(…)
«Atentos às competências do
Ministério Público no que se refere à intervenção nas várias áreas do direito (civil,
penal e administrativo), tendo presente as muitas dúvidas que as conclusões dos
despachos de arquivamento identificados na página anterior suscitam, e bem
assim como o teor do Acórdão de 15-01-2015 do Tribunal Central Administrativo
Sul, a bem da verdade e da justiça, urge esclarecer as questões a seguir
enunciadas e agir em conformidade no que à defesa dos interesses constitucionalmente
protegidos diz respeito, se for caso disso:
1) Não podendo
a ocorrência ser tipificada como crime, isso significa que oito meses de salários
em atraso (sete dos quais consecutivos e seis por receber, nesta data, há mais
de um ano), além do subsídio de férias de 2014, se trata apenas de uma simples “situação indesejável e desagradável,
causadora de mal-estar” como escreveu a Procuradora-Adjunta Berta Moderno
do DIAP de Lisboa?
2) Como
enquadrar, então, a situação acima descrita face àquela que parece ser uma
evidente violação do direito da lesada receber a retribuição pelo trabalho
prestado – alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República
Portuguesa, e ao notório incumprimento do dever da entidade empregadora pública
pagar pontualmente a respetiva remuneração – alínea b) do n.º 1 do artigo 71.º
da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho?
3) Ou dar-se-á
o caso da funcionária, apesar de possuir um contrato de trabalho em funções
públicas por tempo indeterminado, com vínculo à Administração Local, por
exercer a sua atividade numa Assembleia Distrital desde 1987 perdeu todos os
seus direitos laborais, nomeadamente a garantia expressa no n.º 1 do artigo
174.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, de vir a receber os créditos
remuneratórios em falta (salários de novembro/2013 a maio/2014, inclusive,
subsídio de férias/2014 e vencimento de abril/2015)?
4) Se os
direitos da trabalhadora subsistem, a quem compete afinal defendê-los quando é
o próprio Tribunal (Acórdão de 15-01-2015 do TCAS) a negá-los ao determinar que
a partir de 1 de julho de 2014 o pagamento dos salários é um ato ilícito devido
ao facto de se considerar que as Assembleias Distritais estão proibidas de
arrecadar receitas e efetuar despesas, nos termos do artigo 9.º do Anexo à Lei
n.º 36/2014, de 26 de junho?
5) Sabendo que
o financiamento corrente da Assembleia Distrital de Lisboa dependia, em
exclusivo, das contribuições das autarquias efetuadas nos termos do artigo 14.º
do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, como classificar a decisão pessoal do
Dr. António Costa de impedir a Câmara Municipal de Lisboa de pagar as quotas
que cabiam à autarquia a partir de janeiro de 2012 (a única com este tipo de comportamento)
e com essa atitude provocar deliberadamente a falência da entidade e a
existência de salários em atraso?
6) Ainda no
anterior regime jurídico, estando a Assembleia Distrital desprovida de recursos
orçamentais suficientes devido ao incumprimento das autarquias no que se refere
às suas obrigações (comparticipação aprovada legal e democraticamente em
plenário distrital) e proibida por lei de recorrer ao crédito, de quem é a
responsabilidade objetiva pelo não pagamento atempado dos salários?
7) É legítimo
o argumento da Câmara Municipal de Lisboa acerca da inconstitucionalidade do
artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, sem que a mesma jamais tenha
sido declarada pelo Tribunal (alegação que só aparece duas décadas depois da
entrada em vigor daquele diploma) e depois da própria autarquia ter liquidado
aqueles encargos de 1991 a 2011 sem contestar?
8) Se aquela
justificação tem permitido à Câmara Municipal de Lisboa desde janeiro de 2012
desresponsabilizar-se pelo pagamento das quotas que lhe cabiam e negar a
existência de qualquer dívida para com a Assembleia Distrital, como se
compreende a sentença que condenou o Município de Oeiras em 01-06-1995 a pagar
as contribuições à ADL e mais recentemente a decisão do Ministério Público que
declarou nulas as deliberações da Câmara e da Assembleia Municipal de Sintra (de
10 e 19-12-2013, respetivamente) de desvinculação da Assembleia Distrital (assumidas
com o objetivo da autarquia deixar de pagar as respetivas quotizações)
obrigando o Município à regularização dos duodécimos em atraso?
9) Se tal como
o Ministério Público esclareceu a Câmara de Sintra, não obstante a eventual inconstitucionalidade da lei não pode a
autarquia invocar a mesma para o seu incumprimento antes que tal seja declarado
pelo Tribunal Constitucional, ou num caso concreto por qualquer tribunal (o que
nunca aconteceu), a tolerância em relação à Câmara de Lisboa não poderá ser
entendida como um tratamento de favor lesivo dos interesses da Assembleia
Distrital e, sobretudo, dos direitos dos trabalhadores que têm créditos remuneratórios
por receber há meses consecutivos?
