Tinha prometido a mim própria, já há bastante tempo, que “crise” seria vocábulo que diria o menos possível. E escrevê-lo, nunca. Não cumpro a promessa feita. Porém, isso apenas a mim diz respeito.
Assim, no meio de tantas crises, estamos no imediato mergulhados num autêntico “nó cego”, que foi a crise política recente. Haverá muito de nebuloso nas suas origens que talvez nunca totalmente desvendaremos, face à opacidade que entre nós reina.
Tópicos:
1. “Nó cego” lhe chamo. E é-o. Porque juntando-se às outras crises, manifesta a descrença na capacidade das forças políticas e das instituições para a sua superação. Os partidos políticos – os seus actores – vêm estando enredados nisso a que chamei “nó cego”. Quem esteja de fora mas atento verifica com uma cristalina nitidez que estão enredados nos seus egos (expressão usada por um dos participantes num recente programa “Prós e contras”), deslumbrados cada um com a sua verdade, como se absoluta ela fosse.
2. Um país definhando; um povo cada vez mais doente, sim, porque se trata já de um problema de saúde pública (os entendidos já chamaram a atenção da gravidade disso). E o seu povo obrigado a assistir a um espectáculo que dispensava e caminhando para o que não deseja – eleições. (Isto mereceria outro desenvolvimento, não é tudo assim tão linear). Seja qual for o quadro parlamentar delas resultante, iremos assistir à gritaria a que nos habituaram, mesmo q alguns actores saiam de cena.
3. Tudo indica vir a ser uma aliança centro-direita ou direita-direita que se configura no horizonte nacional. Com a canga do FMI, teremos uma forte agitação social. Ora, de Belém não são de esperar bons ventos: Cavaco não é sequer um democrata. Revelou-se como primeiro ministro, não mudou nem mudará, agora, como Presidente da República. Tenho muitas dúvidas dessa sua prometida “magistratura activa”. Será a magistratura de Facebook? Dias sombrios nos esperam; um dos lados maiores da crise é a nossa falta de confianças nas instituições. Justificada falta. Até aqui não disse nada de novo, qualquer um de nós tudo isto, e muito mais, já pensou. Todavia estas poucas linhas levaram-me a recuar uns séculos, porque é a falta de coesão social que me preocupa cada vez mais.
Assim, pensei na peste de 1569, e fui só ver datas certinhas. Para a Lisboa desse ano há o registo total da população, por freguesias, antes e depois da peste, e do número de mortos semana a semana. Com esses dados é possível calcular a perda de coesão da cidade. (Ver Provimentos da Saúde).
As decisões do governo da cidade eram previsíveis, mesmo inevitáveis, tendo em conta a perda de coesão devida à mortalidade nesse malogrado ano. No dia 26/6 D. Sebastião e a sua corte abandonaram a cidade. Fez a transmissão de poderes aos vereadores. No dia 12/8 o governo da cidade quer abandoná-la devido ao aumento da perda de coesão. O rei permite-o. A cidade desaparece como estrutura. Dentro de muros apenas fica um bando de homens a morrer.
Passando para exemplos de outras cidades. As grandes pestes de Londres e Danzig, no século XVII, determinaram também o abandono do rei e do governo. Lembremos ainda, só para dar mais alguns exemplos de longe, de Veneza e Verona, no mesmo século. Veneza deixou de ser república e nunca mais teve a importância comercial como até então, passando a ser predominantemente de atracção turística. Verona, passado um século após a catástrofe, ainda não tinha recuperado sequer o número de habitantes.
Ora, entre nós, a coesão social está fortemente ameaçada. E o tecido social todos os dias vai avançando com sucessivas rupturas. Ainda hoje foi anunciado o fecho de mais umas dezenas de agências bancárias. Se ainda não houve implosão social, é porque têm existido grandes almofadas sociais, mas que cada vez se encontram em maiores dificuldades para responder ao cada vez maior número de necessidades, porque todos os dias elas vão aumentando.
Os tempos estão muito perigosos, não se tem dado a devida atenção aos nossos descontentamentos. A panela ferve. E o mais triste é o muito sofrimento pelo caminho.
