sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Sem a mais pequena dúvida?


Começo por enunciar, ipsis verbis, aqueles que são os deveres do trabalhador com contrato de trabalho em funções públicas (artigo 73.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho):
«1 - O trabalhador está sujeito aos deveres previstos na presente lei, noutros diplomas legais e regulamentos e no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que lhe seja aplicável.
2 - São deveres gerais dos trabalhadores:
a) O dever de prossecução do interesse público;
b) O dever de isenção;
c) O dever de imparcialidade;
d) O dever de informação;
e) O dever de zelo;
f) O dever de obediência;
g) O dever de lealdade;
h) O dever de correção;
i) O dever de assiduidade;
j) O dever de pontualidade.
3 - O dever de prossecução do interesse público consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
4 - O dever de isenção consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce.
5 - O dever de imparcialidade consiste em desempenhar as funções com equidistância relativamente aos interesses com que seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos.
6 - O dever de informação consiste em prestar ao cidadão, nos termos legais, a informação que seja solicitada, com ressalva daquela que, naqueles termos, não deva ser divulgada.
7 - O dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas.
8 - O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e com a forma legal.
9 - O dever de lealdade consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço.
10 - O dever de correção consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos.
11 - Os deveres de assiduidade e de pontualidade consistem em comparecer ao serviço regular e continuamente e nas horas que estejam designadas.
12 - O trabalhador tem o dever de frequentar ações de formação e aperfeiçoamento profissional na atividade em que exerce funções, das quais apenas pode ser dispensado por motivo atendível.
13 - Na situação de requalificação, o trabalhador deve observar os deveres especiais inerentes a essa situação.»

De seguida, apresento-vos, em transcrição integral, os deveres dos eleitos locais, conforme assim o determina o artigo 4.º do respetivo estatuto (Lei n.º 29/87, de 30 de junho):
«No exercício das suas funções, os eleitos locais estão vinculados ao cumprimento dos seguintes princípios:
a) Em matéria de legalidade e direitos dos cidadãos:
i) Observar escrupulosamente as normas legais e regulamentares aplicáveis aos atos por si praticados ou pelos órgãos a que pertencem;
ii) Cumprir e fazer cumprir as normas constitucionais e legais relativas à defesa dos interesses e direitos dos cidadãos no âmbito das suas competências;
iii) Atuar com justiça e imparcialidade;
b) Em matéria de prossecução do interesse público:
i) Salvaguardar e defender os interesses públicos do Estado e da respetiva autarquia;
ii) Respeitar o fim público dos poderes em que se encontram investidos;
iii) Não patrocinar interesses particulares, próprios ou de terceiros, de qualquer natureza, quer no exercício das suas funções, quer invocando a qualidade de membro de órgão autárquico;
iv) Não intervir em processo administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado nem participar na apresentação, discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou intervenção, por si ou como representante ou gestor de negócios de outra pessoa, ou em que tenha interesse ou intervenção em idênticas qualidades o seu cônjuge, parente ou afim em linha reta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;
v) Não celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão;
vi) Não usar, para fins de interesse próprio ou de terceiros, informações a que tenha acesso no exercício das suas funções;
c) Em matéria de funcionamento dos órgãos de que sejam titulares:
i) Participar nas reuniões ordinárias e extraordinárias dos órgãos autárquicos;
ii) Participar em todos os organismos onde estão em representação do município ou da freguesia.»

E como a intenção deste artigo é continuar a aprofundar a questão da ética no exercício simultâneo de funções como trabalhador do município e eleito nos órgãos autárquicos do mesmo concelho, não posso deixar de partilhar um excerto de um trabalho de Alexsandro M. Medeiros intitulado Ética e Política:
«Embora nem sempre haja convergência entre as práticas políticas e os princípios morais, é fato hoje que a sociedade em geral está cansada de tantas notícias envolvendo escândalos de corrupção e posturas não condizentes com nossos representantes políticos (tanto na esfera do poder executivo quanto do legislativo) e clama por uma sociedade mais justa, no mesmo sentido em que desde a antiguidade Platão e Aristóteles já destacavam o importante papel que a justiça deve desempenhar para a vida em sociedade. Em um de seus pronunciamentos como candidato à presidência da República, Rui Barbosa afirmou: “Toda a política se há de inspirar na moral. Toda a política há de emanar da Moral. Toda a política deve ter a Moral por norte, bússola e rota” (apud NOGUEIRA, 1993, p. 350). Além disso, “a intensa crise política no país impõe que faça algumas reflexões sobre o problema da ética na política” (CHERCHI, 2009, p. 15).
Para alguns há uma incompatibilidade inelutável entre ética e política e ambas devem ser consideradas em domínios opostos. Para outros “[...] há uma forte expectativa, particularmente nos regimes democráticos, de que os governantes se conduzam de acordo com critérios de probidade e justiça na administração dos negócios públicos” (DINIZ, 1999, p. 57). De qualquer forma é preciso considerar que o âmbito da esfera política não pode ser reduzido ao universo da ética e da moral, pois como afirma Frota: “Os valores políticos transcendem os valores éticos e o universo da política não pode ser confundido com o da ética” (2012, p. 14).
Tanto a ética quanto a política são temas de uma longa tradição do pensamento filosófico e continuam a permear nossa realidade contemporânea por uma razão muito simples: não há como pensar a vida em sociedade sem valores morais e sem organização política. A questão é: as duas questões estão relacionadas ou devem ser tratadas de forma independente? Como vimos, ao longo da história, nem sempre os filósofos tiveram a mesma opinião sobre o assunto e ainda hoje esse tema é motivo de conflitos de ideias. Afinal, ética e política podem convergir entre si? “Podem ser ambos referidos a um mesmo termo de comparação, ou pertencem a universos incomensuráveis porque muito distantes? Pode-se responder de um e outro modo e articular a resposta de muitos modos diferentes” (BOVERO, 1992, p. 143). Para Cherchi, “a ética na política, diz respeito à conduta de cidadãos investidos em funções públicas, que como agentes públicos são responsáveis por manter uma conduta ética compatível com o exercício do cargo público para os quais foram eleitos” (2009, p. 15).»

