Em Almada, as Contas
do Município referentes a 2017 foram formalmente aprovadas (por unanimidade
no órgão executivo e por maioria no deliberativo), no mês em que se comemorou o
44.º aniversário do 25 de abril e a escassos dias da celebração do 1.º de maio.
E naquele que é o mês da Liberdade, em que se celebra a
Democracia, o poder local em Almada foi palco de um facto do qual não há
memória: depois da apresentação do Relatório e Contas de 2017 feita pela
Presidente da Câmara na Assembleia Municipal, os
documentos não foram objeto de discussão, porque nenhuma bancada quis usar
da palavra, tendo-se passado, de imediato, à respetiva votação.
Estranho consenso este entre PS, CDU, PSD, BE e CDS (ou terá sido
coincidência?) que levou, pela primeira vez em 42 anos de poder autárquico, à
não realização do debate em torno das contas do município.
Depois da polémica
dos últimos meses em torno dos resultados operacionais negativos, dos saldos
de gerência que se vinham esfumando ano a ano durante o último mandato
(2013-2017), das cautelas orçamentais que era necessário assumir em 2018
impedindo a baixa do IMI, das acusações de gestão irresponsável no caso do arrendamento
da Quinta dos Espadeiros, do caso dos trabalhadores
sazonais alegadamente não integrados no mapa de pessoal por razões
políticas, etc. etc. confesso que esta espécie de aparente “pacto de não-agressão”
dos deputados municipais deixou-me, literalmente, “de boca aberta”.
Esperava assistir a um debate aceso e quiçá inflamado, com
picardias entre as bancadas da CDU / PS / PSD e moralismo quanto baste do BE (pensei
mesmo que ia ouvi-los de novo citar Sofia de Mello Andresen já que havia tanta
coisa vista, ouvida e lida que, julgava eu, não podiam ignorar), mas
enganei-me.
Por outro lado, já não me surpreendeu o que se seguiu depois. À
exceção do BE (que se manteve estoicamente escondido atrás do muro de silêncio
construído para o efeito) e do PAN (que não estava presente), as restantes bancadas
(PS, CDU, PSD e CDS) optaram por, nos termos do artigo 55.º do regimento,
apresentar declarações de voto explicando as razões da sua posição. Até aí nada
de mais.
Acontece porém que a CDU, servindo-se daquela figura regimental (e
ao contrário do que fizeram, de facto, os outros partidos), acabou usando o
tempo disponível para fazer uma intervenção política que, por ter sido
produzida após a votação e mascarada de declaração de voto não seria sujeita a
contraditório, podendo assim apresentar críticas à leitura que a Câmara fazia
dos indicadores financeiros, fazer apreciações abonatórias da gestão CDU e
juízos de valor depreciativos sobre a atuação do atual executivo, sem dar
oportunidade aos visados de responder pois o debate daquele ponto fora
encerrado e já não seria possível retomá-lo.
Tratou-se, enfim, de um subterfúgio muito pouco democrático: uma
forma de amordaçar a livre expressão das outras forças partidárias impedindo-as
de, no ponto da ordem de trabalhos adequado para o efeito, se pronunciarem
sobre as opiniões políticas da CDU.
Aquando da votação na reunião da Câmara de dia 16-04-2018, os
vereadores da CDU subscreveram uma declaração
de voto dizendo que o Relatório e Contas de 2017 continha “incompreensíveis
omissões” que consideravam dever ser corrigidas “sob pena do documento não
espelhar de forma fiel a atividade desenvolvida em 2017”. Ainda assim
votaram-no favoravelmente no órgão deliberativo.
Chegamos à Assembleia Municipal de dia 27-04-2018 sem que o Relatório
e Contas de 2017 tenha sofrido quaisquer alterações, ainda assim a CDU vota a
favor, mas resolve pronunciar-se sobre o seu conteúdo para destacar que as
“boas contas” do exercício de 2017 são um facto que o “PS foi obrigado a
reconhecer” como fizeram constar nos folhetos
que elaboraram para divulgação online
e distribuição clássica pelas ruas do concelho de Almada (gasto extraordinário
em papel, formato A4 a cores e de boa qualidade, o que mostra a necessidade de
se manterem em permanente campanha eleitoral).