Creio, todavia, que se vai construindo algo de novo em termos de paradigma, com outras orgânicas e laços que têm estado escondidos mas irão desabrochando. Isso será motivo de esperança, há muitos actores importantes, sem visibilidade até, outros com alguma, à margem de militâncias partidárias. Mas muitos dos actores que até estão em partidos de esquerda, estão cheios de vícios e até, paradoxalmente (?) embrenhados no carreirismo, todos contentes com um monte de cargos pendurados ao pescoço, apenas porque não permitiram que muitos mais partilhassem da vida colectiva. Os pequenos feudos, os compromissos de velhas capelinhas, estragam tudo. Esperemos por melhores dias. Estou voluntariamente a utilizar uma linguagem muito branda.
Para a construção da cidade, da polis, no sentido grego, mesmo muitos seremos sempre poucos.
Almerinda Teixeira
Cacilhas, 15 de Abril de 2011
4 comentários:
Então aqui vai uma reflexão.
O pais está como está porque os "democratas" da linha leninista-trotskista começaram por distribuir riqueza antes de a criar, logo em 74-75.
Ao contrário do ensinamento chinês, em vez de aprender a pescar foram logo assar os peixes todos que havia.
Isto foi mais grave porque a ideia se propagou para a direita, sendo que aquilo a que chamam liberal é um partido social democrata.
Aparecem até uns palermas a dizer que o Cavaco não é democrata. Haviam de experimentar um Fidel ou um Chavez para aprenderem a não ser parvos.
Ainda agora, estando nos mergulhados num enorme problema de divida, aparecem uns ilumindos a dizer que nós é que temos de colocar as condições a quem nos vai emprestar dinheiro. Santa ignorância, supremo desplante, total ausência de valores e de vergonha.
Bye
Tudo tem solução, precisa é de alguém com a coragem suficiente para enfrentar os Louçãs, os Jerónimos, os Carvalhos da Silva, e outros sonhadores que gostam de prometer o infinito.
Mas numa coisa acho que têm razão, o FMI não é a solução, pois vem emprestar ainda mais dinheiro. Esta malta precisa de voltar a passar mal para entrar nos eixos.
Depois disso então talvez comecem a perder a pose, e a mania que são todos ricos.
Numa reportagem que vi aqui há uns dias, um padeiro desempregado na Alemanha, lembrou-se de abrir uma loja onde vende pão e pastelarias do dia anterior fornecendo-se numa fábrica ao final do dia. O empresário embala os produtos em doses certas e vende cada pacote a 1€. Nâo tem mãos a medir e vai abrir mais lojas.
Aqui em Portugal a ASAE fecharía a loja imediatamente.
Temos quase 11% de desempregados, numa sociedade em que a escola priveligiasse a responsabilidade individual e o seu prémio, em vez dos trabalhos de grupo, talvez o espirito de empreendedorismo fizesse nascer uma miriade de pequenos negócios mas, as pessoas foram ensinadas a trabalhar em rebanho e sózinhas não sabem que fazer; assim, os 11% podem ser ultrapassados rápidamente.
Para satisfação dos comunas, os bancos começaram já a fechar alguns balcões, deste modo, muitos trabalhadores deste sector vão deixar de ser explorados pelos capitalistas.
Sr. Churchil refere-se à 'reforma agrária' e às 'nacionalizações' de 74-75? Esqueceu-se dos capitalistas/patrões que deram à sola p/ Espanha e Brasil? dos latifundios exploradores de mão-de-obra barata a 10-12H/dia? dos serviços essenciais publicos e não publicos tornados estatais? Esqueceu-se da onda nacional de alfabetização VOLUNTÁRIA, das comissões de trabalhadores e de moradores VOLUNTÁRIOS? claro que se cometeram erros é proprio da fase revolucionária/tumultuosa mas não houve guerra civil (felizmente). Vive(u) em que mundo? o país está como está por culpa de politicas centrais do Psd/Cds/Ps ou seja de que deteve o poder maioritário desde 1975 e dos mercados internacionais! e de sr.s como voçê que usam palas fascizoides ª). Temos que ''abaixar as calças'' porque nos vão emprestar dinheiro?? claro que há critérios e condiçoes p/ o empréstimo, eu conheço alguns: pago a casa , o carro, o crédito pessoal ao banco e estou 'preso' mais 20 anos aos mesmo, por opção minha (infelizmente); portanto linhas leninista-trotskista, liberias e outras que tais é areia que nos tentam enfiar nos olhos. Aconselho-o a emigrar p/ uma ditadura qualquer, preferencialmente de direita.
ª) entendo p/ palas fascizoides a maneira enviesada, nescia e tosca de analisar as situações parcialmente ou sem minimo de conhecimento tão caracteristica e apanágio de Salazar e companhia e anti-democracia participativa.
Vítor Hugo
(um não comunista-trotskista)
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