quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A ética e a legitimidade política

Ontem, o Bloco de Esquerda apresentou na Assembleia Municipal de Almada a moção abaixo transcrita, a qual foi rejeitada com os votos contra da CDU e a abstenção do PSD, tendo o PS e o BE votado a favor:


«O CÓDIGO DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA E O DESINCENTIVO À PRECARIEDADE

Considerando que:

As consequências da crise económica que o país está a atravessar têm tido um reflexo assaz devastador nos níveis de Emprego tornando cada vez mais prementes a assumpção de medidas concretas que visem defender o Trabalho e os direitos dos trabalhadores.

Em tempos conturbados como os actuais, com o desemprego a aumentar de forma assustadora, a luta contra a precariedade deve ser, também, um dos nossos principais objectivos em termos laborais.

As Autarquias Locais podem ter um papel muito importante na adopção de procedimentos de desincentivo à contratação de trabalhadores com vínculos precários, sobretudo “falsos recibos verdes”, pelas entidades às quais adjudicam a aquisição de bens e serviços.

Os critérios de adjudicação devem ter uma forte ligação às necessidades e interesses públicos que consubstanciam a aquisição, entre os quais, numa perspectiva de desenvolvimento económico integrado, se podem inserir as preocupações sociais subjacentes à luta contra a precariedade, pela dignificação dos trabalhadores.

A Assembleia Municipal de Almada, reunida na sessão ordinária de 25 de Fevereiro de 2009, delibera recomendar à Câmara Municipal de Almada que:

À semelhança da obrigatoriedade de se exigir às empresas a comprovação prévia da regularização da sua situação tributária (Finanças) e contributiva (Segurança Social) para que seja possível proceder a quaisquer pagamentos superiores ao montante legalmente estabelecido, se passe a exigir, também, que assumam o compromisso, mediante declaração escrita, de que não possuem trabalhadores em regime de prestação de serviços a desempenhar funções de carácter permanente, na medida em que o Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro) nada dispõe que impeça uma autarquia de estabelecer como condição de adjudicação aquele requisito


Sendo este resultado mais do que esperado, confesso que ainda me consegui surpreender com o descaramento da bancada da CDU ao afirmar, em declaração de voto, que «os propósitos e os objectivos da moção são justos e concordamos com eles». Mas, mesmo assim, achar que a medida de desincentivo à contratação precária proposta pelo BE levantava “problemas concretos de hierarquia das fontes de direito” e, por isso, votava contra, acrescentando que a mesma era ilegal à luz dos preceitos constitucionais.

Todavia, não foi apresentada uma única razão demonstrativa, de facto, sobre a ilegitimidade daquela proposta, nem tão pouco explicaram, objectivamente, qual era o vício legal de que a medida sugerida padecia, não bastando dizer que as condições do concurso têm de estar definidas na lei para afirmar que a exigência da declaração escrita aos empresários levanta sérios problemas de legalidade. Qual é, então, a norma que está a ser violada?

O Código dos Contratos Públicos estabelece o regime jurídico do procedimento a adoptar pelas entidades públicas na aquisição de bens e serviços. É aí que estão versadas todas as regras a que as autarquias devem obedecer.

Contudo, este regulamento não apresenta nenhum elenco taxativo (como a CDU quer fazer crer) de quais devem ser os critérios de selecção. E distingue entre critérios de qualificação e critérios de adjudicação, coisa que a CDU parece não saber.

Este diploma define, ainda, quais são os critérios materiais da escolha do procedimento a adoptar, exigindo também um maior cuidado na apresentação dos requisitos técnicos de qualificação dos candidatos.

Mas deixa margem para que até à decisão afinal de adjudicação (que apenas pode ter em conta duas variáveis – artigo 74.º) possam ter sido considerados outros factores, adaptados a cada situação específica, a título de exemplo cita-se a ponderação e valorização de preocupações sociais, como se pode depreender do preâmbulo, e, mais adiante, quando se fala do sistema de qualificação prévia dos candidatos e apreciação das respectivas propostas, podendo aqui introduzir-se a questão da salvaguarda dos direitos dos trabalhadores.

Aliás, neste sentido de condenar as práticas ilegais de contratação de pessoal, parece ter apontado o legislador quando na alínea h) do artigo 55.º impede mesmo de se candidatarem as entidades que «tenham sido objecto de aplicação, há menos de dois anos, de sanção administrativa ou judicial pela utilização ao seu serviço de mão-de-obra legalmente sujeita ao pagamento de impostos e contribuições para a segurança social, não declarada nos termos das normas que imponham essa obrigação, em Portugal ou no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal».

Pensando no flagelo do desemprego e no combate à precariedade, é lógico que assim seja. Apenas para a CDU é que não. E é não, porquê? Vejamos...

Apesar de o porta-voz da bancada da CDU ter afirmado ontem na AM, peremptoriamente, que para eles também era óbvio que «a trabalho permanente tem que corresponder um vínculo permanente», o certo é que na CMA não é essa a prática dos últimos anos, como o BE tem vindo a denunciar.

Para o efeito basta ler os vários artigos que aqui já foram apresentados ou, em alternativa, consultar a página da AM e analisar o teor dos diversos requerimentos que o BE já apresentou sobre o assunto, seis dos quais ainda não obtiveram resposta, embora o prazo para o efeito já tivesse sido ultrapassado (o Código do Procedimento Administrativo e a legislação autárquica são dois outros diplomas que a CMA não cumpre, sistematicamente).

E o problema reside aí. É que, nesta óptica, seriam as empresas que se deveriam recusar a ter como parceira uma autarquia cuja política de gestão de recursos humanos é um incentivo ao trabalho precário.

Ou seja, bem vistas as coisas, a reacção da bancada da CDU só podia mesmo ser a que foi, pois caso a moção do BE tivesse sido aprovada, colocar-se-ia à CMA um sério problema de ética e legitimidade política.

E mais não digo. Brevemente haverão novos desenvolvimentos (que é como quem diz, “a novela do trabalho precário na CMA” continua no próximo capítulo).

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