Diz-se naquele impresso de propaganda política, que é entregue
acompanhado com explicações adicionais valorando o trabalho da CDU, menorizando
o da atual maioria e alertando para os perigos caso a CDU não venha a retomar
as rédeas ao poder autárquico (numa clara tentativa de lavagem cerebral dos
transeuntes desprevenidos), e por entre referência aos milhões do saldo de
gerência transitado, que o Relatório e Contas de 2017 “revela a intensa e
frutuosa atividade concretizada e demonstram de forma inequívoca a saúde
financeira que a Câmara Municipal de Almada respirou até final de 2017,
resultante da gestão da CDU e da elevada competência e dedicação dos
trabalhadores da autarquia.”
Contudo, tendo presente as denúncias feitas na última reunião do
executivo (que, surpreendentemente ninguém trouxe à liça na sessão da
assembleia municipal), não podemos deixar de perguntar: quantos atos de gestão
danosa pode esconder a capa das boas contas?
Contabilista e financeiramente os números aparentam estar certos.
As parcelas da receita e da despesa terão os adequados comprovativos legais, o
saldo aritmético encontra-se correto. Será isso suficiente para provar que o
dinheiro público foi consumido (aplicado) de forma adequada? Não, não é!
Basta pegar no caso da
Quinta dos Espadeiros que o órgão executivo deliberou não renovar na
reunião do passado dia 16 de abril (apesar dos votos contra da CDU) por se ter
considerado, como justificou a Presidente, tratar-se de “uma opção
irresponsável, antecipada, que não se justifica. Na verdade, nestes dois anos
de arrendamento estamos a falar de uma despesa global para o município na ordem
dos 400.000€, para um espaço onde comprovadamente não houve uma única
atividade.”
Esclarece ainda que, afinal, a opção de compra não está garantida
e a eventual utilização do espaço por parte do município tem que ser submetida
à aprovação prévia dos proprietários que ainda lá residem. Uma aberração,
portanto, que custa ao erário público 200.000€ por ano. Por isso, o atual
executivo considerou esta situação “um caso grave de gestão” que tinha de ter
um fim.
Como o vereador Nuno Matias fez questão de salientar “estamos a
falar de um encargo financeiro que não resultou nem em benefício para o
município nem utilidade para os munícipes”.
Trata-se de um contrato que configura “não há mesmo dúvida
nenhuma, uma falsa opção de compra.” E porquê? Porque diz a cláusula 10.ª que o
município tem a faculdade de, até 60 dias antes do termo do contrato, para
exigir a compra “caso esta ainda se encontre na titularidade do senhorio”. E,
pior ainda é que nem sequer existe limite máximo de venda. Como a opção de
compra está condicionada a acordo entre as partes logo, bastaria pedirem 20
milhões (quando a propriedade nem metade desse valor vale) para inviabilizar a
compra por parte da autarquia.
“Fala-se tanto em transparência e ninguém sabe de nada? Ninguém
olhou para este contrato para ver se fazia sentido? Se do ponto de vista legal
isto tinha solidez para defender os interesses do município a médio e longo
prazo?”
O que disse a CDU sobre estas questões? Pois é, nada! E a proposta
de não renovação do contrato acabou aprovada com sete votos a favor (4 PS, 2
PSD e 1 BE) e quatro votos contra dos eleitos da CDU que prestaram, no final,
uma curta declaração de voto, lida por Joaquim Judas, explicando que o faziam
por “não serem conhecidas soluções alternativas para alojar o espólio do pintor
Rogério Ribeiro”, por “não haver alternativas ao uso público daquele espaço de
elevado valor paisagístico” e por “não se manter em aberto a possibilidade da
quinta poder vir a integrar o património municipal”.
O que obrigou a Presidente a esclarecer que a transação sobre o
espólio do pintor Rogério Ribeiro “ainda está muito longe de estar concluída,
não há nenhum acordo firmado, assinado, com a família. É isso que me dizem os
serviços. E este contrato tem dois anos. Portanto, cada um gere como entende:
alugar primeiro o espaço e depois discutir o espólio lá a pôr? Nós consideramos
que deve ser de outra forma. Primeiro garante-se o espólio e depois encontra-se
o espaço.”
200.000€ por ano, fez questão de salientar a presidente, “é mais
do que estava previsto para o Fundo de Emergência Social em Almada. E isto é
grave senhores vereadores. Muito grave.”
A Quinta dos Espadeiros é apenas um exemplo. Quantos mais haverá
escondidos por detrás da capa das “boas contas” da CDU? Estranhamente nenhum
partido levantou esta questão na Assembleia Municipal!
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