Volta e meia lá venho eu falar sobre esta questão. E não será a última. Hoje deixo-vos alguns elementos para reflexão.
De Autarquia Local até 1976, à mera circunscrição administrativa de hoje, o Distrito tem vindo a ser desvalorizado progressivamente. Mas, «enquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, subsistirá a divisão distrital no espaço por elas não abrangido» havendo em cada um «uma assembleia deliberativa, composta por representantes dos municípios» e cabendo ao «governador civil, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela» na respectiva área, conforme assim o determina o artigo 291.º da Constituição da República Portuguesa.
Embora sejam dois os órgãos atrás referidos, a nossa análise debruçar-se-á, exclusivamente, sobre as Assembleias Distritais por serem estas entidades que, mercê do seu estatuto jurídico híbrido, maior controvérsia têm gerado (em particular após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de Janeiro) no tocante ao seu enquadramento na Administração Pública: organismos da administração periférica do Estado ou da administração local?
Mais do que uma simples questão técnica, descobrir a resposta para aquela pergunta é tentar descortinar as razões que se escondem por detrás do manto de silêncio com que governantes, deputados, autarcas, sindicalistas, políticos em geral, até jornalistas, se cobrem sempre que tentamos abordar a problemática das Assembleias Distritais, as quais, apesar de terem a morte anunciada há décadas, vão sobrevivendo no limite da instabilidade, em permanente incerteza quanto ao seu futuro, numa confrangedora luta pela dignidade e reconhecimento institucional... apenas porque ninguém, incompreensivelmente, quer assumir a responsabilidade pela sua extinção definitiva, ou tomar a iniciativa de reformular a sua precária existência, revitalizando-as se for caso disso.
Embora se revele tarefa árdua, quiçá mesmo uma «missão impossível», tento tentado deslindar este tabu, a que nem Jorge Sampaio escapou quando era Presidente da República: em 12 de Dezembro de 1999 apelava à revitalização das Assembleias Distritais, sugerindo mesmo que os seus poderes fossem reforçados, como fórmula para aproximar os eleitos dos eleitores. Contudo, até final do seu mandato, manteve um conveniente distanciamento sobre o assunto.
No mesmo sentido, o Conselho Económico e Social, órgão de consulta da Assembleia da República, no parecer que emitiu sobre as Grandes Opções do Plano para o ano de 2001, defendeu «a revitalização do funcionamento das Assembleias Distritais como instância única de coordenação distrital» sugerindo que as suas competências deveriam ser reforçadas, assim como os meios de financiamento. Poucos tempo depois, todavia, já tudo caíra no esquecimento.
E chegamos a 2007 com os responsáveis políticos amnésicos e a mesma “velha discussão” sobre o enquadramento das Assembleias Distritais: pertencem à administração periférica do Estado? Ou são entidades da administração local?
Apesar das diversas opiniões que opõem conceituados juristas da nossa praça, é meu entendimento que, enquanto se mantiver a redacção do artigo 291.º da Constituição e o Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de Janeiro, não for alterado, as Assembleias Distritais, mormente o seu carácter provisório, são entidades de génese autárquica, de âmbito supramunicipal, e fazem parte integrante da nossa Administração Pública Local, concorde-se, ou não, com a sua existência.
Mas, se a interpretação literal da legislação não é suficiente para clarificar a situação das Assembleias Distritais, podemos sempre socorrer-nos das palavras do então Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, Nunes Liberato, que foi explicar à Assembleia da República, em 22 de Maio de 1990, qual era a intenção do legislador ao propor um novo regime jurídico para aquelas entidades: «O Governo entende que, posicionadas no âmbito da administração local, as Assembleias Distritais deverão organizar os seus serviços e modo de funcionamento segundo as regras que caracterizam esta Administração».
Ou seja, a lei não deve ter uma interpretação restritiva assente, unicamente, na sua forma escrita (gramatical ou literal). Essa visão deve ser completada com a introdução de alguns contributos extra-literais se queremos compreender a verdadeira essência dos diplomas legais, como refere Marcelo Rebelo de Sousa: «na descoberta do sentido da lei é decisiva a consideração de alguns elementos fundamentais», entre os quais temos os históricos (identificação e análise dos precedentes normativos e trabalhos preparatórios), os teleológicos ou ratio legis (ou seja, a finalidade social da lei) e os sistemáticos (que resultam da comparação analítica, dentro de um mesmo ordenamento jurídico, de uma determinada lei com outras disposições congéneres relacionadas com matérias semelhantes).
Opinião diversa da atrás exposta tem, contudo, João Caupers para quem as Assembleias Distritais, tal como os Governos Civis, são «órgãos da administração periférica comum do Estado» porque «ambos operam no âmbito da circunscrição distrital, resultante da divisão do território em dezoito distritos administrativos», explicação esta que consideramos insuficiente para fundamentar aquela classificação pois não apresenta quaisquer considerações sobre o seu regime jurídico. A provar a controvérsia em redor do tabu distrital, o mesmo autor, também defende que, afinal, os governadores civis são os «únicos órgãos da administração periférica comum do Estado», cuja missão se encontra enunciada, basicamente, no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro.
Afinal em que é que ficamos? Para quando uma verdadeira reforma da Administração Pública que inclua a resolução deste tabu que ninguém quer resolver?
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