presidente da Câmara Municipal (de que aqui já demos notícia), possamos chegar à
conclusão de que a ténue fronteira existente entre ambas as ocupações foi, de
facto, ultrapassada.
João Geraldes está no seu
direito de se sentir ultrajado com as palavras da presidente ao desmascarar em público o
seu comportamento infeliz enquanto funcionário, alegando que estava ali naquela casa na
qualidade de deputado municipal e não na de trabalhador da autarquia.
Sendo verdade que assim é, a
fazer fé nas palavras da presidente (que não foram desmentidas pelo próprio, é
bom lembrar), terá sido João Geraldes que no seu horário de trabalho e no âmbito
daquelas que teriam sido as incumbências que lhe tinham sido atribuídas pelo
anterior executivo, acabou confundindo-se e em vez de cumprir com os deveres de
funcionário autárquico isento, imparcial e zeloso, preferiu representar o seu outro papel: o de político da oposição, recebendo os novos autarcas com o desdém que a situação relatada por Inês de Medeiros nos leva a imaginar.
Fosse João Geraldes dirigente
da câmara municipal ou um mero prestador de serviços contratado pela autarquia e
aí não restariam dúvidas que estaria legalmente impedido de exercer o cargo
para o qual fora eleito na Assembleia Municipal.
Mas como técnico superior,
incompreensivelmente, a lei já não afasta essa possibilidade embora os
fundamentos que levaram àquelas incompatibilidades se mantenham: a
possibilidade de que do confronto entre os deveres de funcionário e as
obrigações partidárias resultem situações pouco claras e, sobretudo, sem
garantias de isenção e transparência (como as descritas parecem evidenciar).
Fica somente no plano da
ética a decisão sobre manter ou suspender o mandato. E cada um que pense o que quiser.
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// = // = // = / = / =
«As
incompatibilidades são um corolário do princípio constitucional da
imparcialidade – artigo 266º nº 2 da CRP – e significam a impossibilidade de
acumular simultaneamente dois cargos ou funções por a lei considerar,
independentemente da pessoa em concreto que ocupe tais cargos, que essa
acumulação é suscetível de pôr em causa a isenção e imparcialidade exigida.
O
parecer nº 100/82, de 27/07/82 da Procuradoria-Geral da República, expressa
precisamente que “as incompatibilidades visam proteger a independência das
funções” e Vital Moreira e Gomes Canotilho referem que o sistema das
incompatibilidades visa garantir não só o princípio da imparcialidade da
Administração mas também o princípio da eficiência.
Relativamente
às incompatibilidades, estabelece, de modo expresso, a subalínea v) da alínea
b) do artigo 4º do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei nº 29/87, de
30 de Junho e republicado pela Lei nº 52-A/2005, de 10 de Outubro que, no
exercício das suas funções, os eleitos locais estão vinculados ao cumprimento
de vários princípios, designadamente, em matéria de prossecução do interesse
público; não podendo celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de
adesão.
(…)
Relativamente
aos membros da assembleia municipal que já sejam detentores de contrato de
trabalho em funções públicas com a autarquia, dispõe a alínea d) do nº1 do
mesmo artigo 7º da Lei Eleitoral das Autarquias Locais, que os funcionários dos
órgãos das autarquias locais que exerçam funções de direção são inelegíveis
para os órgãos das autarquias onde exercem funções, salvo no caso de suspensão
obrigatória de funções desde a data de entrega da lista de candidatura em que
se integrem.
(…)
CONCLUSÃO:
Em
face dos preceitos supra mencionados parece-nos não ser legalmente admissível a
acumulação das funções de membro da assembleia municipal e prestador de
serviços para a câmara municipal do mesmo município.
(…)
No
que concerne à acumulação do cargo de membro da assembleia municipal com o de
trabalhador com contrato de trabalho em funções públicas no mesmo município,
não obstante o disposto no artigo 7.º da LEOAL, pensamos que tais cargos não
deverão ser acumulados já que, em tese, essa acumulação poderá gerar situações,
não de incompatibilidade, mas de sucessivos impedimentos, conforme se infere do
artigo 44.º do CPA.»
Parecer Jurídico N.º 39 / CCDR-LVT / 2010
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