10) Depois da publicação
da Lei n.º 36/2014, de 26 de junho, e até à passagem da Universalidade Jurídica
para uma nova Entidade Recetora (que, nesta data, decorridos 10 meses ainda não
aconteceu em Beja, Lisboa e Santarém, referindo apenas os casos onde existe pessoal
a cargo), partindo do pressuposto que o novo regime jurídico das Assembleias
Distritais entrou em vigor no dia 01-07-2014 (e que as proíbe de manter
trabalhadores, arrecadar receitas e assumir despesas), a quem passou a competir
o cumprimento do dever inerente a qualquer entidade empregadora pública de
colocar à disposição dos seus trabalhadores a remuneração na data do seu
vencimento mensal?
11) Ou aquela
que no setor privado é considerada uma falta especialmente gravosa nos termos
do n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho, presumindo-se até de culpa inilidível
como assim o concluiu o Acórdão de 21-02-2011 do Tribunal da Relação do Porto
se prolongada por mais de sessenta dias (prazo que no caso em apreço se encontra
substancialmente ultrapassado pois há salários por pagar desde novembro/2013 a
maio/2014 e o subsídio de férias/2014), se for praticada no seio da
Administração Pública passa a ser apenas uma “situação desagradável” sem possibilidade
de imputar quaisquer responsabilidades seja a quem for?
12) Mostrando-se
a Assembleia Distrital de Lisboa alheia à causa que leva à ocorrência de
salários em atraso há mais de um ano por a mesma derivar, em exclusivo, do não
pagamento das contribuições que nos termos e para os efeitos do disposto no
artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, cabiam à Câmara Municipal
de Lisboa (única autarquia que mantém quotas por pagar anteriores à entrada em
vigor da Lei n.º 36/2014, de 26 de junho), podemos afirmar que, assim, se
mostrará ilidida a sua presunção de culpa, recaindo a mesma sobre a edilidade
da capital por esta se furtar ao cumprimento consciente da lei mesmo depois de
alertada para as consequências deste seu ato ilícito?
13) Em 4 de
maio de 2015 ainda não se sabe quem será a Entidade Recetora da Universalidade
Jurídica da Assembleia Distrital de Lisboa (o mesmo acontece, também, em Beja e
Santarém), pelo que este organismo desconhecido não pode legal e formalmente
assumir o pagamento de quaisquer encargos (por inexistência do sujeito a quem
imputar os custos) referentes ao funcionamento dos Serviços de Cultura.
Todavia, na ótica do TCAS (Acórdão de 15-01-2015) essa deixou de ser uma
responsabilidade da Assembleia Distrital a partir do dia 01-07-2014, nos termos
do artigo 9.º do Anexo à Lei n.º 36/2014, de 26 de junho. É lícito que, numa
fração de segundo, entre as 23:59h de dia 30-06-2014 e as 00:00h de dia
01-07-2014, por imposição legal e à revelia do único órgão competente para o
efeito (a Assembleia Distrital) se tivesse decretado a extinção compulsiva dos
Serviços de Cultura por impossibilidade de haver quem possa assumir os
compromissos referentes ao seu regular funcionamento até à efetiva
transferência para outra entidade?
14) Tendo
presente as competências expressas no n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 75/2013,
de 12 de setembro, e a obediência que todos os órgãos da Administração Pública
(incluindo a autárquica) devem ao princípio da legalidade (n.º 2 do artigo
266.º da CRP e artigo 3.º do CPA), como classificar a rejeição da Assembleia
Municipal de Lisboa em recomendar à Câmara Municipal (por três vezes
consecutivas e apesar de plenamente conscientes da situação dos salários em
atraso) que cumprisse a obrigação de pagar à Assembleia Distrital as quotas
devidas nos termos do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, mas
que a autarquia se recusa a pagar e cuja dívida não reconhece apesar do
disposto no artigo 9.º da Lei n.º 36/2014, de 26 de junho?
15) Um despacho
publicado 104 dias depois de findo o prazo indicado no n.º 2 do artigo 8.º da
Lei n.º 36/2014, de 26 de junho, carece de absoluta forma legal podendo ser
considerado nulo nos termos do CPA, ou trata-se de uma mera “falta de impulso legislativo” que
podendo causar “grandes perturbações”
é uma ocorrência vulgar e pouco relevante como a Procuradora-Adjunta Sofia
Gaspar do DIAP de Lisboa deu a entender aquando do arquivamento do Inquérito
N.º 1.615/15.8TDLSB?
16) Os prazos definidos
na lei são sempre indicativos podendo ser desrespeitados por quem deve praticar
as ações nele indicadas, como aconteceu com o Despacho do Governo sobre o
património predial da Assembleia Distrital de Lisboa publicado no Diário da República, II série, n.º 229,
de 26 de novembro de 2015, ou esta é uma situação de exceção válida por se
tratar da suposta confirmação de um ato anterior?
