sábado, 1 de outubro de 2016

A Assembleia Municipal de Lisboa e a Mitomania.


Na passada terça-feira, dia 27 de setembro, assistimos àquela que parece ser mais uma demonstração da subserviência da Assembleia Municipal de Lisboa àquilo que são os ditames do executivo do município ou, antes, daquela que é uma submissão encapotada de alguns (muitos, infelizmente) “parlamentares” ao partido que detém o poder na autarquia.
O assunto é recorrente e já aqui muito escrevi sobre ele: Câmara Municipal de Lisboa versus Assembleia Distrital.
Apesar da ousadia daqueles que insistiram (e insistem) em apresentar recomendações e/ou em votar a favor do respetivo conteúdo, há por outro lado uns quantos (a maioria, lamentavelmente, pois à bancada do PS costuma juntar-se o grupo de cidadãos liderado por Helena Roseta, designados “com pompa e circunstância” por “Independentes” e até o CDS-PP ou o PNPN) que não têm pejo em faltar à verdade para sustentar aquela que começou por ser uma posição isolada e caprichosa de António Costa, assumida em dezembro de 2011 (contrária à lei e em desrespeito pelo funcionamento democrático dos órgãos colegiais autárquicos convém não esquecer) mas a que Fernando Medina nunca teve coragem de se opor até à data, quiçá para não ter de afrontar o agora 1.º Ministro cuja influência nos corredores do poder municipal continua bem presente.
Passemos, então, àquilo que se passou na 118.ª sessão da Assembleia Municipal de Lisboa:
Excerto da intervenção da deputada municipal Cláudia Madeira (do Partido Ecologista “Os Verdes”) sobre a “Recomendação 07/118 (PEV) – Obrigações do Município de Lisboa relativamente à Assembleia Distrital de Lisboa”:
«O terceiro tema que pomos à consideração dos senhores deputados está relacionado com as obrigações do município para com a Assembleia Distrital de Lisboa.
O Ministério das Finanças comunicou, recentemente, à Câmara que esta mantém uma dívida de cerca de 134.420 euros para com a Assembleia Distrital de Lisboa, valor que resulta do incumprimento do pagamento da respetiva quotização desde janeiro de 2012 até ao final de junho de 2014.
Estes valores foram aprovados numa reunião plenária distrital, em cumprimento dos requisitos legalmente exigidos, órgão em que têm assento todos os municípios do distrito de Lisboa e destinavam-se a suportar os encargos com o pessoal e os custos de funcionamento dos serviços que se encontravam dependentes da Assembleia Distrital de Lisboa.
Muito simplesmente, e em nome do rigor e do cumprimento, o que propomos é que a Câmara faça esse pagamento regularizando, assim, a referida dívida.»
A reação do Partido Socialista não se fez esperar e foi conhecida através das palavras do Presidente da Junta de Freguesia do Lumiar, Pedro Delgado Alves:
«Uma última nota também importante e que se prende com as obrigações do município em relação à Assembleia Distrital. Não nos parece possível acompanhar a formulação que aqui é apresentada pelos Verdes porque não está, de todo, clarificado aquele que é o nível das obrigações ainda em dívida relativamente à Assembleia Distrital.
E, de facto, há um apuramento em curso e parece prematuro aceitar valores que, efetivamente, segundo a informação que obtivemos não estão consolidados e, portanto, nesta fase estando a ser acompanhado entre a Câmara e o Ministério não parece pertinente poder fazer este exercício e poder ter já em conta a maneira de, através da votação desta recomendação poder concretizá-lo.
Evidentemente, se houver disponibilidade, para uma formulação genérica de acompanhamento, sem fixação de valores, seria uma questão diferente, mas exactamente como vem formulada, não fica efetivamente, não corresponde àquilo que aparentam ser os dados disponíveis por parte do município.»
Mais uma vez (e, confesso, sem surpresa minha) o PS preferiu optar por deturpar os factos para, mais uma vez, impedir que aquele órgão deliberasse aprovar uma recomendação que teria implícita a condenação de um ato de António Costa. E aqui “d’el rei”, ai daquele que, querendo garantir o lugar nas próximas eleições autárquicas (que são já no próximo ano) se atreva a criticar o posicionamento de António Costa sobre a Assembleia Distrital de Lisboa.
Não está clarificado qual é o nível das obrigações do município? Uma afirmação destas, além de ser uma declarada mentira é, sobretudo, uma ofensa àqueles que sofreram na pele as consequências da recusa da autarquia em assumir as suas responsabilidades (refiro-me aos trabalhadores a quem a ADL deixou de poder assegurar vencimentos e subsídios de férias atempadamente).
As obrigações do município de Lisboa que aqui estão em causa, como muito bem sabem os deputados municipais, são aquelas a que se referiam o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, e apenas essas.
A quota anual que cabia a cada uma das câmaras do distrito de Lisboa resultou sempre da sua consignação no respetivo orçamento elaborado nos termos da lei e aprovado por um colégio de autarcas a que pertenciam três representantes de cada município.
