quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Almada no "Second Life"


Quem conhece a degradação do presente (prédios em ruínas, ruas esburacadas, lixo acumulado nas ruas, o envelhecimento da população, os problemas sociais de muitas famílias, a inépcia da gestão autárquica, a indiferença dos transeuntes, a falta de civismo dos residentes, a acomodação dos eleitores, etc. etc. etc.), é confrontado com promessas semelhantes desde há décadas (com pequenas variações de conteúdo, conforme o autor/promotor e apoiantes do delírio) e apenas vê os projectos serem sucessivamente adiados e Cacilhas transformada numa "lixeira a céu aberto", só pode mesmo encarar com desconfiança mais esta parafernália de ideias que, aos olhos do cidadão comum, não deixam de ser mirabolantes.

Falar de milhões de euros de investimento num pedaço do território, prometendo fazer renascer o concelho de Almada num futuro que não se sabe quando chega e do qual apenas se tem um desejo de que aconteça (dizem que são precisos, no mínimo, vinte anos para que se "revele") e nenhuma base de suporte a ser construída (no terreno, não existe nem o mais pequeno indício de que algo vai mudar), em detrimento de uma negra realidade actual, que se prefere manter com a desculpa de que não vale a pena mudar porque vem aí o milagre, é bem o retrato da forma como os nossos autarcas encaram as questões do planeamento urbano: construir é mais importante do que recuperar, nem que a miragem impeça que olhemos, de forma racional, para os problemas do quotidiano.



Há uns anos atrás, a Presidente da CMA dizia, a propósito da "Manhattan de Cacilhas", que queriam "roubar o céu aos almadenses" com as torres a implantar nos terrenos da Margueira. Hoje, sendo certo que a proposta de Rogers tem uma menor densidade de ocupação em altura, em termos gerais não difere assim tanto da sua antecessora, pese embora o traço arquitectónico, o desenho urbano de enquadramento e alguns equipamentos sejam, obviamente, diferentes (em vez de um edifício com 312m vamos ter vários de 132m - cercade 40 pisos - e muitos com 10/15 andares, e os arranjos exteriores serão outros).

Todavia, só na aparência o éden ora projectado é, de facto, mais "simpático". Na prática, os cacilhenses ficam com o mesmo céu que já tinham e, em contrapartida, passam a ver o estuário do Tejo por entre as nesgas de betão dos prédios que irão nascer nos antigos estaleiros da Lisnave.


Mas eu descobri! Finalmente…

O projecto "Almada Nascente", que diz querer transformar Cacilhas num oásis, não é mais do que a apresentação da cidade virtual que o município vai "construir" no "Second Life".

Por isso, ainda há esperança. Outros projectos virão… e "enquanto o pau vai e vem folgam as costas". De lamentar é, contudo, o dinheiro que, impunemente, se vai gastando nestes desvarios que, muitas das vezes, vão mudando consoante se movem na sombra, com mais ou menos ligeireza, os interesses económicos/partidários de ocasião, os quais reflectem a imagem que de quem detém o poder (financeiro e político) e nada mais (veja-se o que aconteceu em Lisboa com o projecto encomendado por Santana Lopes ao arq.º Frank Gehry para o Parque Mayer, e agora colocado na gaveta por António Costa, após gastos largos milhares de euros dos depauperados cofres da autarquia).

Ironias à parte: preocupa-me que este entusiasmo exagerado da CMA pelo projecto de Richard Rogers faça esquecer a outra Cacilhas que já existe, de ruas tristes e sujas, onde a degradação é visível na fachada de cada prédio. Temo que, enquanto se pensa nos futuros "festivais" a realizar numa Almada idílica ainda inexistente, se descure o presente e se adopte uma postura de inércia expectante, ou seja, que as prioridades de hoje se afundem na esperança de um onírico amanhã.

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