Ana Margarida Lourenço, chefe de gabinete da presidente da Câmara Municipal de Almada (PS) e membro da bancada do PS na Assembleia Municipal de Almada;
Amélia Pardal, técnica superior da Câmara Municipal de Almada, mas a exercer funções em regime de substituição na Câmara Municipal de Loures, e vereadora da CDU no mesmo concelho;
João Geraldes, técnico superior da Câmara Municipal de Almada e membro da Assembleia Municipal de Almada em representação da CDU.
Mas como tenho vindo a ser reiteradamente acusada de estar a perpetrar um ataque pessoal e político sempre que cito o nome dos autarcas da CDU acima identificados (e apenas desses) no âmbito da reflexão a que se refere o presente artigo (ética no exercício simultâneo de funções autárquicas a nível profissional e eletivo é bom lembrar), antes de continuar considero da maior importância informar todos os interessados, em particular os visados e seus familiares e/ou amigos, de que em vez das conversas ofensivas sobre o caráter de quem escreve, assumam uma atitude corajosa e digna, reúnam provas (documentais e testemunhais credíveis e passíveis de serem tidas como tal pelo Tribunal) e avancem com uma queixa formal ao Ministério Público pelo crime de perseguição (de que alegadamente se dizem alvo) previsto e punido no Código Penal (artigo 154.º-A da Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto) e deixem a justiça pronunciar-se (mas ponderem bem a decisão já que o “feitiço poder-se-á virar contra o feiticeiro” porque tendo presente as calúnias, injúrias e difamação que profusa e expressamente têm proferido na web como reação pavloviana aos textos por mim subscritos, ainda correm o risco de também vir a ser constituídos arguidos – aconselho uma leitura do artigo 180.º do CP):
«1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2 - A tentativa é punível.
3 - Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.
4 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
5 - O procedimento criminal depende de queixa.»

Do trio atrás identificado, iremos falar apenas de dois: Ana Margarida e João Geraldes.
Fica excluída da nossa análise Amélia Pardal que, na nossa opinião, teve uma atitude digna: «… não fiquei como técnica na câmara de Almada porque não seria para mim eticamente compatível ser vereadora, mesmo que sem pelouros, e técnica na mesma câmara... E assim decidi que iria ser técnica para outro lugar. Entre algumas hipóteses surgiu a que agora abracei em Loures...»
Lembram-se da definição:
Dos deveres de “imparcialidade”, “zelo”, “obediência” e “correção”, a que devem obedecer os funcionários públicos?
Dos deveres de “atuar com justiça e imparcialidade”, de “não intervir em processo administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado nem participar na apresentação, discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou intervenção” e “não usar, para fins de interesse próprio ou de terceiros, informações a que tenha acesso no exercício das suas funções” a que estão sujeitos os eleitos locais?
Agora sejam sinceros e pensem:
É possível garantir, sem margem para quaisquer dúvidas, que um funcionário da autarquia que é, em simultâneo, deputado municipal, consegue em todas as circunstâncias, cumprir na íntegra os seus deveres profissionais? Que, no seu local de trabalho, em nenhuma circunstância deixará de ser isento? Que jamais usará para benefício do seu partido informações a que acede por ser trabalhador da autarquia? Que nunca agirá de forma menos diligente como funcionário só para prejudicar a entidade e poder ganhar créditos políticos? Que nunca trocará o respeito hierárquico pela lealdade partidária? Que, por outro lado, como político conseguirá ser suficientemente imparcial para julgar com justiça a atividade do seu empregador público?
Se por um lado há quem considere estas questões de somenos importância, há também aqueles cujo conceito de integridade (ética) não admite que se coloquem em situações que, pela natureza dos compromissos a assumir, possam deixar a mais pequena dúvida sobre o seu caráter moral ou a sua idoneidade profissional e política.

Continua (porque ainda há muito para dizer sobre esta temática)

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