«Uma nefasta consequência dos recibos verdes...
Arquitecta há mais de dez anos (a recibos verdes claro) num atelier internacionalmente reconhecido, deparo-me agora com uma situação que nunca passei atravessar: um cancro de mama.
Sempre descontei para a segurança social (do meu bolso claro) e esta oferece-me agora uma "baixa" ridícula: posso ficar em casa até 12 meses, sem pagar a prestação à Segurança Social e sem direito a qualquer tipo de remuneração.
Deve-se ter em conta que um tratamento oncológico deste tipo demora cerca de um ano e meio... e a pseudo-baixa é de um ano!
No entanto, se trabalhasse por conta de outrem a mesma baixa poderia alongar-se até três anos. Deduzo então que o Estado parte do princípio que os profissionais liberais (forçados ou não) têm mais saúde e podem alegremente trabalhar entre quimioterapias e nos pós-operatórios.
Vivo neste momento da caridade. Da família e da entidade patronal, apesar das suas ameaças de despedimento. Para que não seja despedida tenho ido trabalhar quando na verdade só me apetece ficar em casa a descansar e a enjoar...
Para além do processo de cura ser doloroso, passo os dias a pensar que não escolhi ter um cancro mas alguém escolheu não me fazer a m**da de um contrato de trabalho e, mais uma vez, não posso contar com o Estado.
Acrescento ainda que tenho um bebé.
Vou iniciar uma acção jurídica contra a "entidade patronal" pois acredito que todo o dinheiro que me devem será o meu meio de subsistência nos próximos tempos.»
Arquitecta há mais de dez anos (a recibos verdes claro) num atelier internacionalmente reconhecido, deparo-me agora com uma situação que nunca passei atravessar: um cancro de mama.
Sempre descontei para a segurança social (do meu bolso claro) e esta oferece-me agora uma "baixa" ridícula: posso ficar em casa até 12 meses, sem pagar a prestação à Segurança Social e sem direito a qualquer tipo de remuneração.
Deve-se ter em conta que um tratamento oncológico deste tipo demora cerca de um ano e meio... e a pseudo-baixa é de um ano!
No entanto, se trabalhasse por conta de outrem a mesma baixa poderia alongar-se até três anos. Deduzo então que o Estado parte do princípio que os profissionais liberais (forçados ou não) têm mais saúde e podem alegremente trabalhar entre quimioterapias e nos pós-operatórios.
Vivo neste momento da caridade. Da família e da entidade patronal, apesar das suas ameaças de despedimento. Para que não seja despedida tenho ido trabalhar quando na verdade só me apetece ficar em casa a descansar e a enjoar...
Para além do processo de cura ser doloroso, passo os dias a pensar que não escolhi ter um cancro mas alguém escolheu não me fazer a m**da de um contrato de trabalho e, mais uma vez, não posso contar com o Estado.
Acrescento ainda que tenho um bebé.
Vou iniciar uma acção jurídica contra a "entidade patronal" pois acredito que todo o dinheiro que me devem será o meu meio de subsistência nos próximos tempos.»
Esta jovem trabalha no sector privado. Denuncia-nos uma situação extremamente chocante, que nos revolta a todos.
Mas não nos podemos esquecer que, infelizmente, este é um retrato que acontece, também, na Administração Pública. Veja-se o caso da Câmara Municipal de Almada, onde proliferam os contratados em regime de prestação de serviços...
Embora possamos sempre admitir que nem todos os avençados são-no a "contra gosto" (haverão alguns até que essa situação lhes convém porque, assim, podem ter vários contratos em simultâneo), certo é que esses são uma ínfima parte do universo dos trabalhadores contratados a "recibos verdes".
Na maioria dos casos, avençados e tarefeiros, supostamente a desempenhar um trabalho independente, sem sujeição à hierarquia e disciplina do serviço (como há décadas a legislação do sector público o exige - e não é só agora com a publicação da Lei n.º 12-A/2008, de 27-2, como alguns querem fazer crer, culpando o actual governo do incentivo à precaridade), encontram-se subordinados hierarquicamente e cumprem horário de trabalho, o que, na prática, os impede de poderem multiplicar esses contratos por outras entidades e acabando por ficar apenas numa instituição, a título exclusivo.
A satisfazer necessidades permanentes, que o patrão diz não o serem (como a CMA vem afirmando), mas que, no entanto, escondem uma realidade abjecta, de fundamentos meramente economicistas (mesmo que se pague a alguns supostos assessores, cuja afinidade partidária os aproxima do poder, e não a todos, como é óbvio, avenças elevadas, o certo é se poupa muito ao evitar, deste modo, as contribuições para a segurança social e outros encargos com o pessoal - subsídios de alimentação, férias e de Natal, além de despesas com a saúde).
Mas quem opta por celebrar com os trabalhadores este tipo de contratos, fá-lo também por uma outra razão: é que, assim, têm-nos na mão... ou seja, como podem ser dispensados a todo o tempo e sem direito a qualquer tipo de indemnização, este pessoal é, compreensivelmente, muito mais submisso e raramente afronta o patrão (ou o poder político nas autarquias, por exemplo).
Por tudo isto, não nos podemos calar. Nós que estamos, felizmente, de fora... No mínimo, resta-nos ser solidários.
E para quem não viu, aqui fica o link da Reportagem da SIC de dia 19-11-2008:
O Contrato - O retrato do "mercado negro" do trabalho em Portugal
http://sic.aeiou.pt/online/scripts/2007/videopopup2008.aspx?videoId=%7b5BB4487C-722F-42E6-A2E9-DA237A6204D8%7d
O Contrato - O retrato do "mercado negro" do trabalho em Portugal
http://sic.aeiou.pt/online/scripts/2007/videopopup2008.aspx?videoId=%7b5BB4487C-722F-42E6-A2E9-DA237A6204D8%7d
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