terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

CONTRA A PRAXE, NÃO FICAREMOS EM SILÊNCIO!



«Somos estudantes e não ficaremos em silêncio. Há muitos colegas que pensam como nós: a Universidade seria melhor sem praxe. Há muitas formas de integração. Gostamos de ser estudantes, dos espaços de convívio, da aprendizagem coletiva. Gostamos de festas. Nada disso é a praxe. A Universidade que queremos não se rege pela hierarquia cega, pela constante humilhação, pelas práticas e os cânticos machistas, racistas, xenófobos ou homofóbicos como é tão recorrente na maioria das praxes. A tradição académica que reivindicamos é a da liberdade, a do pensamento crítico, a dos movimentos de estudantes que, noutras épocas, substituíram a praxe por coisas mais úteis e muito mais interessantes.

Nos últimos dias, a opinião pública tem-se debruçado sobre os acontecimentos do Meco, sobre os seis jovens que morreram enquanto estavam num fim-de-semana de praxe. A praxe tem sido amplamente debatida na comunicação social. Mas não é a primeira vez que acontecem tragédias no âmbito de actividades praxistas.

Nada disto é novo para qualquer estudante universitário. Mesmo quem se recusa a pactuar com estas práticas, é obrigado a assistir a elas diariamente, especialmente em Setembro, sem ter para si qualquer outra alternativa de integração. Os estudantes de primeiro ano, com placas no pescoço que os intitula de “bestas”, mascarados como os praxistas desejam e a fazer o que os praxistas desejam, percorrem as universidades, percorrem as salas de aula, percorrem o espaço comum.

A praxe não é integração, mesmo que nela haja atividades que integrem A praxe é um conjunto de princípios que estão plasmados nos seus códigos: a obediência cega, sem questionar, a humilhação, a falta de humanidade, o conformismo. Esta tragédia foi a “gota de água”. Percebemos que é preciso combater estas práticas, quando há tantas formas de integração que não passam por praxe. Somos um conjunto de estudantes universitários. Falamos por nós, mas sabemos que muitos colegas se remetem ao silêncio por medo, por serem coagidos ou por falta de informação. É também para quebrar esse silêncio que aqui estamos. E para apoiar todos os nossos colegas que queiram denunciar práticas de abuso. Iremos até às últimas consequências.»


MANIFESTO ANTI-PRAXE (2003) Contra o cinzentismo da praxe

«Porque vemos na praxe uma prática que atenta contra os mais elementares direitos humanos, nomeadamente a liberdade, a igualdade, a integridade física e psicológica e a livre expressão da individualidade, ao mesmo tempo que exalta os valores mais reaccionários da nossa sociedade.

Porque não vemos qualquer motivo para a existência de hierarquias entre estudantes, tendo em conta que todos/as devem ser tratados/as por igual nas relações interpessoais.

Porque acreditamos que a tradição nunca poderá ser um entrave à mudança e, muito menos, poderá alguma vez legitimar um comportamento inaceitável em qualquer sociedade.

Porque não aceitamos o poder auto-instituído e nada democrático dos organismos da praxe, que se constituem em estruturas paralelas com regras próprias.

Defendemos que a recepção aos/às novos alunos/as, sempre que se justifique a sua existência, se deve basear em relações de igualdade. Nesta iniciativa, os/as estudantes olhar-se-ão nos olhos e tratar-se-ão por "tu", construindo um conjunto de redes de solidariedade e de camaradagem não exclusivas. Todos/as se divertirão por igual, deixando a diversão de uns de ser a humilhação de outros/as. Desta forma, incentivar-se-á o verdadeiro altruísmo que consiste em ajudar os/as outros/as sem exigir qualquer contrapartida.

Defendemos igualmente que a faculdade deve ser uma instituição aberta ao mundo que a rodeia, transformando-o e sendo por ele transformada. Uma instituição que deve proporcionar a livre intervenção e fomentar a criatividade, não impondo códigos de conduta nem promovendo a segregação. Mas este ideal nunca será concretizável enquanto o espírito da praxe reinar na faculdade.

Exigimos ainda que as instituições de Ensino Superior tomem sobre si a responsabilidade de prestar todas as informações e aconselhamento necessários aos/às estudantes, quebrando assim com o princípio paternalista do "apadrinhamento" que compromete e fragiliza a autonomia dos recém-chegados.

Exercemos desta forma o nosso direito à indignação. Como parte da sociedade civil pensamos que o que se passa no interior das faculdades diz respeito a todos/as. Logo, jamais poderemos fechar os olhos à triste realidade das "tradições académicas". E juntamos a nossa voz à voz de todos e todas que lutam diariamente contra o cinzentismo da praxe e se batem por uma faculdade crítica, aberta e democrática!

Subscritores:
Ana Drago, Socióloga
António Reis, Prof. Universitário
Baptista Bastos, Escritor
Carlos Tê, Compositor
Catarina Portas, Jornalista
E. Prado Coelho, Prof. Universitário
Garcia Pereira, Advogado
João Aguardela, Músico (ex-Sitiados)
João Cutileiro, Escultor
João Teixeira Lopes, Sociólogo
José Mário Branco, Músico
José Pedro Gomes, Actor
José Saramago, Escritor
Lídia Franco, Actriz
Manuel Cruz, Músico (ex-Ornatos Violeta)
Manuel Graça Dias, Arquitecto
Maria José Morgado, Magistrada
Mário Mata, Músico
Miguel Guedes, Músico
Pacman, Músico (Da Weasel)
Pedro Abrunhosa, Músico
Raúl Solnado, Actor
Rita Ferro, Escritora
Rosa Mota, ex-Atleta
Rui Júnior, Músico (TocáRufar)
Saldanha Sanches, Prof. Universitário
Sérgio Godinho, Músico
Sobrinho Simões, Prof. Universitário

Vitorino, Músico»

2 comentários:

Anónimo disse...

mas como é que o Eduardo Prado Coelho assina isto se já morreu?

Minda disse...

Caro anónimo.

Só deu por esse? Então e o Saramago? também já faleceu... parece-me que está um pouco desatento.
Um pouco é favor pois nem reparou que o texto subscrito por essas e outras figuras públicas é de 2003, tal como é indicado no respetivo título.
E, que que saiba, nessa altura estavam ambos vivos.

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