Finalmente consegui ver, ontem, o filme «As Horas», de Stephen Daldry. E, confesso, adorei!
Não só pela mestria das interpretações, sobretudo de Nicole Kidman, que se excedeu a si própria como actriz (mesmo sem dizer uma palavra, apenas através da expressão corporal, consegue exprimir toda a dor de Virgínia Wolf, nomeadamente a angústia que a consome e o desequilibro psíquico que a levará ao suicídio) mas pelo enredo muito bem construído (mérito de Michael Cunningham, autor do livro com o mesmo nome, The Hours, em que se baseou o filme):
· na década de 20, Virgínia (a única personagem com existência real) escreve a sua obra Mrs. Dalloway e tenta manter sob controle a sua loucura, medicamente diagnosticada;
· em 1949, Laura (Julianne Moore), tenta conciliar o facto de ser mãe, esposa e dona-de-casa apesar da solidão ser o que mais deseja.
· nos dias de hoje, Clarissa (Meryl Streep), empenha-se na fútil preparação de uma festa para um amigo que sofre de SIDA, e que conquistou um prémio literário.
Este é um filme dramático, em certa medida cruel mesmo, não só porque aflora o problema da depressão, do suicídio e das relações homossexuais (sobretudo femininas, assumidas ou escondidas), mas, principalmente, porque trata de uma questão muito actual (embora o filme se passe mais no passado do que no presente, sendo os dias de hoje um mero epílogo de que nos vamos apercebendo ao longo das duas outras histórias que aconteceram há décadas de distância, em épocas diferentes): o medo de viver, ou, melhor dizendo, a agonia de não saber o que fazer com o tempo que ainda nos resta.
Num mundo pautado pela busca individual e bastante egoísta da felicidade, da permanente ilusão da possível realização plena, em que os únicos empecilhos parecem ser a morte e o fracasso, a dor de viver é aqui abordada de forma magistral. Virgínia e Laura, sobretudo, mas também Clarissa e Richard (o amigo com SIDA) sentem sobre seus ombros a pressão do enorme fardo de existir, que tem um peso muito maior do que a família e os amigos imaginam…
Mas pode a vida, enfim, trazer-nos mais do que felicidade e realizações efémeras? Depois de ver o filme ficamos com a sensação de que o mais provável é a vida trazer-nos, apenas, uma injustificada insatisfação sem precedentes e um permanente desgosto de viver.
Este é, pois, um filme a não perder… apesar do pessimismo, aconselho-o porque são aqui levantadas questões muito sérias e que era bom que sobre elas reflectíssemos para trazer outro colorido à nossa existência.
E para quem gosta desta temática, deixo-vos um artigo muito interessante, publicado na Revista de Psiquiatria do Rio de Janeiro (Janeiro/Abril de 2006): «Depressão e Suicídio no filme “As Horas”».
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