Os argumentos que suportam esta obrigação até ao dia 01-07-2014 (data da entrada em vigor da Lei n.º 36/2014, de 26 de junho) são os mesmos que constam da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa de 01-06-1995 e do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15-01-2015. Ou seja, os argumentos jurídicos são estes e não aqueles que António Costa “inventou” e o Partido Socialista, de forma subserviente, subscreve.
É mentira que exista “um apuramento em curso”.
É mentira que os valores da dívida da CML à ADL estejam por consolidar.
E isso mesmo ficou comprovado pelo grupo de trabalho que teve a seu cargo confirmar os valores indicados pela ADL nas Contas de Encerramento como fazendo parte da Universalidade Jurídica a transferir para o Estado Português nos termos do Despacho de 20-08-2015, informação que a própria Secretaria-Geral do Ministério das Finanças indica no seu ofício de 12-09-2016 e que foi por mim enviado à Assembleia Municipal de Lisboa em anexo a um requerimento a que nem sequer se dignaram citar aquando da leitura do expediente na sessão de 27-09-2016 (terá sido este um “esquecimento” propositado, quiçá uma espécie de ato de censura?).
E tal como o Partido Socialista, também o “grupo dos independentes” preferiu não se comprometer com a verdade. Vejamos o que a propósito do tema disse Ana Gaspar, do grupo “Cidadãos por Lisboa”, também designado por Independentes:
«Relativamente às obrigações do município, a informação que nós temos é que, inclusivamente, foram integrados três trabalhadores da Assembleia Distrital de Lisboa e, portanto, há que haver mecanismos de compensação. As contas estão, ainda, a ser feitas e não poderemos acompanhar o voto.»
Não sei que informações são essas que aquela autarca tem mas, como o provam os documentos aqui citados, posso afiançar que,
É mentira que as contas estejam a ser feitas.
Sendo verídico que a Câmara de Lisboa integrou três ex-trabalhadores da Assembleia Distrital, esse facto apenas reportou efeitos a 01-11-2014 nada tendo a ver com a dívida em causa que se refere ao período de 01-01-2012 a 30-06-2014.
Aliás, como prova de que essa integração nada tinha a ver com os encargos a que se referia o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, foi o facto de a autarquia se ter recusado a assumir a liquidação do subsídio de férias de 2014 que esses trabalhadores tinham em atraso alegando que apenas assumiria os custos com o pessoal havidos após a entrada em vigor da Lei n.º 36/2014, de 26 de junho, tendo estes valores sido pagos pela Secretaria-Geral do Ministério das Finanças em 15-12-2015.
Por isso, “mecanismos de compensação”? Devem estar a brincar!
Compensar o município de Lisboa por ter levado, deliberadamente, a Assembleia Distrital de Lisboa à falência?
Compensar o município de Lisboa por ter sido o responsável por haver trabalhadores com subsídios de férias em atraso durante vários meses e uma funcionária sem vencimento durante um ano?
Compensar o município de Lisboa pelas mentiras proferidas durante todo o processo de transferência da Universalidade Jurídica da ADL e que culminou com a sua passagem para o Estado Português?
Em suma: compensar o município de Lisboa por incumprir a lei? Por desrespeitar a Constituição da República Portuguesa? Por menosprezar o funcionamento democrático dos órgãos autárquicos?
Ainda quanto aos três trabalhadores que foram integrados no município, não podemos esquecer que se eles têm custos também prestam serviços (e pelo menos dois deles com reconhecidos méritos) pelo que pretender olhar para essa ocorrência como algo que necessita de ser compensado financeiramente é a demonstração evidente da "estranha forma" como em Lisboa se desconsideram os trabalhadores do município que mais não são do que "um encargo sem valor".
Votos contra – PS, deputados Independentes, PNPN e CDS-PP.
Abstenções – PAN.
Votos a favor – restantes forças políticas: PSD, PCP, PEV, BE.
E para terminar, as palavras de Helena Roseta que, atendendo à sua ativa participação em todo o processo pós publicação da Lei n.º 36/2014, não deixam de encerrar uma grande dose de hipocrisia:
«Portanto, não teve maioria. O que não significa que o município não tenha que cumprir as suas obrigações desde que seja, efetivamente, intimado para o efeito e que esteja apurado o efetivo valor, que não está ainda».
Hipocrisia e mentira, mais uma vez. Porque, como aqui fica demonstrado, é mentira que o valor da dívida da Câmara de Lisboa à Assembleia Distrital esteja ainda por apurar.
Face ao exposto, é legítimo que nos questionemos:
Que ideia de Democracia é a destes autarcas?
Que significado tem para esta gente o princípio da legalidade a que devem (deveriam) obedecer?
Que Estado de Direito defendem?
Como políticos, que valor dão à sua palavra?
Que princípios constitucionais são, afinal, os seus?
Se mentem por "coisas tão comezinhas" (como eventualmente classificarão o caso da Assembleia Distrital), como será o seu comportamento em relação a assuntos mais complexos?

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