terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Fundamentalismo Rodoviário

«Fundamentalismo, pode significar qualquer posição de defesa de um conceito, ideologia ou doutrina, de ordem religiosa ou de outro tipo, de forma absolutamente radicalizada e fanatizada, sem qualquer análise isenta ou crítica. (In Infopédia: Porto Editora, 2003-2008)

Fundamentalista, pessoa que faz investigação sobre os princípios teóricos que estão na base das aplicações práticas. (In Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea: Academia das Ciências de Lisboa, p.1836)

Utilizar mecanismos tarifários (tal como no caso do estacionamento e do acesso aos centros urbanos), como factor de dissuasão à utilização do automóvel individual (In Sítio municipal sobre a participação de Almada no projecto europeu PIMMS, sobre gestão da mobilidade)»


«As modificações no trânsito automóvel na parte velha da cidade de Almada estão a deixar a generalidade dos que ali têm de se deslocar à beira de uma crise de nervos. Bloqueadas as saídas pelas ruas Bernardo Francisco da Costa, Olivença e Fernão Lopes e complicado o trânsito na Rua Capitão Leitão, à maioria do trânsito que deseja sair daquela parte da cidade só resta a alternativa da Rua Mendo Gomes Seabra, onde as filas de automóveis caminham a passo de caracol, qual armadilha onde se entra com alguma facilidade, mas de onde dificilmente se sai. Os que conhecem a cidade, ainda poderão sair pelas Torcatas ou fazer o circuito horroroso das Ruas Heliodoro Salgado, Carvalho Serra, D. João de Portugal, Elias Garcia, Francisco Andrade e, qual fim de labirinto, Bernardo Francisco da Costa versus Praça Gil Vicente.

Perguntamo-nos todos: porquê esta maldade à população de Almada? A resposta não é difícil de encontrar se procurarmos nos sítios da Internet da CMA ou nos boletins caríssimos que nos oferecem gentilmente todos os meses: todos seremos mais felizes se reduzirmos o trânsito automóvel dentro da cidade, e esta ficará mais saudável para aqui vivermos. Por isso aconselham-nos a andarmos a pé, de bicicleta ou, quanto muito, de veículo motorizado amigo do ambiente.

Se você é idoso, tem dificuldades motoras e precisa de se deslocar, a sua saúde só ganha se for a pé. Mas se é comerciante e precisa de abastecer a sua loja, faça como os comerciantes do “Martim Moniz”: use um carrinho de mão de duas rodas, e faça de Almada a Veneza da Península de Setúbal. Só que, aqui, alcatroados ou em calçada, os canais estão secos.

Velando pela nossa saúde e pelo nosso bem-estar, a CMA está a impor-nos um modo de vida que não interessa se nos satisfaz, o que é preciso é que satisfaça os seus modelos teóricos aplicados na nossa cidade.

E, vai daí, dificultaram ao máximo o estacionamento dentro da cidade para os que ali se deslocam, atribuindo a maioria do espaço de estacionamento disponível aos residentes. Deste modo, reduz-se a circulação automóvel de visitantes e de residentes.

Aparentemente favorável para os residentes, esta solução tem porém um efeito perverso. Os visitantes não são apenas os clientes e os abastecedores do comércio, mas são também os nossos pais e filhos, os nossos amigos, as nossas assistências clínicas e técnicas, que passaram a ver a vida negra para poderem estacionar perto das nossas casas. Um pequeno exemplo junto aos Paços do Concelho: 5 lugares de estacionamento para serem usados por 2 residentes. 3 lugares livres que o barbeiro, o ferrageiro, o droguista e outros comerciantes e seus clientes não podem utilizar, a não ser que se arrisquem a pagar os 60€ de multa da Ecalma, que tem aqui um belo negócio!

Este fundamentalismo rodoviário não está a afectar somente Almada Velha. Afecta também a generalidade das ruas de Cacilhas, da Quinta da Alegria, da Rua D. Sancho I, do Pragal, das Barrocas e da Cova da Piedade, onde modelos idênticos de limitação ao estacionamento estão a ser implementados. Aqui fica outro exemplo, denunciado pelos moradores da Praceta Ricardo Jorge (junto aos SMAS e ao quartel da Polícia): para 4 prédios com cerca de 60 fogos, foram destinados 4 lugares de estacionamento para residentes, 6 para os SMAS e 24 para a Polícia, que esta corporação ainda considera pouco!

Apelam-nos ainda para que usemos mais os transportes públicos. E aqui, o que verificamos? Ao invés de aumentarem este serviço público, retiraram-nos a carreira das Torcatas e, qual ideia mirabolante, temos a carreira do Cristo-Rei a circular junto ao mercado, às zonas comerciais da Bernardo Francisco da Costa e Capitão Leitão e dos Paços do Concelho, num sentido, mas não temos esta carreira a circular em sentido inverso neste percurso. Ou seja, quem quer ir de Almada Velha em direcção a Cacilhas, só através do eixo central da cidade encontra transportes públicos para o fazer.

“Os fundamentalistas rodoviários devem estar loucos!” seria um bom título para um filme de terror. Só que este filme é real e verdadeiro na nossa cidade!


António Tavares, in jornal Notícias de Almada de 18-12-2008

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails