Não se tratou de nenhuma investigação
da minha parte (felizmente tenho mais que fazer e muitas outras questões me
preocupam) com o objetivo de promover uma qualquer vingança em resultado da má-fé
com que a Câmara e a Assembleia Municipal de Lisboa atuaram em relação à Assembleia
Distrital.
É bom não esquecer que o assunto
“caiu” no domínio público através, nomeadamente, de dois artigos do jornal Público que já aqui comentei (de 29
de janeiro e de 3
de fevereiro de 2016).
Como cidadã a viver num Estado de
direito democrático (mesmo depois de ter sentido na pele injustiças
que me fizeram duvidar dos fundamentos que o sustentam ainda acredito neste
princípio) tenho liberdade de expressar o que penso.
Deixar o medo de futuras represálias
(é difícil esquecer os salários em atraso por 12 meses consecutivos, só para
citar algumas das mais recentes) dominar a vontade de me expressar livremente seria
perder toda a dignidade, pelo que prefiro arriscar a ficar calada.
Também sei que certas
pessoas se incomodam sobremaneira com a opinião dos outros apenas porque estes
os ousam questionar sobre os seus atos públicos. Mas apesar do seu poder e
influência não ser mera ficção, ainda assim recuso-me a usar a mordaça e a
venda que alguns bem gostariam de me colocar.
E porque assumo sempre aquilo que
digo e considero que há, ainda, muita coisa por explicar, aqui vai mais um escrito
sobre o caso das despesas de
representação no município de Lisboa e que aparece na sequência dos dois
anteriores: de 30
de janeiro e de 6
de fevereiro.
««»»
Recomecemos com a transcrição das
declarações da Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, a também agora deputada
Helena Roseta, aos jornalistas no passado dia 3
de fevereiro:
«A autarca, eleita na lista do PS em nome dos Cidadãos Por Lisboa, sublinha
que os dirigentes municipais “têm direito” a receber as despesas de
representação e acrescenta que as verbas respectivas sempre estiveram
discriminadas nos orçamentos municipais. “É da lei, eles têm direito, e não foi
nada escondido”, sublinha.
Quanto à possibilidade de ter havido uma violação da lei, Helena Roseta
recusa assumir uma posição. “Não sou juiz para dizer se era ou não obrigatório
[fazer aprovar a atribuição das verbas pela assembleia municipal], mas mais
vale a mais do que a menos”, diz, defendendo que “o que está para trás tem que
se regularizar”.
Nesse sentido, a presidente da assembleia municipal adianta ao PÚBLICO
que vai solicitar um parecer sobre esta matéria aos serviços jurídicos do
município, acrescentando que num segundo momento é sua intenção pedir o mesmo à
Direcção-Geral das Autarquias Locais. “O que quero é resolver o problema”,
conclui Helena Roseta, que não quer sequer ouvir falar na hipótese de os
dirigentes terem que repor as quantias recebidas.»
Tendo presente qual foi o
comportamento de Helena Roseta no caso da Assembleia Distrital de Lisboa – do apoio
inequívoco à atitude ilegal de António Costa em recusar pagar à ADL a
comparticipação prevista no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de
janeiro, e que levou à
falência deliberada da entidade e à existência de salários em atraso por
meses consecutivos, à adoção de uma postura intencionalmente enganadora nas
reuniões do plenário distrital (atas
da ADL n.º 3 e n.º 4/2014) e, depois, na subscrição de uma proposta assente
em falsos pressupostos aprovada na Assembleia
Municipal em 2 de junho de 2015 para sustentar a recusa da Universalidade
da ADL – esta afirmação é uma ofensa à dignidade de quem sofreu as
consequências daqueles atos mas, sobretudo, trata-se de uma afronta aos mais
elementares princípios do Estado de direito democrático pois deixa subentender
que, afinal, há leis que alguns podem violar impunemente e trabalhadores que
merecem o castigo de estar sem vencimento por tempo indeterminado por mero capricho
pessoal de alguns dirigentes políticos, enquanto as despesas de representação em
Lisboa são um complemento salarial “sagrado” que deve ser sempre pago mesmo que
não se cumpram os requisitos que a lei exige.
Mas a hipocrisia que as palavras de
Helena Roseta encerram tocam mesmo o patamar do escândalo pois não só atingem a
imagem do órgão colegial por si presidido como menorizam o papel de quantos cumprem
de forma empenhada o importante papel que lhes foi atribuído pelos eleitores ao
integrar um órgão autárquico cujo principal papel é fiscalizar a atuação do executivo
e para cujo desempenho não é imprescindível ter formação jurídica muito menos
ser juiz para apurar da conformidade legal dos procedimentos pois que se trata de
uma apreciação na sua dimensão de gestão política e não um qualquer julgamento judicial
que é competência dos Tribunais.
Helena Roseta “lava as mãos como
Pilatos” e prefere esconder-se atrás da afirmação de que, por não ser juíza não
tem de saber se o pagamento das despesas de representação inscritas nos sucessivos
orçamentos e contas do município após 2012 por si aprovadas cumpria os
requisitos legais, mas esquece que essa é uma constatação que caberia ao órgão
a que pertence analisar no cumprimento da atribuição expressa no artigo 25.º da
Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, um lapso imperdoável em alguém com as
responsabilidades da citada e em particular com a sua experiência de vários
anos no exercício de cargos autárquicos (já foi presidente de câmara, em
Cascais, e vereadora em Lisboa antes de presidir à AM).
Quanto à louvável preocupação de
Helena Roseta sobre a necessidade de clarificar a situação e à sua intenção de
poder vir a pedir um parecer jurídico à Direção‐Geral das Autarquias Locais, ela
acaba também por ser mais um sintoma da… digamos apenas, falta de tempo para efetuar
uma simples pesquisa e descobrir os documentos oficiais, de acesso público, que
existem disponíveis na Internet e esclarecem essa matéria.
Como seja o Parecer
Jurídico n.º 75/2012 da CCDR-LVT do qual retiramos a transcrição abaixo:
«1- Desde do dia 30 de agosto de 2012, o pagamento das despesas de
representação aos titulares de cargos de direção superior de 1.º grau e de
direção intermédia de 1.º e 2.º graus está dependente de deliberação da
assembleia municipal nesse sentido, nada impedindo que o faça com efeitos
retroativos à data de entrada em vigor da Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto.
2- A assembleia municipal determina, de forma objetiva e fundamentada,
quais são os cargos de direcção superior de 1.º grau e de direção intermédia de
1.º e 2.º graus cujo exercício dá direito à perceção de despesas de
representação, no montante fixado para o pessoal dirigente da administração central,
através do despacho conjunto a que se refere o n.º 2 do artigo 31.º da Lei n.º
2/2004, de 15 de janeiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 64/2011, de
22 de dezembro.
3- Verifica-se, portanto, que, as despesas de representação, depois de
a assembleia municipal determinar quais são os cargos de direção superior de
1.º grau e de direção intermédia de 1.º e 2.º graus cujo exercício dá direito à
sua perceção, têm um caracter certo e permanente para aqueles a quem esse
direito for reconhecido.»
Ou o entendimento sufragado na
reunião de Coordenação Jurídica realizada em 3 de outubro de 2012 na DGAL e na
qual participaram, nomeadamente, a Secretaria de Estado da Administração Local,
a Inspeção‐Geral de Finanças e as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento
Regional:
«Na Administração Local não existia nem existe atualmente base legal
que permita a atribuição de despesas de representação aos dirigentes intermédios
de 3.º grau ou inferior;
Relativamente aos outros dirigentes, e com a entrada em vigor da Lei
n.º 49/2012, o pagamento de despesas de representação deixou de ser
obrigatório, passando a depender da vontade da Assembleia Municipal, a qual
deve deliberar, de forma objetiva e fundamentada, quais os cargos dirigentes
cujo exercício dá direito à perceção de despesas de representação, no montante
fixado pelo despacho conjunto referido no artigo 24.º, pelo que as despesas de
representação deixaram de ser uma característica essencial da remuneração destes
cargos;
Assim, com a entrada em vigor da Lei n.º 49/2012, só pode haver lugar
ao pagamento de despesas de representação se a Assembleia Municipal deliberar
nesse sentido, nada impedindo que o faça com efeitos retroativos à data da entrada
em vigor da Lei n.º 49/2012.» Fonte: deliberação
da CM de Leiria.
Helena Roseta está muito preocupada
em garantir que os dirigentes em causa não tenham de devolver as verbas
recebidas entre 2012 e 2015 a título de despesas de representação.
Se por um lado a “deputada
autarca” pretende passar a ideia de que o inverso era injusto e, por isso, “nem
quer ouvir falar” na reposição dessas verbas, por outro lado acaba por
demonstrar uma inqualificável indiferença perante as regras básicas da boa
gestão autárquica.
Porque se é certo que a maioria
dos dirigentes terá confiado, de boa-fé, que o recebimento daquele suplemento
remuneratório cumpria os requisitos legais para ser liquidado (e por isso o
recebiam), outros há que terão muita dificuldade em explicar as razões do seu
silêncio em função das atribuições que lhes cabem no âmbito das funções por si
exercidas ao nível jurídico, financeiro e dos recursos humanos.
Uma defesa efetiva dos direitos
dos trabalhadores deve apurar, sem margem para quaisquer dúvidas, as efetivas
responsabilidades de quem entre eles, por acção direta (eventual emissão de
parecer sustentando o incumprimento) ou por omissão negligente (não informando
os decisores políticos da correta interpretação da lei) acabou por levar ao
pagamento indevido, durante cerca de três anos consecutivos, de despesas sem
suporte legal.
E, na minha opinião, importa
também esclarecer se o facto de nesse período não ter sido apresentada qualquer
proposta à Assembleia Municipal resultou de uma possível falha de quem devia
ter informado tecnicamente os serviços e, por incúria, não o fez, ou se a
decisão de nada enviar ao órgão deliberativo partiu da expressa vontade política
de quem detém o pelouro na matéria e desejou que assim se procedesse.
Se na Câmara de Lisboa estão
assim tão certos de que a interpretação que fazem da Lei n.º 49/2012, de 29 de
agosto, é a correta nada melhor do que solicitar a intervenção do Tribunal de
Contas e da própria Inspeção-Geral de Finanças para “tirar as teimas”. Se nada
têm a temer uma auditoria destas entidades seria, de facto, a forma mais
transparente de apurar responsabilidades e/ou desfazer confusões
interpretativas.
Infelizmente, depois de
resolvidas as quezílias partidárias na Assembleia Municipal e alterada a proposta
que foi aprovada por unanimidade na Câmara Municipal, acrescentando-lhe a retroatividade
suficiente para “limpar” a situação anterior, temo que tudo acabe como se nada tivesse
acontecido, branqueando eventuais atos negligentes e legitimando interpretações
da lei à medida de interesses específicos e depois corrigidos quando for mais
oportuno.
A terminar não posso deixar de me
questionar se não terá mesmo sido intencional esconder da Assembleia Municipal
este assunto. Em plena época austeritária extremista do anterior Governo, e uma
composição do plenário sem maioria absoluta (PS e PSD tinham o mesmo número de
mandatos) como teriam reagido os partidos em 2012 ao pagamento destas despesas ditas
de representação e que nalguns casos são de valor muitíssimo superior ao ordenado
mensal auferido por milhares de trabalhadores na autarquia?
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