domingo, 23 de agosto de 2015

Breves notas para a desmistificação de um despacho…



Na passada quinta-feira, dia 20 de agosto de 2015, foi publicado o Despacho conjunto n.º 9507-A/2015 da Ministra de Estado e das Finanças e dos Secretários de Estado da Cultura e da Administração Local. Quarenta e um dias após a publicação de um outro, o Despacho do SEAL de 9 de julho de 2015, que o de agosto vem completar, o qual, por sua vez, fora conhecido decorridos trinta e cinco dias depois de o Governo ter sido informado de que a Assembleia Municipal de Lisboa rejeitara a Universalidade da Assembleia Distrital.
Ou seja, entre o saber que o património (predial e cultural), ativos e passivos financeiros, serviços abertos ao público e pessoal da Assembleia Distrital de Lisboa se iria concretizar a favor do Estado português, e apesar de conscientes de que havia uma trabalhadora com salários em atraso há meses consecutivos, ainda assim o Governo demorou 35 dias para emitir um despacho evasivo (o de 9 de julho) e mais 41 dias para identificar quais eram, em concreto, as Entidades Recetoras que, na Administração Central, iriam receber aqueles bens.
Mas, à exceção da consolidação da mobilidade dos trabalhadores da Assembleia Distrital que se encontram a exercer funções no Município de Lisboa desde 01-11-2014, conforme assim o determina o n.º 2 do Despacho n.º 9507-A/2015, será que podemos mesmo considerar que o assunto está encerrado ou existirão, ainda, muitas questões por clarificar?
Na prática temos que a Secretaria de Estado da Administração Local necessitou de 76 dias para dar como concluído o “processo de reorganização qualificado como de extinção” referente aos Serviços de Cultura da Assembleia Distrital de Lisboa e mesmo assim preferiu lançar a suspeita sobre a veracidade do passivo financeiro da entidade dando a entender que se trata de meras “alegações de eventuais créditos laborais reclamados em montante indefinido” e não representam um direito efetivo carecendo, por isso, da prévia aferição da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças como se as informações prestadas pela Assembleia Distrital não fossem de confiança e as dívidas aos trabalhadores um possível embuste.
Se para chegar a esta “brilhante conclusão” o Governo demorou dois meses e meio, quantos mais meses serão precisos para que o Estado vá auditar as contas da Assembleia Distrital e confirmar a existência daqueles compromissos?
E sobretudo, quantos mais meses decorrerão até que a SG do MF satisfaça os créditos laborais aos trabalhadores, nomeadamente à funcionária para quem o mês de agosto será o 12.º sem vencimento?
Tendo-se chegado à assinatura do despacho e à sua publicação oficial, não seria de esperar que os Serviços das várias entidades envolvidas estivessem já informados da situação e, de imediato, pudessem proceder à regularização da situação mais premente que é, sem margem para quaisquer dúvidas, a da trabalhadora que foi agora colocada em situação de requalificação e tem, nesta data, 11 meses de salários em atraso, dois subsídios de férias por receber e 24 dias de férias não gozadas e não pagas?
Pois é. Acontece que, contudo, contactada a Direção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas e a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças na sexta-feira passada, nem uma nem outra sabiam o que se passava. Aliás, nem sequer tinham conhecimento do despacho em causa.
Isto significa que apesar de sempre ter sido uma funcionária cujo mérito profissional foi por diversas vezes reconhecido, como o seu currículo o demonstra, Ermelinda Toscano (a técnica superior que agora foi colocada em situação de requalificação) esteve:
Com dez meses sem vencimento e com dois subsídios de férias por pagar, além de 24 dias de licença por gozar, como trabalhadora da Assembleia Distrital de Lisboa;
A que se juntou o mês de julho também sem receber ordenado e desconhecendo quem no Estado era, afinal, a sua entidade empregadora (isto depois de publicado o despacho de julho que transferiu a Universalidade da Assembleia Distrital para o Estado português);
E, agora, publicado o despacho da passada quinta-feira, são mais 20 dias de salário que ficam por pagar, e sem perspetivas de quando passará a receber os 60% da remuneração a que tem direito como “trabalhadora em requalificação” já que o INA ainda não a reconhece como tal por não ter conhecimento oficial daquele despacho.
Onde cabe aqui o princípio da “boa administração” (artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo) que determina, especificamente, que a “Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade”? Isto já para não falar do que terá sido feito do respeito pelos direitos dos trabalhadores pois é evidente que esses foram, há muito, confiscados.
Todavia não se ficam por aqui as questões que o Despacho n.º 9507-A/2015 suscita. Vejamos mais umas quantas:
