quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Os "Bairros do Torrão"

POR UMA HABITAÇÃO CONDIGNA, PARA TODOS
(por Ana Sartóris)

«Entre os celeiros da Trafaria e as instalações da NATO junto à Cova do Vapor, mais de 500 cidadãos habitam um bairro de becos e travessas estreitas, casas abarracadas e de génese clandestina, com os números do correio pintados a tinta branca nas portas de ferro, actualmente conhecido pelo Bairro do Torrão, antigo “Bico da Areia”.

A coesão e espírito de solidariedade dos moradores do Bairro do Torrão, no fundo dois bairros residenciais distintos – 1.º e 2.º Torrão, contrastam com a débil atenção do poder municipal aos graves problemas sociais vividos, como o desemprego, a toxicodependência e a exclusão social. A localização privilegiada, com forte ligação ao Estuário do Tejo, foi votada a um impressionante esquecimento por parte dos órgãos locais, onde a ausência de condições de habitabilidade e salubridade e um espaço público desqualificado constituem apenas os exemplos mais flagrantes.

As condições habitacionais são precárias, predominando os alojamentos degradados e sobrelotados, apesar de, há cerca de 40 anos, as famílias pagarem anualmente uma licença de ocupação do terreno à APL. O Bairro do 2.º Torrão é essencialmente constituído por construções ilegais em madeira e zinco, sem qualquer ordenamento e com esgotos a “céu aberto”.

No princípio do Verão, os moradores dos Bairros do 1.º e 2.º Torrão receberam a notícia de que as suas licenças de ocupação dos terrenos de domínio público da APL não seriam renovadas. A APL deixou ainda bem claro que, a partir do dia 1 de Janeiro de 2009, quem ali permanecer pagará uma indemnização por ocupação indevida. Sem que lhes fosse apresentada qualquer alternativa, os cidadãos agonizam face ao seu futuro.

A demolição dos Bairros é uma ameaça antiga e, embora algumas famílias se encontrem inscritas no Plano Especial de Realojamento, muitas permanecem sem qualquer garantia, expectantes pelo dia em que ficarão sem tecto. Os Bairros do Torrão caracterizam-se por uma identidade sócio-cultural muito forte que ao longo dos anos tem sido dotada de uma elevada passividade por parte da Câmara Municipal de Almada, com uma intervenção requalificadora muito reduzida.

No final do mês de Junho, em ofício dirigido ao Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Aiveca questionou o Governo sobre a situação dos moradores destes bairros, nomeadamente se o seu realojamento está previsto e em que condições será efectuado. Até à data, desconhece-se qualquer resposta.

Não é a requalificação da zona poente da Trafaria que está em causa, mas sim o atropelo de direitos fundamentais dos cidadãos, sustentados sobre a necessária e urgente reabilitação da frente ribeirinha. É pelo estrito cumprimento do artigo 65.º da Constituição Portuguesa que nos devemos bater. Todos os cidadãos têm direito «a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoas e a privacidade familiar». E a este princípio basilar ninguém, nem nenhuma instituição, pode ficar indiferente, rejeitando a sua responsabilidade política e social de garantir um tecto condigno a todas as famílias. Só assim se escreve uma sociedade sustentável e socialmente desenvolvida.»


Notícias de Almada, 28-10-2008

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