sábado, 8 de novembro de 2008

Precários nas autarquias... mais uma vez Almada


«Na Administração Pública e no sector privado, a contratação de trabalhadores a “recibo verde” tornou-se uma verdadeira praga. São, em geral, falsos avençados, porque na realidade desempenham funções permanentes. Também não são trabalhadores “independentes”, porque de facto estão sujeitos à disciplina e à direcção das respectivas entidades patronais, bem como a um horário de trabalho.

E se no sector privado a precariedade nas relações laborais é grave, no sector público torna-se absolutamente insuportável. Em recente comunicado, a Comissão de Trabalhadores da Câmara Municipal de Almada refere a sua preocupação em relação aos trabalhadores do município “em regime de avença, contratos a prazo ou em situação de total ausência de vínculo laboral, relações precárias que em alguns casos já se arrastam por uma década”. Nada pode justificar esta situação. É a injustiça laboral levada ao extremo, com a inqualificável agravante de constituir uma evidente ilegalidade.

Ora, esta situação tornou-se ainda mais angustiante no sector público com a recente publicação da Lei 12-A/2008, sobre o regime laboral dos trabalhadores que exercem funções públicas. No seu art.º 36º, fica determinado que aqueles contratos de avença quando chegarem ao fim não poderão ser renovados e que, na maior parte dos casos, serão considerados nulos. Assim mesmo, pura e simplesmente nulos. Sem possibilidade de renovação da avença, esses trabalhadores estarão desempregados no dia seguinte, depois de anos a prestarem serviço público em condições de total precariedade. Em vez de prescrever um remédio para a doença, o Governo acabou por matar o próprio doente com aquela lei.

Paradoxalmente, o Estado e as autarquias deixaram de estar autorizados a contratar trabalhadores individualmente a “recibo verde”, mas poderão adjudicar o serviço desses trabalhadores através de uma empresa. Por exemplo, uma câmara não pode ter um arquitecto a “recibo verde”, mas poderá celebrar um contrato de prestação de serviços mais uma vez falso), nas modalidades de contrato de tarefa ou de avença, com uma empresa que coloca lá o mesmo técnico a desempenhar as mesmas funções permanentes. O trabalhador passou, assim, a ter um intermediário na sua relação laboral e a ser duplamente precariezado.

Na maior parte das câmaras o número de trabalhadores precários não é do domínio público. A Associação Nacional de Municípios Portugueses também não tem disponível qualquer informação sobre este problema. Sabe-se, no entanto, que Câmara Municipal de Lisboa (CML), em conjunto com os sindicatos, identificou no início deste ano a sua própria situação interna e encontrou uma solução jurídica para a passagem dos seus cerca de 800 falsos avençados (!) ao quadro da Câmara.

Fundamentada num parecer do Professor Jorge Leite, especialista em Direito Laboral, da Universidade de Coimbra, a CML declarou-se interessada em integrar aqueles trabalhadores e colocou em marcha um processo legal de negociação, com a constituição de um tribunal arbitral, que já conduziu à admissão de centenas de ex-trabalhadores precários no quadro do município.
Trata-se de um bom exemplo, testado na prática e que os sindicatos já conhecem, para resolver no imediato a dramática situação de precariedade de muitos trabalhadores das autarquias. Deixou de haver desculpas para que algumas câmaras mantenham a “recibo verde” e numa situação degradante muitos dos seus trabalhadores. A solução já existe, é só questão de a querer aplicar.»
Pedro Soares
in Notícias de Almada, de 07-11-2008

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