Nos termos do n.º 4 cabe à Direção-Geral do Tesouro e Finanças proceder “ao registo do imóvel [3.º andar do n.º 137 da Rua José Estêvão, em Lisboa] na Conservatória do Registo Predial e na respetiva matriz predial”. Mas se o edifício onde aquela “fração” se insere não está em propriedade horizontal e corresponde a parte de um prédio urbano que não possui sequer licença de utilização porque o processo nunca foi concluído na Câmara Municipal (e assim se mantém há mais de quarenta anos) e esse facto tem impedido a alteração do registo predial no qual consta, ainda, uma casa apalaçada, sede da Junta de Província da Estremadura, muito gostaríamos de saber como irá a DGTF cumprir esta determinação. Até porque sendo o imóvel em causa propriedade do Estado, que sentido faz esta determinação?
No n.º 5 é interessante a autorização concedida à Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas para celebrar “um contrato de comodato com o município de Lisboa, com a condição de que este assegure a conservação e preservação” do “arquivo e espólio cultural da Assembleia Distrital de Lisboa bem como os serviços abertos ao público” presumindo-se a referência feita ao acervo do Arquivo Distrital, da Biblioteca e do Setor Editorial.
Ora se foi precisamente o Município de Lisboa:
Que levou a Assembleia Distrital à falência e provocou a existência de salários em atraso por meses consecutivos (numa decisão pessoal do ex-presidente da autarquia António Costa, assumida por mero capricho político à margem da lei e à revelia dos órgãos autárquicos);
Que rejeitou a Universalidade da Assembleia Distrital alegando, entre outros fundamentos que não correspondiam à verdade (como o de a ADL não ser proprietária do 3.º andar do n.º 137 da Rua José Estêvão, em Lisboa,) que os equipamentos culturais (Arquivo e Biblioteca) não interessavam ao município devido às suas características e ao estado de conservação do seu acervo (veja aqui a resposta da ADL ao ofício da vereadora Graça Fonseca);
Mantendo-se nos órgãos executivo e deliberativo do Município os mesmos autarcas que deliberaram rejeitar o património cultural da Assembleia Distrital e que não se coibiram de utilizar falsos argumentos para justificar essa posição política tecnicamente infundada (lembramos que a apreciação sobre o estado de conservação do acervo do arquivo e da biblioteca não foi precedida de nenhuma avaliação e não teve relatório técnico de sustentação desconhecendo-se os critérios utilizados pelo senhor Secretário-Geral da CML responsável pela emissão de tal opinião), como pode o Governo condicionar as hipóteses de celebração de eventuais contratos de comodato apenas com a Câmara Municipal de Lisboa?
Finalmente uma última observação (que não encerra o capítulo das inúmeras dúvidas que o presente despacho se nos coloca):
No n.º 8 é enunciado o valor “não inferior a 134.420,00€” como sendo os “créditos da Assembleia Distrital sobre os municípios associados, nomeadamente os que resultem da aplicação do artigo 9.º da Lei n.º 36/2014, de 26 de junho”. Mas teria sido importante identificar a autarquia devedora: a Câmara Municipal de Lisboa.
Esta referência tem implícita a aceitação de que terminara a 30 de junho de 2014 a obrigação dos municípios contribuírem para a Assembleia Distrital pois aquela quantia corresponde às quotas de janeiro de 2012 a junho de 2014 que o Município de Lisboa se recusou a pagar por ordem expressa de António Costa.
Tendo sido essa a conclusão do Tribunal Central Administrativo Sul, conforme Acórdão de 15 de janeiro de 2015 (que a partir de dia 1 de julho as Assembleias Distritais estavam proibidas, nomeadamente, de arrecadar receitas e efetuar despesas), é estranho que o Governo não reconheça às restantes autarquias o direito a serem ressarcidas das quantias que pagaram após essa data como a ADL sugere no seu Relatório e Contas de Encerramento (24-07-2015) já que apenas refere que o passivo da entidade é composto por “alegações de eventuais créditos laborais”.
E mais grave ainda (embora coloquem a questão no condicional e frisem ser o resultado do que se conhece até ao momento) é o facto de, ao que parece, o Governo ter resolvido excluir da composição do passivo da Assembleia Distrital o compromisso assumido com o advogado da Assembleia Distrital pois que sendo um profissional independente não se pode considerar o crédito que tem a haver como sendo de origem “laborar”. Um lapso que não se compreende e não tem qualquer justificação pois esta informação consta do Relatório e Contas de Encerramento (24-07-2015) atempadamente enviado ao senhor SEAL e cuja receção foi confirmada por um seu assessor.
Por tudo o que atrás expusemos (e pelo muito mais que ficou ainda por escrever mas contamos em breve desvendar) consideramos que a história da Assembleia Distrital de Lisboa está longe de concluída. Encerrou-se um capítulo mas estamos longe do fim.

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