17) O Despacho
do Governo de 26-11-2015 foi emitido para regularizar a exclusão referida no
n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 36/2014, de 26 de junho, e tem como referência
expressa o património predial citado no Despacho Conjunto do MAI e do MPAT de
31-12-1991 publicado no Diário da
República, II série, n.º 38, de 14 de fevereiro de 1992. É lícito que o
Despacho de 2014 identifique bens propriedade da Assembleia Distrital que não
estão referidos no citado Despacho de 1992, como é o caso dos prédios rústicos
e urbanos localizados na freguesia da Lousa, concelho de Loures?
18) Mesmo tendo
em atenção o teor do Acórdão de 29-04-1998 do STA, o Tribunal da Comarca de Loures considerou em 24-02-2014 (Processo N.º 9.580/13.0TCLRS-A) que em 1991 apenas foram transferidas para o Estado as
instalações que à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 288/85, de 23 de
julho, estavam a ser ocupadas por Serviços e pessoal da Assembleia Distrital não
se podendo aplicar aquela legislação aos restantes imóveis. Tendo presente
o atrás exposto e em particular o disposto no artigo
7.º do Código do Registo Predial, como
pode o Estado justificar que é o proprietário legal dos prédios rústicos
localizados nos concelhos da Amadora, Loures e Odivelas, os quais em maio de
2015 ainda se encontram registados em nome da Assembleia Distrital de Lisboa e
onde esta entidade nunca teve a funcionar quaisquer serviços?
19) Para a
Procuradora-Adjunta Sofia Gaspar do DIAP de Lisboa, “ainda que integralmente verdadeiros” os
factos relatados no Relatório e Contas de
2013 da Assembleia Distrital de Lisboa “não se subsumem à prática de nenhum crime”. Tendo
presente o exposto no ponto anterior, como classificar então, nomeadamente, os
procedimentos e condutas a seguir indicadas:
a) Venda de uma parcela de terreno em 28-12-1990 pelo valor de 25.000.000$00
(124.699€) sem autorização prévia da Assembleia Distrital embora na escritura
conste a afirmação “conforme deliberado”.
b) Fracionamento
de prédios rústicos e criação de várias centenas de lotes para construção urbana
e/ou indústria em zonas não edificáveis face ao PDM local, alguns mesmo em área
classificada de RAN e REN, registados na Conservatória Predial de Odivelas como
tal, durante os anos de 1989 a 1991, sem que contudo tenha havido autorização
da Assembleia Distrital e tão pouco qualquer licença camarária para o efeito.
c) Vendas
efetuadas durante o período de “vacatio
legis” do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro (sessenta dias
subsequentes) parte delas sem ter havido deliberação prévia da Assembleia
Distrital: 248 escrituras de compra e venda, cedência ou doação de habitações e
terrenos, no valor global de 30.455.250$00 (151.910€) embora nas Contas
Correntes da Receita (rubricas 09.01 e 09.02, referentes à Venda de Bens de
Investimento – Terrenos e Habitação, respetivamente) apenas conste a quantia de
3.590.876$00 (17.911€).
d) Recebimento
da indemnização de 428.703.000$00 (2.138.361,55€) pelo Governo Civil de Lisboa,
em 13-12-1994, referente à expropriação de terrenos (para construção da CRIL)
que em maio de 2015 ainda continuam registados em nome da Assembleia Distrital
de Lisboa e tendo o respetivo auto sido celebrado dando por verídicas
informações falsas sobre a titularidade dos bens em causa.
e) Recebimento
da indemnização de 293.484.200$00 (1.463.893,02€) pelo Governo Civil de Lisboa,
em 24-02-1995, a referente à expropriação de terrenos (para construção da CRIL)
que em maio de 2015 ainda continuam registados em nome da Assembleia Distrital
de Lisboa e tendo o respetivo auto sido celebrado dando por verídicas
informações falsas sobre a titularidade dos bens em causa.
f) Recebimento
da indemnização de 156.351.300$00 (779.877€) pelo Governo Civil de Lisboa, em
03-12-1998, referente à expropriação de terrenos (para construção da CRIL) que
em maio de 2015 ainda continuam registados em nome da Assembleia Distrital de
Lisboa e tendo o respetivo auto sido celebrado dando por verídicas informações
falsas sobre a titularidade dos bens em causa.
g) Venda de um
terreno à EPAL por 36.408.000$00 (181.602,34€) em 23-11-1999 tendo o Governo
Civil de Lisboa alegado estar em representação do proprietário do prédio
rústico em causa embora nunca lhe tivesse sido conferido qualquer mandato pela
Assembleia Distrital proprietária do prédio de onde foi desanexada a parcela e
do qual ainda hoje, maio de 2015, continua a ser a titular registada.» (…)
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