terça-feira, 28 de novembro de 2017

Incompatibilidades: lei e ética.

Eu sei que vou voltar a ser vilipendiada, insultada até à náusea!
Mas esses ataques pessoais soezes de que tenho vindo a ser alvo por parte de alguns militantes da CDU nos últimos dois meses (de ameaças físicas públicas ao envio de mensagens particulares ordinárias), quiçá com o objetivo de me amedrontar e calar, têm precisamente o efeito contrário: dão-me cada vez mais vontade de, publicamente, expressar a minha opinião sobre as matérias que escolho (e não aquelas que eles preferiam) mais não seja para lhes provar que a Democracia e a Liberdade de expressão não são para seu uso exclusivo e o Estado de direito em que vivemos não lhes confere o poder que teriam num regime totalitário (felizmente).
Por isso, é sem receio do chorrilho de comentários indecentes (porque mal-educados) que aí possam vir, que vou abordar um tema sensível:
INCOMPATIBILIDADES no exercício simultâneo de funções como trabalhador do município e eleito na Assembleia Municipal do mesmo concelho – caso do deputado municipal da CDU João Geraldes.
São deveres gerais dos trabalhadores em funções públicas, entre outros elencados no artigo 73.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho: a isenção; a imparcialidade; o zelo; a obediência; a lealdade e a correção.
O Estatuto dos Eleitos Locais (Lei n.º 29/87, de 30 de junho) nada refere e o artigo 7.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto) apenas considera que o exercício de cargo dirigente num município é incompatível com a ocupação de um lugar como autarca nos órgãos autárquicos do mesmo concelho (executivo e deliberativo).
Embora legalmente possível, será eticamente aceitável que um técnico superior do mapa de pessoal do município seja, em simultâneo, membro da respetiva Assembleia Municipal eleito nas listas de uma força política da oposição?
A Comissão de Coordenação Regional de Lisboa e Vale do Tejo, no seu Parecer n.º 39/2010, «não obstante o disposto no artigo 7.º da LEOAL, pensamos que tais cargos não deverão ser acumulados já que, em tese, essa acumulação poderá gerar situações, não de incompatibilidade, mas de sucessivos impedimentos, conforme se infere do artigo 44.º do CPA
No caso da Assembleia Municipal de Almada essa situação não parece, todavia, incomodar o deputado municipal João Geraldes nem a força política que representa (a CDU) ainda que, como se verificou na última reunião daquele órgão deliberativo (realizada no dia 23 de novembro de 2017), depois do diálogo travado entre aquele autarca e a presidente da Câmara Municipal (de que aqui já demos notícia), possamos chegar à conclusão de que a ténue fronteira existente entre ambas as ocupações foi, de facto, ultrapassada.
João Geraldes está no seu direito de se sentir ultrajado com as palavras da presidente ao desmascarar em público o seu comportamento infeliz enquanto funcionário, alegando que estava ali naquela casa na qualidade de deputado municipal e não na de trabalhador da autarquia.
Sendo verdade que assim é, a fazer fé nas palavras da presidente (que não foram desmentidas pelo próprio, é bom lembrar), terá sido João Geraldes que no seu horário de trabalho e no âmbito daquelas que teriam sido as incumbências que lhe tinham sido atribuídas pelo anterior executivo, acabou confundindo-se e em vez de cumprir com os deveres de funcionário autárquico isento, imparcial e zeloso, preferiu representar o seu outro papel: o de político da oposição, recebendo os novos autarcas com o desdém que a situação relatada por Inês de Medeiros nos leva a imaginar.
Fosse João Geraldes dirigente da câmara municipal ou um mero prestador de serviços contratado pela autarquia e aí não restariam dúvidas que estaria legalmente impedido de exercer o cargo para o qual fora eleito na Assembleia Municipal.
Mas como técnico superior, incompreensivelmente, a lei já não afasta essa possibilidade embora os fundamentos que levaram àquelas incompatibilidades se mantenham: a possibilidade de que do confronto entre os deveres de funcionário e as obrigações partidárias resultem situações pouco claras e, sobretudo, sem garantias de isenção e transparência (como as descritas parecem evidenciar).
Fica somente no plano da ética a decisão sobre manter ou suspender o mandato. E cada um que pense o que quiser.

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«As incompatibilidades são um corolário do princípio constitucional da imparcialidade – artigo 266º nº 2 da CRP – e significam a impossibilidade de acumular simultaneamente dois cargos ou funções por a lei considerar, independentemente da pessoa em concreto que ocupe tais cargos, que essa acumulação é suscetível de pôr em causa a isenção e imparcialidade exigida.
O parecer nº 100/82, de 27/07/82 da Procuradoria-Geral da República, expressa precisamente que “as incompatibilidades visam proteger a independência das funções” e Vital Moreira e Gomes Canotilho referem que o sistema das incompatibilidades visa garantir não só o princípio da imparcialidade da Administração mas também o princípio da eficiência.
Relativamente às incompatibilidades, estabelece, de modo expresso, a subalínea v) da alínea b) do artigo 4º do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei nº 29/87, de 30 de Junho e republicado pela Lei nº 52-A/2005, de 10 de Outubro que, no exercício das suas funções, os eleitos locais estão vinculados ao cumprimento de vários princípios, designadamente, em matéria de prossecução do interesse público; não podendo celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão.
(…)
Relativamente aos membros da assembleia municipal que já sejam detentores de contrato de trabalho em funções públicas com a autarquia, dispõe a alínea d) do nº1 do mesmo artigo 7º da Lei Eleitoral das Autarquias Locais, que os funcionários dos órgãos das autarquias locais que exerçam funções de direção são inelegíveis para os órgãos das autarquias onde exercem funções, salvo no caso de suspensão obrigatória de funções desde a data de entrega da lista de candidatura em que se integrem.
(…)
CONCLUSÃO:
Em face dos preceitos supra mencionados parece-nos não ser legalmente admissível a acumulação das funções de membro da assembleia municipal e prestador de serviços para a câmara municipal do mesmo município.
(…)
No que concerne à acumulação do cargo de membro da assembleia municipal com o de trabalhador com contrato de trabalho em funções públicas no mesmo município, não obstante o disposto no artigo 7.º da LEOAL, pensamos que tais cargos não deverão ser acumulados já que, em tese, essa acumulação poderá gerar situações, não de incompatibilidade, mas de sucessivos impedimentos, conforme se infere do artigo 44.º do CPA.»

Parecer Jurídico N.º 39 / CCDR-LVT / 2010

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