Maria nasceu à beira-rio e José entre verdes campos. Vivem separados geograficamente por dezenas de km e só se vêem nas férias escolares. A uni-los estão laços de parentesco de 2.º grau, mas quem os observa, sempre juntos, julga-os irmãos.
Quando Maria chega à quinta dos avós, José pressente-o esteja onde estiver… e num ápice corre ao seu encontro, por montes e vales, seja dia ou de noite, faça sol ou faça chuva.
São ambos de poucas falas, todavia entendem-se como ninguém… sabem decifrar os pensamentos um do outro e não necessitam de palavras para comunicar, tal a empatia que se lê nos seus olhares e se sente nos gestos que o silêncio afaga.
Estão meses longe um do outro, sem trocar correspondência sequer, no entanto não sabem viver separados assim que ela chega a casa dos avós, para quem esta relação parece roubar o precioso tempo que têm para estar com a neta. Entre um ralhete, com muitos carinhos à mistura, reclamam a sua atenção, mas até acham graça às brincadeiras e tropelias das duas crianças.
Maria é mais velha quase três anos e gosta de ser ela a liderar as aventuras do dia. José é muito tímido e, por vezes, a “prima de Lisboa” intimida-o com a sua ousadia, por isso concorda sempre com ela, sem coragem para a contrariar.
Ela apresenta-se de vestido de chita rodado e sandálias a condizer. Ele gosta de andar descalço, sentir o contacto da terra arada na sola dos pés.
Depois de Maria chegar, passadas umas horas, estão os dois a subir às árvores de fruto, sentados à sombra no pinhal, ou a correr entre as videiras (ai se os avós soubessem!!!), a lavar os pés no tanque de rega, a beber água na fonte, etc… finalmente, já cansados e a suar, descansam na eira prostrados, encostados à fresca empena da casa, combinando o que vão fazer no dia seguinte.
Maria, de manhã, vai com a avó à aldeia, que fica a 3 km de distância, comprar mercearias e conduto para o almoço (geralmente um naco de borrego e uns enchidos para temperar o caldo da sopa).
José tem que ir com a mãe apanhar lenha para acender o forno do pão pois é dia de cozedura semanal e vai haver broa quentinha.
Da parte da tarde, passada a hora do calor (durante a qual a sesta é obrigatória), Maria quer ajudar o avô na rega da horta porque adora tirar água do poço com o cabaço e ficar a vê-la correr por entre os sulcos abertos na terra.
José tem que ir arrancar erva para os coelhos.
Mas, terminadas estas tarefas, ainda sobra tempo para pegarem na velha cesta de verga e irem apanhar fruta para o lanche... carreiro abaixo, aí vão eles conversando e rindo!
José, mais veloz, adianta-se e esconde-se debaixo da rudimentar ponte de madeira que o avô de Maria construiu a unir as duas margens do ribeiro que atravessa a propriedade. A rapariga, zangada, chama por ele mas continua em frente. De repente, quando coloca o pé sobre a 1.ª tábua do passadiço, eis que sente uma mão a apertar-lhe o tornozelo direito…
Assustada, com a pressa de fugir, Maria acaba por cair e grita descontrolada. José, ao ver a atrapalhação da prima ri a bandeiras despregadas e, mais ainda, quando esta se levanta e desata a dar-lhe pontapés e bofetadas das quais ele se defende com mestria.
A batalha dura, ainda, mais alguns momentos mas as tréguas chegam por cansaço dos beligerantes que, no final, olham um para o outro e, de mãos dadas, libertam sonoras gargalhadas que ecoam por entre as copas das laranjeiras.
Entretanto, de longe, chega um grito amortecido: Maaaa….riiiiii….aaaaaa. Annnnn… tóóóó… niiiiii… ooooo. Era a avó que a chamava, e ao avô, porque estava na hora do jantar.
José, contrariado, despede-se com um curto “até amanhã”, irritado com a interrupção do divertimento. Cabisbaixo, segue para casa, na direcção oposta àquela que Maria e o avô percorrem, cada um carregando a sua bilha de barro com água fresquinha da nascente.
quarta-feira, 13 de setembro de 2006
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